Allan Kardec
De Haia, na Holanda, um de
nossos assinantes comunica-nos o seguinte fato, ocorrido num círculo de amigos
que se ocupavam com as manifestações espíritas. Isso prova uma vez mais – diz
ele – e sem nenhuma contestação possível, a existência de um elemento
inteligente e invisível, agindo individual e diretamente sobre nós.
Os Espíritos se anunciam pelo
movimento de pesadas mesas e pelas pancadas que desferem.
Perguntasse-lhes os nomes:
finados Sr. M. e Sra. G., muito afortunados durante a existência; o marido, de
quem provinha a fortuna, não tendo filhos deserdou seus parentes próximos em
favor da família da esposa, morta pouco tempo antes dele. Entre as nove pessoas
presentes à sessão, encontravam-se duas damas deserdadas, bem como o marido de
uma delas.
O Sr. M. fora sempre um pobre
diabo e o mais humilde servidor de sua esposa. Após a morte desta, sua família
instalou-se em sua casa para cuidar dele. O testamento foi feito com o atestado
de um médico, declarando que o moribundo gozava da plenitude de suas faculdades
mentais.
O marido da dama deserdada, que
designaremos sob a inicial R..., usou da palavra nestes termos: Como ousais
apresentar-vos aqui depois do escandaloso testamento que fizestes?
A seguir, exaltando-se cada vez
mais, acabou por lhe dizer injúrias. A mesa, então, deu um salto e atirou a
lâmpada com força na cabeça do interlocutor. Este lhe pediu desculpas por
aquele primeiro impulso de cólera e aquela perguntou-lhes o que vinham fazer
ali.
Viemos prestar conta das razões de nossa conduta.
As respostas eram dadas por meio de pancadas indicando as
letras do alfabeto.
Conhecendo a inépcia do marido,
o Sr. R. disse-lhe bruscamente que ele devia retirar-se e que só ouviria a esposa.
Então o Espírito desta disse que a senhora R... e sua irmã eram bastante ricas
e poderiam passar muito bem sem a sua parte na herança; que alguns eram maus e
que outros, enfim, deveriam sofrer essa prova; que por tais razões aquela
fortuna melhor convinha à sua própria família.
O Sr. M. não se deu por
satisfeito com essas explicações e manifestou sua cólera em reprimendas
injuriosas. A mesa, então, agitou-se violentamente, empinou-se, bateu fortes
pancadas no assoalho e atirou mais uma vez a lâmpada sobre o Sr. R... Após
acalmar-se, o Espírito tentou convencer que, desde sua morte, tinha sido
informado de que o testamento fora ditado por um Espírito superior. O Sr. R...
e suas senhoras, não mais desejando prosseguir em uma contestação inútil,
ofereceu-lhe sincero perdão. Logo a mesa se levantou para o lado do Sr. R... e
desceu suavemente contra o seu peito, como se quisesse abraçá-lo; as duas
senhoras receberam o mesmo gesto de gratidão. A mesa tinha uma vibração muito
pronunciada. Serenados os ânimos, o Espírito lamentou a herdeira atual, dizendo
que acabaria por tornar-se louca.
O Sr. R. o censurou também, mas
afetuosamente, por não haver feito o bem durante a vida, quando possuía tão
grande fortuna, acrescentando que ela não era lamentada por ninguém. “Sim,
respondeu o Espírito, há uma pobre viúva que mora na rua...; ainda pensa em mim
com frequência, porque algumas vezes lhe dei alimento, roupa e aquecimento.”
Não havendo o Espírito dado o
nome dessa pobre mulher, um dos assistentes foi à sua procura e a encontrou no
endereço indicado. E, o que não é menos digno de nota é que, depois da morte da
Sra. G..., a viúva havia mudado de domicílio. É este último que foi indicado
pelo Espírito.
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