terça-feira, 10 de setembro de 2024

MEHEMET-ALI, ANTIGO PAXÁ DO EGITO[1]

 


Allan Kardec

 

(16 de março de 1858)

 

1. O que vos impeliu a atender ao nosso apelo?

– Para vos instruir.

2. Estais contrariado por vir até nós e responder às perguntas que vos desejamos fazer?

– Não; as que tiverem por fim vossa instrução, eu o consinto.

3. Que prova podemos ter de vossa identidade e como poderemos saber se não é um outro Espírito que toma vosso nome?

– Para que serviria isso?

4. Sabemos, por experiência, que os Espíritos inferiores muitas vezes se utilizam de nomes supostos; é por isso que vos fizemos essa pergunta.

– Eles utilizam também as provas; mas o Espírito que toma uma máscara também se revela por suas próprias palavras.

5. Sob que forma e em que lugar estais entre nós?

– Sob a que leva o nome de Mehmet-Ali; perto de Ermance.

6. Gostaríeis que vos déssemos um lugar especial?

– A cadeira vazia.

 

Observação – Perto dali havia uma cadeira vazia, à qual não se tinha prestado atenção.

 

7. Tendes uma lembrança precisa de vossa última existência corporal?

– Não a tenho ainda precisa; a morte me deixou sua perturbação.

8. Sois feliz?

– Não; infeliz.

9. Estais errante ou reencarnado?

– Errante.

10. Recordais o que fostes antes de vossa última existência?

– Eu era pobre na Terra; invejei as grandezas terrestres: subi para sofrer.

11. Se pudésseis renascer na Terra, que condição escolheríeis de preferência?

– Obscura; os deveres são muito grandes.

12. Que pensais agora da posição que ocupastes por último na Terra?

– Vaidade do nada! Quis conduzir os homens; sabia conduzir-me a mim mesmo?

13. Dizia-se que já há algum tempo a vossa razão estava alterada; isso é verdade?

– Não.

14. A opinião pública aprecia o que fizestes pela civilização egípcia, e vos coloca entre os maiores príncipes. Experimentais satisfação com isso?

– Que me importa! A opinião dos homens é o vento do deserto que levanta a poeira.

15. Vedes com prazer vossos descendentes trilhando o mesmo caminho? Interessai-vos por seus esforços?

– Sim, já que têm por objetivo o bem comum.

16. Entretanto, sois acusado de atos de grande crueldade: envergonhai-vos deles, agora?

– Eu os expio.

17. Vedes os que mandastes massacrar?

– Sim.

18. Que sentimento experimentam por vós?

– O do ódio e o da piedade.

19. Depois que deixastes esta vida revistes o sultão Mahamed?

– Sim: em vão fugimos um do outro.

20. Que sentimento experimentais agora um pelo outro?

– O da aversão.

21. Qual a vossa opinião atual sobre as penas e recompensas que nos esperam após a morte?

– A expiação é justa.

22. Qual o maior obstáculo que tivestes de vencer para a realização de vossos objetivos progressistas?

– Eu reinava sobre escravos.

23. Pensais que se o povo que governastes fosse cristão, teria sido menos rebelde à civilização?

– Sim; a religião cristã eleva a alma; a maometana não fala senão à matéria.

24. Quando vivo, vossa fé na religião muçulmana era absoluta?

– Não; eu acreditava num Deus maior.

25. Que pensais disso agora?

– Ela não faz homens.

26. Na vossa opinião, Maomé tinha uma missão divina?

– Sim, mas que ele corrompeu.

27. Em que a corrompeu?

– Ele quis reinar.

28. O que pensais de Jesus?

– Esse vinha de Deus.

29. Na vossa opinião, qual dos dois, Jesus ou Maomé, fez mais pela felicidade da Humanidade?

– Por que o perguntais? Que povo Maomé regenerou? A religião cristã saiu pura da mão de Deus; a maometana é obra do homem.

30. Acreditais que uma dessas duas religiões esteja destinada a desaparecer da face da Terra?

– O homem progride sempre; a melhor permanecerá.

31. Que pensais da poligamia consagrada pela religião muçulmana?

– É um dos laços que retêm na barbárie os povos que a professam.

32. Acreditais que a submissão da mulher esteja conforme os desígnios de Deus?

– Não; a mulher é igual ao homem, pois que o Espírito não tem sexo.

33. Diz-se que o povo árabe não pode ser conduzido senão pelo rigor; não pensais que os maus-tratos, em vez de o submeterem, mais o embrutecem?

– Sim, é o destino do homem; ele se avilta quando é escravo.

34. Poderíeis reportar-vos aos tempos da Antigüidade, quando o Egito era florescente, e dizer-nos quais foram as causas de sua decadência moral?

– A corrupção dos costumes.

35. Parece que fazíeis pouco caso dos monumentos históricos que cobrem o solo do Egito. Não podemos compreender essa indiferença da parte de um príncipe amigo do progresso.

– Que importa o passado! O presente não o substituiria.

36. Poderíeis explicar-vos mais claramente?

– Sim. Não era necessário lembrar ao egípcio envilecido um passado muito brilhante: não o teria compreendido. Menosprezei aquilo que me pareceu inútil; não poderia ter-me enganado?

37. Os sacerdotes do antigo Egito tinham conhecimento da Doutrina Espírita?

– Era a deles.

38. Recebiam manifestações?

– Sim.

39. As manifestações obtidas pelos sacerdotes egípcios provinham da mesma fonte que as recebidas por Moisés?

– Sim, ele foi iniciado por elas.

40. Por que as manifestações de Moisés eram mais poderosas que as recebidas pelos sacerdotes egípcios?

– Moisés queria revelar; os sacerdotes egípcios, apenas ocultar.

41. Acreditais que a doutrina dos sacerdotes egípcios tivesse alguma relação com a dos indianos?

– Sim; todas as religiões primitivas estão ligadas entre si por laços quase imperceptíveis; procedem de uma mesma fonte.

42. Dentre essas duas religiões, a dos egípcios e a dos indianos, qual delas é a mãe da outra?

– São irmãs.

43. Como se explica que em vida éreis tão pouco esclarecido sobre essas questões, e agora podeis respondê-las com tanta profundidade?

– Outras existências me ensinaram.

44. No estado errante em que estais agora, tendes, pois, pleno conhecimento de vossas existências anteriores?

– Sim, exceto da última.

45. Haveis, pois, vivido no tempo dos Faraós?

– Sim; três vezes vivi no solo egípcio: como sacerdote, como mendigo e como príncipe.

46. Sob que reinado fostes sacerdote?

– Já faz tanto tempo! O príncipe era vosso Sesóstris.

47. Conforme isso, parece que não progredistes, uma vez que expiais, agora, os erros da vossa última existência.

– Sim, progredi lentamente; acaso era eu perfeito por ter sido sacerdote?

48. Por que fostes sacerdote àquela época é que pudestes falar com conhecimento de causa da antiga religião dos egípcios?

– Sim; mas não sou bastante perfeito para tudo saber; outros leem no passado como num livro aberto.

49. Poderíeis dar-nos uma explicação sobre o motivo da construção das pirâmides?

– É muito tarde.

(Nota: Eram quase onze horas da noite.)

50. Só vos faremos mais uma pergunta; dignai-vos ter a bondade de respondê-la;

– Não, é muito tarde; essa pergunta suscitaria outras.

51. Poderíeis respondê-la em outra ocasião?

– Não me comprometo com isso.

52. Mesmo assim, agradecemos a benevolência com que respondestes às nossas perguntas.

– Bem! Eu voltarei.



[1] Revista Espírita – abril/1858 – Allan Kardec

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