sexta-feira, 30 de agosto de 2024

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E REFERÊNCIAS ESPÍRITAS[1],[2]

 


Marco Milani

 

O uso massivo da inteligência artificial (IA) apresenta um enorme potencial transformador nas atividades humanas, assim como proporciona desafios significativos em diferentes aspectos éticos e práticos. Certamente, não se trata de uma panaceia, capaz de resolver todos os problemas individuais e coletivos, mas é muito mais que um simples avanço tecnológico.

O desenvolvimento da IA depende fortemente do conhecimento acumulado. Os algoritmos são criados, treinados e refinados por cientistas e engenheiros que utilizam princípios da matemática, estatística, neurociência e outras disciplinas. Isso não significa, entretanto, que ela possua a capacidade de raciocinar de forma profunda e abstrata, como os seres humanos fazem. A capacidade de resolver problemas complexos que exigem pensamento criativo e flexível ainda é um desafio para a IA.

Ao se explorar o conhecimento espírita com as atuais ferramentas de IA, identifica-se uma valiosa contribuição para a análise dos objetos em pauta, porém, também se evidenciam algumas fragilidades decorrentes da base de dados que os algoritmos de IA se servem para a geração de respostas. Uma dessas fragilidades advém da própria concepção do que seria uma informação legitimamente considerada “espírita”.

Sob o aspecto doutrinário, a fonte fidedigna de informações é, certamente, o conjunto das obras de Allan Kardec, com destaque para as chamadas obras fundamentais que reúnem o ensino dos Espíritos que passou pelo critério metodológico da universalidade. Todas as complexas relações inerentes aos princípios e conceitos sistematizados e organizados por Allan Kardec, embora com clareza e objetividade típicos de um exímio educador, exigem atenção e maturidade cognitiva.

Algoritmos de IA que não diferenciarem a excelência metodológica do ensino dos Espíritos validados pelo critério kardequiano da universalidade e não as priorizarem hierarquicamente diante de outras fontes rotuladas como “espíritas”, poderão cometer graves erros doutrinários e distorcerem as informações geradas.

Se as respostas geradas pela IA como representativas do conhecimento espírita contiverem informações contraditórias aos princípios e conceitos doutrinários apresentados por Kardec, então induzir-se-á ao erro de se aceitar algo não-espírita como espírita. O usuário da informação falsa que confiar imprudentemente nesse algoritmo de IA desenvolverá e disseminará um conhecimento pseudoespírita.

Não basta ser classificada como uma fonte mediúnica para as informações ali obtidas serem tomadas como integrantes do conhecimento espírita, pois para isso deveriam ter sido validadas metodologicamente e não aceitas como verdades apenas confiando-se em falaciosos argumentos de autoridade.

Textos romanceados, ficcionais e opinativos, os quais abundam o mercado editorial voltado ao público espiritualista, ainda que possam tratar de edificantes valores morais e tentem ilustrar as relações entre os mundos físico e invisível, costumeiramente carregam generosas inserções lúdicas e fantasiosas. Tais fontes não deveriam, portanto, ser tomadas pelos algoritmos de IA como referências do mesmo nível de validade do conteúdo apresentado por Allan Kardec.

Assim, as ferramentas de IA são muito bem-vindas e poderão contribuir em muito para as reflexões e construções de argumentos espíritas, tomando-se o cuidado de identificar conceitualmente o que são, de fato, informações espíritas e não-espíritas sob parâmetros doutrinários.

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

CONSEQÜÊNCIAS DO ARREPENDIMENTO[1]


Miramez

 

Qual é a consequência do arrependimento no estado espiritual?

− O desejo de uma nova encarnação para se purificar. O Espírito compreende as imperfeições que o impedem de ser feliz e aspira a uma nova existência, onde possa expiar as suas faltas.

Questão 991 / O Livro dos Espíritos

 

Podemos classificar como três as ocasiões de arrependimento do Espírito: há aquele que se arrepende dos erros praticados ainda durante a vida, o que se arrepende somente no momento do desencarne e, finalmente, aquele que se arrepende já no mundo espiritual. Cada uma destas situações tem as suas consequências, com os devidos reparos a fazer.

Muitos dos nossos irmãos encarnados, que nascem na carne cheios de problemas, e por vezes chegam até ao túmulo envolvidos neles, vencendo alguns e enfraquecendo outros, são Espíritos arrependidos e que reparam as faltas cometidas. No entanto, delas tiram lições variadas na existência. O mundo espiritual não lhes fica distante e os Espíritos encarregados de protegê-los estão sempre inspirando-os em todos os seus passos e o arrependimento sente essa presença de Deus pela sua qualidade de amar.

Podes notar que os grandes sofredores são amáveis no trato com os que o cercam. É o polimento da alma, o magnetismo turvo que está descendo dos centros, ou dos corpos espirituais para a Terra, e deixando em paz aquele que foi motivo de guerra. O mundo está passando, como já falamos alhures, por fases agressivas, mas haja o que houver, Jesus está no leme da vida planetária e não deixa soçobrar Seu barco, que Deus Lhe entregou por amor e para o amor.

Precisamos aprender com o Mestre dos mestres, o sentido da Sua missão junto aos que sofrem, aos ignorantes e aos pecadores:

Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifícios, pois, não vim chamar justos e, sim pecadores.

Mateus, 9:13

Os justos já aprenderam as lições de amor em outras épocas e não precisam mais de tal assistência, por terem despertado o Cristo nos corações. Os pecadores, no dizer do Mestre, são os mais necessitados de luz e de entendimento.

Se sofres, eis que o Cristo te chama para o arrependimento, de maneira que abras o coração para que Ele se apresente como comandante da tua vida, a te guiar para Deus em tua própria consciência. Se estás enfrentando duras consequências dos teus erros na vida, tem mais paciência, que tudo isso é breve. Espera mais um pouco, que o sol da liberdade está para nascer em teu coração, iluminando a tua consciência.

Enquanto existir arrependimento na alma, certamente que existe algo a ser limpo do coração e, sem querer esmorecer a ninguém, precisamos de muitas reencarnações para que a serenidade se instale na consciência.

O que marca essa distância da serenidade é o que temos para saldar, conforme a bagagem que conduzimos do passado. Mas, o mal não é eterno e tudo se desfaz com o tempo, e esse tempo tem como condutor a mão de Deus, que recebemos pelos canais do Cristo. Se tens alguma coisa para te arrependeres, faze isso agora e continua trabalhando na tua intimidade, para que logo saia o sol no centro da tua vida, a iluminar a tua consciência.



[1] FILOSOFIA ESPÍRITA – Volume 20 – João Nunes Maia

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

CRIANÇAS BRASILEIRAS COM MEMÓRIAS DE VIDAS PASSADAS[1]

 

Hernani Guimarães Andrade

James G. Matlock

 

É mais comum do que geralmente se percebe que as pessoas tenham o que sentem serem memórias de vidas passadas. Nos melhores casos dessa natureza, as memórias podem ser confirmadas e as encarnações anteriores identificadas. Este artigo apresenta uma série de alegações investigadas de memórias de vidas passadas de crianças do Brasil, relatadas da década de 1920 até o início do século XXI, e as compara a casos relatados em outras partes do mundo. Em geral, os casos brasileiros estão de acordo com os padrões vistos em outros lugares, embora um número incomum deles sejam casos internacionais com vidas passadas aparentes na Europa.

 

Introdução

Crenças de reencarnação no Brasil          

A crença em alguma forma de renascimento ou reencarnação é antiga e disseminada. Crenças de reencarnação são comuns na África Ocidental, de onde veio a maioria dos escravos trazidos para o Novo Mundo. Suas culturas tiveram uma grande influência na cultura do Brasil e contribuíram para tornar aquele país o país ocidental mais aberto a experiências psíquicas, incluindo memórias de vidas passadas[1].

A influência mais forte nas crenças brasileiras sobre reencarnação, no entanto, deriva do Espiritismo de Allan Kardec , que, diferentemente do Espiritualismo Anglo-Americano, abraçou a reencarnação. O Espiritismo foi exportado da França para o Brasil nas últimas décadas do século XIX. Embora o Espiritismo não tenha mais uma presença importante na França, no Brasil uma boa porcentagem da população se identifica como espírita até hoje[2].

 

Visão geral dos casos de reencarnação no Brasil

Crenças de reencarnação são tipicamente apoiadas por aparentes memórias de vidas passadas e outros sinais, que são de interesse para a pesquisa psíquica como evidência para reencarnação. Pesquisas sistemáticas sobre casos de reencarnação começaram na década de 1960 com as investigações de Ian Stevenson. Stevenson foi ao Brasil pela primeira vez em 1962 e incluiu dois casos brasileiros (Paulo Lorenz e Marta Lorenz ) em seu primeiro volume de relatos de casos, Twenty Cases Suggestive of Reincarnation[3]. Stevenson fez contato com Hernani Guimarães Andrade, um engenheiro e espírita brasileiro que fundou o Instituto Brasileiro de Pesquisas Psicobiofísicas para empreender investigações parapsicológicas. Andrade modelou sua pesquisa de reencarnação nos métodos e relatórios de Stevenson, mas publicou exclusivamente em português. Dois dos casos de reencarnação de Andrade foram traduzidos para o inglês[4]; outros foram resumidos por Guy Lyon Playfair[5], embora alguns sejam descritos apenas em português. Quase todos os casos brasileiros de reencarnação foram investigados e relatados por Stevenson ou Andrade e sua equipe.

Os casos de reencarnação brasileiros compartilham muitas características e padrões comuns de casos relatados em outros lugares. As características comuns incluem sonhos anunciando renascimento, marcas de nascença e outros traços físicos congênitos, traços comportamentais, e memórias de vidas passadas . Algumas crianças se lembram de serem membros do sexo oposto. Pode haver memórias do período de intervalo entre vidas, no qual a seleção de novos pais é lembrada. As vidas anteriores lembradas geralmente passaram na mesma região, grupo étnico e religioso da vida presente, embora casos internacionais  também tenham sido relatados. Com casos internacionais, as crianças podem usar línguas da vida anterior, mas às quais não foram expostas em suas vidas presentes (um fenômeno conhecido como xenoglossia).

Este artigo representa o primeiro inventário abrangente de casos brasileiros de reencarnação relatados em português e inglês e fornece a oportunidade de comparar suas características com as características de casos relatados em outras partes das Américas, da Europa e da Ásia. Os dezesseis casos são organizados de acordo com a relação entre o sujeito do caso e a pessoa cuja vida é lembrada. Sete casos têm relações familiares, enquanto três têm relações de conhecimento. Não há casos brasileiros 'resolvidos' relatados − casos em que a encarnação anterior foi identificada − com relações com estranhos. Seis outros casos são 'não resolvidos', o que significa que não foi possível rastrear a pessoa da vida anterior lembrada.

Uma variação transcultural importante em casos de reencarnação é a duração do período entre vidas. Globalmente, a maioria das vidas passadas terminou pouco antes do início da vida presente. Stevenson relatou uma mediana de apenas quinze meses em uma série de 616 casos de crianças, predominantemente de países asiáticos e do Oriente Médio[6]. No entanto, a duração mediana do intervalo é muito maior em casos europeus e americanos. A duração mediana de 32 casos europeus resolvidos é de 33 meses, pouco menos de três anos, mais do que o dobro da duração da mediana global na coleção de Stevenson[7]. Para os 22 casos americanos resolvidos para os quais há informações confiáveis ​​sobre o intervalo, o intervalo mediano é de 8,5 anos[8]. A duração mediana dos dez casos brasileiros resolvidos pesquisados ​​neste artigo é de 41,5 meses.

Com casos europeus e americanos, o intervalo mediano em casos familiares é inferior ao de casos resolvidos de estranhos, que é bem inferior ao de casos não resolvidos. A ausência de casos resolvidos de estranhos no Brasil torna impossível comparar casos brasileiros em duração de intervalo em casos familiares versus casos de estranhos como tal, mas o intervalo mediano (18 meses) em casos brasileiros com conexão familiar é consideravelmente inferior à mediana aparente de 25 anos em casos brasileiros não resolvidos, todos os quais são casos de estranhos.

A característica mais incomum dos casos brasileiros é a alta porcentagem de casos internacionais. Apenas um caso resolvido é um caso internacional, mas cinco dos seis casos não resolvidos reivindicaram vidas passadas na Europa. Um movimento entre vidas da Europa para o Brasil seguiria padrões de migração corporificados, o que é consistente com a intenção consciente ou motivo para reencarnar no exterior visto em casos internacionais resolvidos em geral[9]. No entanto, em dois casos internacionais brasileiros não resolvidos (Marcos e Patrícia), a reencarnação é assistida por outros espíritos durante o intervalo e, portanto, não é estritamente eletiva[10].

 

Casos Brasileiros com Relações Familiares

Cora Schumacher

Este caso da década de 1920 é um dos primeiros relatados no Brasil. Uma menina chamada Ciria Schumacher morreu de crupe em 1925. Sua mãe ficou chateada por meses, até dar à luz outra filha, Cora. ​​Quando Cora tinha três anos, a Sra. Schumacher a levou de férias para a cidade litorânea de São Lourenço. Elas estavam acompanhadas por outra mulher. Em um certo ponto da praia, Cora exclamou: "Mamãe, a moça se lembra de quando estávamos aqui tomando banho com a Sra. F, e a água levou embora minha calcinha branca?" Ela continuou descrevendo como a moça havia dito à Sra. F para pegar a calcinha, ao que a Sra. F respondeu que era melhor que fosse apenas um pedaço de linho, e não Ciria na calcinha. Este evento realmente ocorreu como Cora descreveu, embora ela não tivesse ouvido a história contada antes[11].

 

Dráusio Miotto

Maria Aparecida Miotto, de três anos, saiu da barbearia do pai em seu triciclo uma manhã, indo para sua casa próxima, quando foi atropelada por uma van de entrega de jornais. Ela viveu o suficiente para ser levada ao hospital, mas seu baço foi esmagado e outros órgãos vitais danificados e ela não pôde ser salva. Embora não fossem espíritas, seus pais aflitos seguiram o conselho e consultaram Chico Xavier, o famoso médium brasileiro, que os aconselhou que Maria Aparecida renasceria para eles. Seus pais duvidaram disso, porque sua mãe havia sido informada de que ela não poderia ter mais filhos sem uma operação que ela não podia pagar, mas em outubro de 1970, dezesseis meses após a morte de Maria Aparecida, sua mãe deu à luz um filho a quem deram o nome de Dráusio.

Desde a infância, Dráusio parecia reconhecer pessoas, lugares e artigos familiares à irmã e reivindicava os brinquedos dela como seus. Ele gostava e não gostava das mesmas comidas. Quando passou pelo local do acidente fatal de Maria Aparecida, sentiu uma dor aguda no abdômen. Ele tinha um medo acentuado de veículos motorizados, embora isso tenha diminuído à medida que ele envelhecia. Em seus primeiros anos, ele gostava de brincar de boneca, usar batom e experimentar as roupas de sua mãe, como sua irmã fazia, mas ele superou esse comportamento depois de seu terceiro ano. Na infância média, ele estava se desenvolvendo normalmente como um menino e, na idade adulta, era um homem heterossexual[12].

 

Dulcina Karasek

Este é outro caso antigo, da década de 1920, investigado por Stevenson nas décadas de 1960 e 1970. Dulcina relembrou a vida do irmão de seu avô paterno, que havia morrido cerca de 22 anos antes de seu nascimento. Dulcina se identificou como esse homem e desejou ser chamada por seu apelido, Zena. Ela relembrou inúmeras coisas sobre a vida de Zena. Quando levada para visitar sua família, ela mostrou ao pai a estrada que levava à casa deles, embora nenhum deles a tivesse visitado antes. Em seu relatório, Stevenson enfatizou o comportamento e a aparência masculinos de Dulcina, que começaram a se manifestar mais tarde na infância. Dulcina insistiu que era um homem e não conseguia entender por que havia se tornado uma menina. Ela tinha uma quantidade incomum de pelos no corpo para uma menina e uma saída pélvica muito pequena. Na idade adulta, ela se casou e engravidou, mas teve que dar à luz por cesariana e morreu, junto com seu bebê, durante o parto ou logo depois[13].

 

Jacira Silva

Jacira Silva era precoce na fala e aos onze meses estava relatando suas memórias do irmão de sua mãe, Ronaldo, que se matou aos 28 anos bebendo formicida misturado em um refrigerante vermelho. Em comunicações mediúnicas cinco anos após sua morte, Ronaldo reclamou de dores na garganta e no estômago e declarou que havia falhado como homem. Ele perguntou ao pai de Jacira se ele poderia reencarnar como seu filho. Seu pai não via como isso era possível, pois sua esposa estava na casa dos quarenta e tantos anos e já estava na menopausa. No entanto, a mãe de Jacira engravidou e deu à luz nove meses após essa comunicação.

Jacira não sofreu efeitos físicos do suicídio, embora quando criança sofresse de estrabismo e fosse vesga, como Ronaldo. Ela era uma criança precoce que começou a falar cedo e aos dezoito meses contou aos pais que tinha duas mamães. Ela estava confusa sobre como poderia ter a mesma avó que sua mãe e por que deveria chamá-la de "mamãe" quando, na verdade, como ela via, eles eram irmão e irmã. Ela gostava de usar o cabelo curto e era moleca e enérgica, constantemente correndo por jardins, subindo em árvores e pulando muros. Ela não se importava em ser uma menina, embora demonstrasse pouco interesse em meninos. Ela tinha fobia de líquidos vermelhos e atribuiu seu suicídio à fraqueza de ter sido homem antes. Ela não gostava da noção de suicídio e, à medida que crescia, começou a se manifestar contra isso[14].

 

Paulo Lorenz

Paulo Lorenz relembrou a vida de uma irmã mais velha, Emilia, que se matou aos dezenove anos, dizendo que desejava ser um menino. Sua mãe então recebeu uma série de comunicações mediúnicas de um espírito que afirmava ser Emilia, que declarou que, embora lamentasse seu suicídio, retornaria à família como um menino. Paulo nasceu cerca de dezoito meses após a morte de Emilia, mas em seus primeiros anos não era feliz como um menino. Ele se identificou firmemente como Emilia e preferiu se vestir como uma menina. Embora seu comportamento gradualmente tenha mudado para o masculino, e ele se tornou heterossexual na idade adulta, ele continuou a ser notavelmente efeminado e nunca se casou. Aos 43 anos, ele tirou a própria vida[15].

 

Rodrigo Marques

Rodrigo se identificou como o retorno de seu irmão Fernando, que tinha quatro anos e dez meses quando morreu de complicações de gastroenterite, onze meses antes de Rodrigo nascer. Fernando era muito próximo de sua irmã mais velha Antônia, que cuidava dele em sua grande família. Fernando e Antônia dormiam juntos e, após sua morte, Antonia começou a ver a aparição de Fernando subir na cama com ela quando ela acordava durante a noite. Ela cometeu o erro de contar ao seu pai cético sobre essas visitas, no entanto, e Fernando parou de visitá-la. Rodrigo era mais escuro na pele do que Fernando, mas era muito parecido com ele em caráter. Ele relatou muitas memórias da curta vida de Fernando e reconheceu muitos de seus pertences, insistindo que eram seus. Seu pai registrou muitos desses sinais de reencarnação em um documento que ele havia autenticado e apresentado a uma organização espírita na época. Rodrigo reteve todas as suas memórias até os doze anos, mais tempo do que a maioria das crianças, e relembrou alguns eventos na casa dos cinquenta, quando foi entrevistado pela equipe de Andrade[16].

 

Yvonne Ehrlich / Karen

Yvonne foi reconhecida como a reencarnação da irmã de sua avó, Martha, que havia sido morta em um ataque aéreo em Viena, Áustria, em 1944, nove anos antes de seu nascimento. Após a guerra, sua família se mudou para o Brasil, então este é um caso internacional com uma relação familiar entre a pessoa anterior e o sujeito do caso. Yvonne nasceu duas semanas após a maturidade, no aniversário de Martha. Martha morreu em uma explosão do bombardeio, que a deixou com ferimentos na têmpora e na parte de trás da cabeça. Yvonne tinha marcas de nascença nesses lugares. Em seus hábitos e comportamento, ela era considerada muito parecida com Martha. No entanto, ela não relatou nenhuma memória da vida de Martha, exceto em uma ocasião quando ela tinha sete anos e sua avó a repreendeu por falar com ela de uma certa maneira. 'O que você quer dizer com "avó"?' ela disse. 'Eu sou sua irmã[17].'

 

Casos Brasileiros com Relações de Conhecimento

Kilden Alexandre Waterloo

Este caso foi investigado por Andrade, que escreveu Reborn for Love sobre ele. Ele o considerou seu caso mais importante. Trata-se de um padre, padre Jonathan, que morreu após fraturar o crânio em um acidente de moto. O padre Jonathan era um bom amigo de Marine Waterloo, que ouviu sua voz desencarnada em seu apartamento em um momento em que mais tarde soube que ele estava em coma. Seu filho Kilden nasceu sete anos após a morte do padre Jonathan e, embora ela não acreditasse em reencarnação, deu a Kilden seu apelido para o padre Jonathan, Alexandre, como um nome do meio. Conforme ele envelhecia, Kilden às vezes se identificava como Alexandre ou "o padre", mas ainda assim Marine não via a conexão. Foi somente depois que ele insistiu que havia morrido em um acidente com sua moto, em vez de um acidente de carro como o noticiário do rádio havia relatado, que ela começou a levar a possibilidade a sério. Ela escreveu para a antiga paróquia do padre Jonathan para obter detalhes sobre o que havia acontecido e determinou que Kilden estava correto sobre o acidente de moto. Muitas coisas sobre a personalidade e o comportamento de Kilden então se encaixaram e ela começou a se corresponder com Andrade sobre o caso[18].

 

Marta Lorenz

Marta Lorenz é irmã de Paulo Lorenz (veja acima). Quando tinha cerca de dois anos e meio, começou a falar sobre ter sido uma mulher que tinha sido amiga íntima de sua família. Esta mulher contraiu tuberculose deliberadamente, da qual morreu aos 28 anos, depois que seu pai a proibiu, pela segunda vez, de se casar com um homem que amava. Antes de sua doença, seu amante havia se matado. Marta nasceu dez meses após a morte da mulher. Ela era propensa a infecções respiratórias superiores e quando contraía o resfriado comum, sua voz ficava rouca ou ela tinha laringite, coisas que a mulher cuja vida ela lembrava teve que suportar antes de sua morte[19].

 

Rogério Borges

Quando Rogério tinha quatro anos, assistindo a um programa de televisão com sua família, ele os surpreendeu com o anúncio: "Eu sou Mané Jerônimo; cuidei do meu pai quando ele era pequeno". Mané Jerônimo era o apelido de Manoel Jerônimo Rodrigues Nunes, um herbalista e curandeiro que, de fato, tratou do pai de Rogério quando criança. Além de usar ervas, Mané Jerônimo apelou pelas bênçãos de uma santa, Nossa Senhora da Aparecida, a quem era devoto. Pouco antes de sua morte, ele deu sua estatueta do santo para seu irmão mais novo e companheiro curandeiro, Antônio, com o pedido de mantê-la até seu retorno. Mané Jerônimo havia sido mordido na perna por uma víbora venenosa. Ele foi tratado rapidamente e sua vida foi salva, mas uma grande úlcera se desenvolveu no local da picada. Isso o machucou, forçando-o a mancar e usar muletas para andar. A úlcera então infeccionou, levando-o à morte aos 83 anos de idade. O pai de Rogério tinha sete anos na época.

Rogério nasceu em julho de 1977, 32 anos depois. Após se identificar como Mané Jerônimo, ele contou várias coisas da vida do curandeiro e ficou claro que ele havia retido muitos elementos de sua personalidade. Ele implorou tão insistentemente para visitar Antônio que finalmente sua mãe o levou até lá. Rogério reconheceu a casa de Antônio e o próprio Antônio. Ele contou a Antônio várias coisas, todas precisas, sobre seu irmão, e escolheu a estatueta de santo de Mané Jerônimo de uma fileira de estatuetas semelhantes. Andrade conheceu Rogério quando ele era adolescente, mas ele ainda falava sobre a vida anterior e andava mancando, usando uma bengala para se apoiar. Rogério explicou que isso ocorreu porque ele sentiu uma dor aguda na perna no local onde a cobra havia picado Mané Jerônimo e sua úlcera havia se desenvolvido[20].

 

Casos de reencarnação brasileiros não resolvidos

Celso

Quando tinha três anos, Celso se afastou de seu local e não reapareceu por horas. Ao retornar, perguntaram-lhe onde ele tinha estado — o que em português também pode significar "De onde você vem?" "Noruega", respondeu o menino, usando o norueguês " Norge" em vez do português " Noruega". Depois disso, ele falou frequentemente sobre ter sido um padre norueguês, vivendo em um mosteiro, aparentemente nas proximidades do Lago Femunden. Ele não gostava do calor do Brasil, mas estava reconciliado em viver lá em sua vida atual. Ele deu seu nome anterior como Padre Herculano. Ele foi morto quando seu mosteiro foi bombardeado, possivelmente pelos nazistas quando invadiram a Noruega em abril de 1940. Quando Celso nasceu em junho de 1943, seu cabelo era completamente loiro e seu rosto era pálido, de aparência nórdica, muito diferente de seus pais e irmãos. Andrade documentou o lado brasileiro de seu caso, mas nunca foi devidamente investigado na Noruega e a precisão das memórias de Celso não foi determinada[21].

 

Gustavo

Este é outro caso com memórias de vidas passadas na Europa. Gustavo nasceu em janeiro de 1969. Suas primeiras palavras foram em alemão, embora seus pais não tivessem ascendência europeia imediata e falassem português. Quando ouviu pela primeira vez a valsa "Danúbio Azul", ele ficou muito animado, dançando e marcando o tempo. Em um carnaval infantil, ele apresentou o que pareceu aos observadores uma dança camponesa alemã em vez do tradicional samba brasileiro. Quando tinha cinco anos, ele torceu pela Alemanha durante as partidas de futebol. Quando lhe mostraram fotos das bandeiras do mundo e pediram para escolher sua favorita, ele imediatamente escolheu a alemã. Quando foi à praia, ele desenhou uma suástica na areia. Quando criança, ele desenhava cenas de batalha de navios de guerra sendo atacados por torpedos, o céu cheio de foguetes V1 e V2. Ao mesmo tempo, ele tinha pavor de equipamentos militares reais e de aviões e helicópteros. Infelizmente, ele não se lembrava de detalhes suficientes sobre sua aparente vida alemã para permitir que ela fosse rastreada, mas se ele morreu durante a Segunda Guerra Mundial, o intervalo em seu caso teria sido de 26 a 27 anos[22].

 

Lucila

Lucila nasceu em 1983. Não há pistas sobre a duração do intervalo, embora sua vida passada pareça ter sido nas últimas décadas. Durante uma viagem de carro com sua família quando tinha três anos, ela disse que fez muitas excursões com sua "outra" mãe. Gradualmente, ela acrescentou detalhes sobre a vida passada que recordava. Sua mãe era Leila, seu pai era Roberto, e ela tinha duas irmãs, uma chamada Gabriela. Ela própria se chamava Mariana. Eles moravam em São Paulo em uma bela mansão, com uma varanda com vista para um jardim paisagístico com uma árvore "dorideira". Ela morreu em um acidente de carro quando tinha onze anos, aparentemente a caminho da cidade costeira de Santos. Sua tia, que estava dirigindo, tentou ultrapassar um carro à frente deles, e eles foram atingidos de frente por um caminhão que viajava na outra faixa. Ela e seu primo foram jogados para fora do carro e suas pernas foram quebradas. Lucila frequentemente reclamava de dores nas pernas, especialmente ao correr. Apesar das memórias detalhadas de Lucila sobre a casa, a família e a morte de Mariana, Andrade não conseguiu rastrear sua família, e o caso continua sem solução[23].

 

Marcos

Este é outro dos vários casos brasileiros com a sugestão de uma morte na Europa durante a Primeira ou a Segunda Guerra Mundial. Marcos nasceu em 1966. Uma manhã, quando tinha três anos, acordou chorando. Ele se lembrava de rastejar por uma floresta com seu pai quando foi avistado por um soldado, que atirou em seu peito e o matou. Ele renasceu depois que sua mãe daquela vida o enviou para seus pais atuais, dizendo-lhe: "Vá, meu príncipe, você deve lutar arduamente contra o mal que existe na Terra." Quando tinha cinco anos, Marcos instruiu sua mãe sobre como preparar um prato de frango com cerveja, uma receita que ele disse ser conhecida "em partes da Europa", mas não no Brasil. Infelizmente, ele não se lembrava o suficiente sobre sua vida anterior para permitir que fosse rastreada. De acordo com Marcos, ele já foi pai de seu pai, mas se for assim, deve ter sido em uma vida da qual seu pai não tinha lembranças[24].

 

Patrícia / Tina

Patrícia nasceu em Araraquara, Brasil, em 14 de novembro de 1939. Ela foi fortemente atraída pela França desde jovem, preferindo comidas francesas à comida italiana de sua família, e aprendeu a falar francês sem dificuldade. Ela estava prestes a completar três anos em novembro de 1942, quando acordou de madrugada, chorando que sua "cidade real" de Vichy havia sido invadida. Poucas horas depois, seus pais ouviram um anúncio de rádio sobre a ocupação nazista de Vichy. Patrícia demonstrou uma forte aversão a qualquer coisa alemã. Ela foi morta quando abriu a porta de sua casa em Vichy, ela afirmou. Um soldado entrou, apontou seu rifle para seu coração e puxou o gatilho. Isso pode ter acontecido em 1914, quando a Alemanha invadiu a França durante a Primeira Guerra Mundial, o que significa que o intervalo entre as vidas teria sido de 25 anos. Patrícia tinha duas marcas de nascença, uma no lado esquerdo do peito, a outra nas costas, lembrando feridas de entrada e saída de uma bala.

Patrícia disse que tinha vindo ao Brasil em uma nave toda branca que sobrevoou um "grande rio", deixou dois passageiros em São Paulo e seguiu para Araraquara. Foi avisada de que renasceria lá e desembarcou. Atraída pelas cortinas das janelas, ela entrou em uma casa, cujo interior lhe causou uma forte impressão. Então ela perdeu a consciência e não se lembrava de mais nada até os dois anos e meio a três anos de idade, e começou a falar sobre sua vida na França. Sua casa atual havia sido reformada logo após seu nascimento, mas seu antigo esquema era exatamente como ela descreveu ter visto em sua chegada lá. Ela demonstrou um extremo carinho pelas cortinas das janelas e outros artigos daquela época e pediu que não fossem removidos[25]

 

Simone / Silvia / Viviane Silvino

Simone nasceu em março de 1963. Quando sua avó que falava português a pegou pela primeira vez, ela se surpreendeu ao cumprimentá-la com a frase italiana amore mio (meu amor). Simone pareceu responder com um sorriso feliz, como se tivesse entendido. Quando ela começou a falar, ela frequentemente usava palavras e expressões italianas. Ela usou quatorze palavras italianas antes de seu terceiro aniversário, quando sua avó lhe deu um dicionário italiano. A avó de Simone aceitou que elas já se conheciam antes, mas não tinha ideia de quando. Nenhuma delas havia visitado a Itália, mas Simone se lembrava de ter vivido na seção do Monte Capitolino, em Roma. Ela tinha medo de aviões voando sobre suas cabeças, como demonstrou pela primeira vez em uma reação quando tinha menos de um mês de idade. Pouco depois de seu terceiro aniversário, ela contou à avó como havia morrido, quando uma bomba em miniatura disfarçada de caneta lançada por bombardeiros aliados detonou. Ela havia subido para o céu então, e não se lembrava de mais nada antes de chegar à sua vida presente. Os Aliados lançaram dispositivos explosivos sobre Roma em 1943 e 1944, então Simone teria tido um intervalo de dezenove ou vinte anos entre suas vidas[26].

 

Literatura

§  Andrade, H.G. (1988). Reencarnação no Brasil: Oito casos que sugerem renascimento. Matão, Brasil: Clarim.

§  Andrade, H.G. (2002). Você e a Reencarnação. Bauru, Brasil: CEAC-Editora.

§  Andrade, H.G. (2010a). A case suggestive of reincarnation. In Science and Spirit, 135-84. London: Roundtable. [Originally published 1980 as A Case Suggestive of Reincarnation: Jacira and Ronaldo. Monograph No. 3. São Paulo: Brazilian Institute for Psychobiophysical Research.]

§  Andrade, H.G. (2010b). Reborn for Love: A Case Suggestive of Reincarnation. London: Roundtable.

§  Haraldsson, E., & Matlock, J.G. (2016). I Saw a Light and Came Here: Children’s Experiences of Reincarnation. Hove, UK: White Crow Books.

§  Matlock, J.G. (2019). Signs of Reincarnation: Exploring Beliefs, Cases, and Theory. Lanham, Maryland, USA: Rowman & Littlefield.

§  Matlock, J.G. (2020a). American children with past-life memories. Psi Encyclopedia. [Web page, last updated 2 April 2021.]

§  Matlock, J.G. (2020b). European children with past-life memories. Psi Encyclopedia. [Web page, last updated 2 April 2021.]

§  Matlock, J.G. (2020c). Suicide and reincarnation. Psi Encyclopedia. [Web page, last updated 14 December 2020.]

§  Muller, K.E. (1970). Reincarnation – Based on Facts. London: Psychic Press.

§  Playfair, G.L. (2006). New Clothes for Old Souls: Worldwide Evidence for Reincarnation. London: Druze Heritage Foundation.

§  Playfair, G.L. (2011). The Flying Cow: Exploring the Psychic World of Brazil. Guildford, Surrey, UK: White Crow Books.

§  Spiritism (2003). Wikipedia. [Web page, last edited 17 December 2020.]

§  Stevenson, I. (1974a). Twenty Cases Suggestive of Reincarnation (2nd ed., rev.). Charlottesville, Virginia, USA: University Press of Virginia.

§  Stevenson, I. (1974b). Xenoglossy: A Review and Report of a Case. Charlottesville, Virginia, USA: University Press of Virginia.

§  Stevenson, I. (1997). Reincarnation and Biology: A Contribution to the Etiology of Birthmarks and Birth Defects (2 vols.). Westport, Connecticut, USA: Praeger.

§  Stevenson, I. (2001). Children who Remember Previous Lives: A Question of Reincarnation (rev. ed.). Jefferson, North Carolina, USA: McFarland.

 

Traduzido com Google Tradutor



[1] Playfair (2011).

[2] Spiritism ( 2003, Distribuição Geográfica ).

[3] Stevenson (1974).

[4] Andrade (2010a, 2010b).

[5] Playfair (2006, 2011).

[6] Stevenson (2001), 120

[7] Matlock ( 2020b, Comparações interculturais ).

[8] Matlock ( 2020a, Comparações Interculturais ).

[9] Haraldsson e Matlock (2016), 229-35.

[10] Veja Matlock (2019, 170-71) sobre a distinção entre reencarnação eletiva e assistida.

[11] Müller (1970), 64-65.

[12] Andrade (1988), 150-69; resumido em Playfair (2006), 69-70.

[13] Stevenson (1997), vol. 2, 1875-81.

[14] Andrade (2010). Este caso é resumido por Playfair (2011, pp. 167-169) sob o nome de Julia Moriera.

[15] Stevenson (1974), 203-5.

[16] Andrade (1988), 98-127.

[17] Stevenson (1997), vol. 1, 263-69, sob o nome de Yvonne Ehrlich; Playfair (2011), 164-65, sob o nome de Karen.

[18] Andrade (2010). Os resumos são fornecidos por Playfair (2011, 169-71) e por Haraldsson & Matlock (2016, 204-8).

[19] Stevenson (1974), 183-203; Müller (1970), 62-64.

[20] Andrade (1988), 128-49; resumido em Playfair (2006), 70-71.

[21] Andrade (1988), 204-32; resumido em Playfair (2006), 68.

[22] Andrade (2002), 137-49; resumido em Playfair (2006), 68-70.

[23] Andrade (2002), 150-60.

[24] Playfair (2011), 166.

[25] Andrade (1988), 170-203, sob o nome de Patrícia; resumido em Playfair (2011), 163-64, como Tina.

[26] Andrade (1988), 23-68, sob o nome de Simone; resumido por Playfair (2006), 59-64, como Simone; Playfair (2011), 159-63, como Silvia; Stevenson (1974b), 18, como Viviane Silvino.


terça-feira, 27 de agosto de 2024

O ESPIRITISMO ENTRE OS DRUIDAS[1]

 


Allan Kardec

 

Há cerca de dez anos, sob o título Le vieux neuf[2], publicou o Sr. Edouard Fournier, no Siècle, uma série de artigos tão notáveis do ponto de vista da erudição, quanto interessantes por suas relações históricas. Passando em revista todas as invenções e descobertas modernas, prova o autor que se o nosso século tem o mérito da aplicação e do desenvolvimento, não tem, pelo menos para a maioria delas, o da prioridade. À época em que o Sr. Edouard Fournier escrevia esses eruditos folhetins não se cogitava ainda de Espíritos, sem o que não teria deixado de nos mostrar que tudo quanto se passa hoje é apenas uma repetição do que os Antigos sabiam muito bem, e talvez melhor que nós. E o lastimamos por nossa conta, porque as suas profundas investigações ter-lhe-iam permitido esquadrinhar a Antiguidade mística, como perscrutou a Antiguidade industrial; e fazemos votos porque suas laboriosas pesquisas sejam dirigidas um dia para esse lado. Quanto a nós, não nos deixam nossas observações pessoais nenhuma dúvida sobre a antiguidade e a universalidade da Doutrina que os Espíritos nos ensinam. Essa coincidência entre o que nos dizem hoje e as crenças dos tempos mais remotos, é um fato significativo da mais alta importância. Faremos notar, entretanto, que, se por toda parte encontramos traços da Doutrina Espírita, em parte alguma a vemos completa: tudo indica ter sido reservado à nossa época coordenar esses fragmentos esparsos entre todos os povos, a fim de chegar-se à unidade de princípio através de um conjunto mais completo e, sobretudo, mais geral de manifestações, que dariam razão ao autor do artigo que citamos mais acima, a propósito do período psicológico no qual a Humanidade parece estar entrando.

Quase por toda parte a ignorância e os preconceitos desfiguraram essa doutrina, cujos princípios fundamentais se misturam às práticas supersticiosas de todos os tempos, exploradas para abafar a razão. Todavia, sob esse amontoado de absurdos germinam as mais sublimes ideias, como sementes preciosas ocultas sob as sarças, não esperando senão a luz vivificante do sol para se desenvolverem. Mais universalmente esclarecida, nossa geração afasta as sarças; tal limpeza de terreno, porém, não pode ser feita sem transição. Deixemos, pois, às boas sementes o tempo de se desenvolverem e, às más ervas, o de desaparecerem.

A doutrina druídica oferece-nos um curioso exemplo do que acabamos de dizer. Essa doutrina, de que não conhecemos bem senão as práticas exteriores, eleva-se, sob certos aspectos, até as mais sublimes verdades; mas essas verdades eram apenas para os iniciados: terrificado pelos sacrifícios sangrentos, o povo colhia com santo respeito o visgo sagrado do carvalho e via apenas a fantasmagoria. Poderemos julgá-lo pela seguinte citação, extraída de um documento tão precioso quão desconhecido, e que lança uma luz inteiramente nova sobre a teologia de nossos ancestrais.

Entregamos à reflexão de nossos leitores um texto céltico, há pouco publicado, cujo aparecimento causou uma certa emoção no mundo culto. É impossível saber-se ao certo o seu autor, nem mesmo a que século remonta. Mas o que é incontestável é que pertence à tradição dos bardos da Gália, e essa origem é suficiente para conferir-lhe um valor de primeira ordem.

Sabe-se, com efeito, que ainda em nossos dias a Gália se constitui no mais fiel abrigo da nacionalidade gaulesa que, entre nós, experimentou tão profundas modificações. Apenas abordada de leve pela dominação romana, que nela só se deteve por pouco tempo e fracamente; preservada da invasão dos bárbaros pela energia de seus habitantes e pelas dificuldades de seu território; submetida mais tarde à dinastia normanda que, todavia, teve que lhe conceder um certo grau de independência, o nome de Galles, Gallia, que sempre ostentou, é um traço distintivo pelo qual se liga, sem descontinuidade, ao período antigo. A língua kymrique[3], outrora falada em toda a parte setentrional da Gália, jamais deixou de ser usada, e muitos costumes são igualmente gauleses. De todas as influências estranhas, a única que triunfou completamente foi o Cristianismo; mas não o conseguiu sem muitas dificuldades, relativamente à supremacia da Igreja Romana, da qual a reforma do século XVI mais não fez que determinar-lhe a queda, desde longo tempo preparada, nessas regiões cheias de um sentimento indefectível de independência.

Pode-se mesmo dizer que os druidas, convertendo-se inteiramente ao Cristianismo, não se extinguiram totalmente na Gália, como em nossa Bretanha e em outras regiões de sangue gaulês.

Como consequência imediata, tiveram uma sociedade muito solidamente constituída, dedicada em aparência sobretudo ao culto da poesia nacional, mas que, sob o manto poético, conservou com notável fidelidade a herança intelectual da antiga Gália: é a Sociedade bárdica da Gália que, após ter-se mantido como sociedade secreta durante toda a Idade Média, por uma transmissão oral de seus monumentos literários e de sua doutrina, à imitação da prática dos druidas, decidiu, por volta dos séculos XVI e XVII, confiar à escrita as partes mais essenciais dessa herança. Desse fundamento, cuja autenticidade é atestada por uma cadeia tradicional ininterrupta, procede o texto de que falamos; e o seu valor, dadas essas circunstâncias, não depende, como se vê, nem da mão que teve o mérito de o escrever, nem da época em que sua redação pôde adquirir sua última forma. O que nele transpira, acima de tudo, é o espírito dos bardos da Idade Média, eles mesmos os últimos discípulos dessa corporação sábia e religiosa que, sob o nome de druidas, dominou a Gália durante o primeiro período de sua história, mais ou menos do mesmo modo que o fez o clero latino na Idade Média.

Mesmo que estivéssemos privados de toda luz sobre a origem do texto de que se trata, estaríamos claramente no caminho certo, tendo em vista a sua concordância com os ensinamentos que os autores gregos e latinos nos deixaram, relativamente à doutrina religiosa dos druidas. Constitui-se esse acordo de pontos de solidariedade que não permitem nenhuma dúvida, porque se apoiam em razões tiradas da própria substância de tais escritos; e a solidariedade, assim demonstrada pelos escritos capitais, os únicos de que nos falaram os Antigos, estende-se naturalmente aos desenvolvimentos secundários.

Com efeito, esses desenvolvimentos, penetrados do mesmo espírito, derivam necessariamente da mesma fonte; fazem corpo com o fundo e não podem explicar-se senão por ele. E, ao mesmo tempo em que remontam, por uma origem tão lógica, aos depositários primitivos da religião druídica, é impossível assinalar-lhes algum outro ponto de partida; porque, fora da influência druídica, a região de onde provêm só conheceu a influência cristã, totalmente estranha a tais doutrinas.

Os desenvolvimentos contidos nas tríades estão de tal modo fora do Cristianismo que as raras influências cristãs, que resvalam aqui e ali em seu conjunto, distinguem-se do fundo primitivo logo à primeira vista. Essas emanações, oriundas ingenuamente da consciência dos bardos cristãos, bem podiam, se assim podemos dizer, intercalar-se nos interstícios da tradição, mas nela não puderam fundir-se. A análise do texto é, pois, tão simples quanto rigorosa, visto que pode reduzir-se a pôr de lado tudo o que traz o sinete do Cristianismo e, uma vez operada a triagem, considerar como de origem druídica tudo quanto fica visivelmente caracterizado por uma religião diferente da do Evangelho e dos concílios. Assim, para citar apenas o essencial, e partindo do princípio tão conhecido de que o dogma da caridade em Deus e no homem é tão especial ao Cristianismo quanto o é o da transmigração das almas ao antigo druidismo, um certo número de tríades, nas quais respira um espírito de amor jamais conhecido na Gália primitiva, traem-se imediatamente como marcas de um caráter comparativamente moderno; enquanto que as outras, animadas por um sopro totalmente diferente, deixam ver ainda melhor o selo da alta antiguidade que as distingue.

Enfim, não é inútil observar que a própria forma do ensinamento contido nas tríades é de origem druídica. Sabe-se que os druidas tinham uma predileção particular pelo número três e o empregavam de modo especial, como no-lo mostra a maioria dos monumentos gauleses, para a transmissão de suas lições que, mediante essa forma precisa, gravavam-se mais facilmente na memória. Diógenes Laércio conservou-nos uma dessas tríades, que resume sucintamente o conjunto dos deveres do homem para com a Divindade, para com seus semelhantes e para consigo mesmo: ‘Honrar os seres superiores, não cometer injustiça e cultivar em si a virtude viril.’ A literatura dos bardos propagou, até nós, uma multidão de aforismos do mesmo gênero, interessando a todos os ramos do saber humano: ciência, história, moral, direito, poesia.

Não os há mais interessantes, nem mais próprios a inspirar grandes reflexões do que aqueles que publicamos aqui, segundo a tradução que foi feita pelo Sr. Adolphe Pictet.

Dessa série de tríades, as onze primeiras são consagradas à exposição dos atributos característicos da Divindade. É nessa seção que as influências cristãs, como era fácil de prever, tiveram mais ação. Se não se pode negar ao druidismo o conhecimento do princípio da unidade de Deus, é possível que, em consequência de sua predileção pelo número ternário, tivesse concebido vagamente alguma coisa da divina trindade. Todavia, é incontestável que o que completa essa elevada concepção teológica, qual seja, a distinção das pessoas e particularmente da terceira, pôde permanecer perfeitamente estranho a essa antiga religião. Tudo leva a crer que os seus sectários estavam muito mais preocupados em estabelecer a liberdade do homem, do que em instituir a caridade; e foi mesmo em consequência dessa falsa posição de seu ponto de partida que ela pereceu. Também parece lógico associar a uma influência cristã, mais ou menos determinada, todo esse começo, particularmente a partir da quinta tríade.

Em seguida aos princípios gerais relativos à natureza de Deus, passa o texto a expor a constituição do Universo. O conjunto dessa constituição é formulado superiormente em três tríades que, ao mostrarem os seres particulares em uma ordem absolutamente diferente da de Deus, completam a ideia que se deve formar do Ser único e imutável. Sob fórmulas mais explícitas, essas tríades não fazem, afinal, senão reproduzir o que já se sabia, pelo testemunho dos Antigos, da doutrina da transmigração das almas, passando alternativamente da vida à morte e da morte à vida. Pode-se considerá-las como o comentário de um célebre verso da Phrasale, no qual o poeta exclama, dirigindo-se aos sacerdotes da Gália, que, se aquilo que ensinam é verdade, a morte é apenas o meio de uma longa vida: Longae vitae mors media est.



[1] REVISTA ESPÍRITA – abril/1858 – Allan Kardec

[2] N. do T.: O velho novo.

[3] N. do T.: Grifo nosso.