terça-feira, 17 de setembro de 2024

O ORGULHO[1]

 


 

Dissertação Moral ditada por São Luís à Senhorita Ermance Dufaux

(19 e 26 de janeiro de 1858)

 

I

Um homem soberbo possuía alguns hectares de boa terra; sentia-se envaidecido pelas grandes espigas que cobriam o seu campo e olhava com desdém o campo estéril do humilde. Este se levantava ao cantar do galo e permanecia o dia todo curvado sobre o solo ingrato; recolhia pacientemente os seixos e os lançava à beira do caminho; revolvia profundamente a terra e arrancava com dificuldade os espinheiros que a cobriam. Ora, seu suor fecundou o campo e ele colheu o melhor trigo.

Entretanto, o joio crescia no campo do homem soberbo e sufocava o trigo, enquanto o dono se vangloriava de sua fecundidade, olhando com ar de piedade os esforços silenciosos do humilde.

Em verdade vos digo que o orgulhoso é semelhante ao joio que abafa o bom grão. Aquele dentre vós que acredita valer mais que seu irmão e que disso se vangloria, é insensato; sábio, porém, é o que trabalha por si mesmo, como o humilde em seu campo, sem se envaidecer de sua obra.

 

II

Havia um homem rico e poderoso que desfrutava o poder do príncipe; morava em palácios, e numerosos serviçais esmeravam-se por lhe adivinhar os desejos.

Um dia suas matilhas acossavam os cervos nas profundezas da floresta quando percebeu um pobre lenhador que caminhava com muita dificuldade, sob o peso de um feixe de lenha.

Chamou-o e disse-lhe:

– Vil escravo! Por que passas teu caminho sem te inclinares diante de mim? Sou igual aos senhores da terra: nos conselhos minha voz decide a paz ou a guerra, e os maiorais do reino curvam-se em minha presença. Fica sabendo que sou sábio entre os sábios, poderoso entre os poderosos, grande entre os grandes, e minha posição elevada é obra de minhas mãos.

– Senhor! – respondeu o pobre homem – temi que minha humilde saudação fosse uma ofensa para vós. Sou pobre e não possuo outro bem senão meus braços; mesmo assim, não desejo vossas grandezas enganosas. Durmo a sono solto e não receio, como vós, que o prazer do mestre me faça cair em minha obscuridade.

Ora, o príncipe se aborreceu com o orgulho do soberbo; os grandes humilhados apoderaram-se dele e o precipitaram das culminâncias de seu poder, como a folha seca que o vento varre do alto de uma montanha; mas o humilde continuou tranquilamente seu rude trabalho, sem se preocupar com o dia seguinte.

 

III

Soberbo, humilha-te, porquanto a mão do Senhor dobrará teu orgulho até que se reduza a pó!

Escuta! Nasceste onde te lançou a sorte; saíste do seio de tua mãe, fraco e despido como o último dos homens. Por que elevas mais alto a fronte do que os teus semelhantes, tu que, como eles, nasceste para a dor e para a morte?

Ouve! Tuas riquezas e tuas grandezas, vaidade das vaidades, escaparão de tuas mãos quando vier o Grande Dia, como as águas errantes da torrente que o sol faz evaporar. De tuas riquezas só levarás contigo as tábuas do caixão; e os títulos gravados na lápide sepulcral serão palavras vazias de sentido.

Escuta! O cão do coveiro brincará com teus ossos, e eles serão misturados aos dos indigentes, confundindo-se tuas cinzas com as deles, porque um dia ambos sereis reduzidos a pó.

Amaldiçoarás, então, os dons que recebeste, quando vires o mendigo revestido na sua glória, e chorarás o teu orgulho.

Humilha-te, soberbo, porquanto a mão do Senhor curvará o teu orgulho até o pó.

– Por que São Luís nos fala em parábolas?

– O Espírito humano ama o mistério; a lição se grava melhor no coração quando a procuramos.

– Não parece que atualmente a instrução nos deva ser dada de maneira mais direta, sem que precisemos recorrer à alegoria?

– Encontrá-la-eis no desenvolvimento. Desejo ser lido, e a moral necessita ser disfarçada sob a atração do prazer.



[1] REVISTA ESPÍRITA – maio/1858 – Allan Kardec

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