Allan Kardec
Lia-se há pouco tempo, nos
jornais de Lyon, o seguinte anúncio, veiculado igualmente em cartazes fixados
nas paredes da cidade:
O Sr. Hume, o célebre médium americano, que teve a
honra de fazer suas experiências perante S. M. o Imperador[2],
a partir de quinta-feira, 1º de abril, dará sessões de espiritualismo no grande
teatro de Lyon. Produzirá aparições etc., etc. Poltronas especiais serão
dispostas no teatro para os senhores médicos e sábios, a fim de poderem
assegurar-se de que nada foi preparado. As sessões serão variadas pelas
experiências da célebre vidente, Sra..., sonâmbula extra lúcida, que
reproduzirá sucessivamente todos os sentimentos, à vontade dos espectadores.
Preço dos lugares: 5 francos – primeira classe; e 3 francos – segunda classe.
Os antagonistas do Sr.
Home (alguns escrevem Hume) não quiseram perder essa ocasião de o expor ao
ridículo. Em seu ardente desejo de fisgá-lo, acolheram essa grosseira
mistificação com uma solicitude que bem atesta a sua má-fé e o seu desprezo
pela verdade, porquanto, antes de atirar pedras nos outros é preciso
assegurar-se de que elas não errarão o alvo. Mas a paixão é cega, não raciocina
e, muitas vezes, engana-se a si mesma na tentativa de prejudicar os outros.
“Eis, pois”, exclamaram jubilosos, “esse homem tão glorificado, reduzido a
mostrar-se nos palcos, dando espetáculos a tanto por pessoa!” E os seus jornais
a darem crédito ao fato sem maior exame. Infelizmente, para eles, sua alegria
não durou muito.
Mais que depressa, nos
escreveram de Lyon para obter informações que pudessem ajudar a desmascarar a
fraude, e isso não foi difícil, graças, sobretudo, ao zelo de numerosos adeptos
que o Espiritismo conta naquela cidade. Assim que o diretor do teatro soube de
que negócio se tratava, imediatamente dirigiu aos jornais a carta seguinte:
Senhor redator: Apresso-me a informar que o espetáculo
anunciado para quinta-feira, 1º de abril, no grande teatro, não mais será
realizado. Eu julgava haver cedido a sala[3]
ao Sr. Home, e não ao Sr. Lambert Laroche, que se diz Hume. As pessoas que
antecipadamente obtiveram camarotes ou cadeiras numeradas na plateia poderão
apresentar-se à bilheteria para serem reembolsadas.
Por outro lado, o acima
mencionado Lambert Laroche (natural de Langres), interpelado acerca de sua
identidade, achou por bem responder nos seguintes termos, que reproduzimos na
íntegra, visto não desejarmos absolutamente que ele nos possa acusar da menor
alteração:
“Vós me submeteste diverças extra de vossas
correspondência de Paris, das quales resulta que um Sr. Home que dá cessão
nalgum salão da capitale, se acha nesse momento na Intália e não pode por
consequênça se achar em Lyon. Senhor, eu ingnoro 1º conhecer esse Sr. Home, 2º
eu não cei quale é o seu talento, 3º eu nunca tive nada de comum cum esse Sr.
Home, 4º eu trabaiei e trabaio cum nomi de guerra que é Hume do qual eu
justifico pelos artigo de jornais du istrangeiro e francês que vos é submetido
5º viajo cum dois cumpanhêro meu gênero de isperiença consiste em
espiritualismo ou evocação vizão, e numa palavra reprodução das idéa do
ispectador por um sugeito, minha ispecialidade é de operá por esse procedimento
sobre as pessoa istrangeiras, como se pude ver nos jornais que vein da espanha
e da africa.
Assim Sr. redator, vos demonstro que eu não quinz tomar
o nome desse pretendido Home que vós dizeis em reputassão, o meu é
suficientemente conhesido por sua grande notoredade e pelas isperiença que
possul. Recebei Sr. redator minhas saudassão atensiosa[4].
Cremos inútil dizer que o Sr.
Lambert Laroche deixou Lyon com as honras da guerra. Por certo irá a outros
lugares em busca de pessoas mais fáceis de enganar. Acrescentamos somente uma
palavra para exprimir nosso pesar, por vermos com que deplorável avidez certas
pessoas, que se dizem sérias, acolhem tudo quanto possa servir à sua
animosidade. O Espiritismo goza hoje de muita reputação para temer a
charlatanice; não é mais aviltado pelos charlatães do que a verdadeira ciência
médica pelos curandeiros das encruzilhadas; por toda parte encontra, sobretudo
entre as pessoas esclarecidas, zelosos e numerosos defensores, que sabem
afrontar as zombarias. Longe de prejudicar, o caso de Lyon apenas serve à sua
propagação, ao chamar a atenção dos indecisos para a realidade. Quem sabe até
se não foi provocado com essa finalidade por um poder superior? Quem pode se
vangloriar de sondar os desígnios da Providência? Quanto aos adversários do
Espiritismo, permite-se-lhes rir, jamais caluniar; alguns anos ainda e veremos
quem dará a última palavra. Se é lógico duvidar daquilo que não se conhece, é
sempre imprudente inscrever-se em falso contra as ideias novas que, mais cedo
ou mais tarde, podem dar um humilhante desmentido à nossa perspicácia: a
História aí está para o provar. Aqueles que, no seu orgulho, aparentam piedade
dos adeptos da Doutrina Espírita, estarão tão elevados quanto imaginam? Esses
Espíritos, que ridicularizam, recomendam que se faça o bem e proíbem o mal,
mesmo aos inimigos; eles nos dizem que nos rebaixamos pelo só desejo do mal.
Qual é, pois, o mais elevado – o que procura fazer o mal ou aquele que não
guarda em seu coração nem ódio nem rancor?
O Sr. Home regressou a Paris há
pouco tempo; mas deve partir sem demora para a Escócia e, de lá, para São
Petersburgo.
[1] REVISTA ESPÍRITA – maio/1858 – Allan Kardec
[2] N. do T.: Napoleão III. Último Imperador
francês, o sobrinho de Napoleão Bonaparte não disfarçava seu interesse pela
Doutrina Espírita. A pedido seu, o próprio Allan Kardec compareceu às Tulherias
para tratar da doutrina exposta em O Livro dos Espíritos.
Sabe-se, inclusive, que
memoráveis sessões espíritas de efeitos físicos foram realizadas no antigo
palácio de Catarina de Médicis, na presença do Soberano e da Imperatriz
Eugênia. Excessivamente modesto e discreto, traços marcantes de sua
personalidade, jamais o Codificador fez alarde desse fato.
[4] N. do T.: Grifos nossos. A tradução aqui
apresentada tenta reproduzir, embora sem muito sucesso, o linguajar e a escrita
de uma pessoa semianalfabeta.
Torna-se bastante evidente a pouca cultura do
missivista.
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