Marco Milani
Na Revista
Espírita de Setembro/1858, Allan Kardec predisse que a propagação do
Espiritismo ocorreria em quatro períodos distintos, iniciando-se pela
curiosidade despertada pelos fenômenos de efeito físico, passando pela fase
filosófica representada pela estruturação doutrinária, depois consolidando-se
como crença universalmente reconhecida no chamado período de admissão e,
finalmente, atingindo o período de influência sobre a ordem social em
decorrência da moralização do indivíduo, contribuindo para a felicidade da
Humanidade.
Cinco anos
depois, diante de alguns acontecimentos que fizeram com que Kardec revisse
essas etapas, ele acrescentou mais duas. Na Revista Espírita de
dezembro/1863, são elencados os seis períodos do Espiritismo, a saber:
1)
Período da curiosidade;
2)
Período filosófico;
3)
Período de luta;
4)
Período religioso (inicialmente chamado de
admissão);
5)
Período intermediário;
6)
Período da renovação social.
Nos primeiros
anos, a Doutrina Espírita atraiu a atenção social para as manifestações
mediúnicas e rapidamente reuniu adeptos em diferentes países com a publicação
dos princípios e valores doutrinários na obra O livro dos Espíritos.
Sua rápida propagação passou a gerar preocupações e a atrair
ataques cada vez mais intensos de seus detratores. O período de luta foi
adicionado na marcha do Espiritismo considerando a forte resistência e os
embates promovidos por representantes de determinados segmentos da sociedade
que viram suas convicções ameaçadas pelas ideias espíritas.
O Auto de Fé de Barcelona (Espanha), ocorrido em 9/10/1861,
quando 300 livros espíritas foram queimados em praça pública por ordem do bispo
católico local, exemplificou a ferocidade dos adversários que já pressentiam a
profundidade das mudanças trazidas pela nova filosofia espiritualista.
Em texto
publicado na Revista Espírita de janeiro/1867, avaliando a situação do
movimento espírita na ocasião, Kardec enfatizou que o período de luta não havia
terminado e estava longe de chegar ao fim.
Mesmo diante dos nítidos avanços
na propagação das ideias espíritas, os adversários agiam intransigentemente e o
confronto era inevitável e necessário, porém com a certeza de que o futuro
reservaria a bonança após a tempestade.
Em 31/03/1869, Kardec desencarnou
esforçando-se para promover o laço de fraternidade que deveria unir todos os
adeptos e era necessário para que o Espiritismo entrasse no período religioso,
tal qual ele mesmo já havia afirmado o sentido filosófico de religião (ver
Revista Espírita, dezembro/1868), porém, o período de luta ainda estava a pleno
vapor.
Passados
quase dois séculos após o lançamento de sua primeira obra fundamental, o
Espiritismo ainda encontra-se lutando contra as investidas promovidas por
materialistas e por representantes de crenças fanatizadas e exclusivistas, além
das tentativas de deturpação sincrética e místicas que produzem bizarrices
antidoutrinárias.
Um dos maiores desafios
presentes atualmente para se valorizar a unidade do corpo teórico do
Espiritismo, entretanto, é interno ao movimento espírita e liga-se à
conscientização dos adeptos sobre a superioridade metodológica de Kardec para
validar as informações doutrinárias diante de simples manifestações opinativas
expressas em livros e discursos individuais. Em outras palavras, não se pode
abraçar opiniões contidas em obras literárias sobre a temática espírita desse
ou daquele autor encarnado ou desencarnado, ou proferidas em discursos por
empolgados palestrantes, como sendo novas “revelações” que superariam os
ensinos dos Espíritos publicados por Allan Kardec. Para se reconhecer uma
informação como válida, antes ela deve contar com evidências objetivas que a
sustentem e não a façam depender de argumento de autoridade de médiuns ou
Espíritos específicos.
A tática
dos adversários ganhou contornos específicos, intensificando a dissimulação
corrosiva ao plantar focos de discórdia e ódio entre os próprios adeptos como
tentativa de fragmentação e corrosão dos princípios e valores espíritas[2].
Em outra frente de combate,
fruto de ilusões utópicas, muitos militantes político-partidários que se
autodenominam espíritas selecionam e reinterpretam conceitos doutrinários para
legitimar o modelo de relações socioeconômicas que veneram. Sob a alegação de
“atualização”, procuram adequar o Espiritismo às suas ideologias partidárias,
servindo-se do relativismo para distorcer princípios espiritas e obter o
desejado alinhamento à práxis social que concebem.
Paradoxalmente, em nome de uma
suposta justiça social e movidos pela certeza de que estão construindo uma
sociedade tolerante e fraterna, atacam e desrespeitam todos os demais adeptos
do Espiritismo que não se identificam com as mesmas bandeiras partidárias,
agindo contrariamente à própria concepção de tolerância e fraternidade...
Sendo os detratores internos
relevantes adversários atualmente, um dos sinais para a superação do período de
luta ocorrerá quando os adeptos passarem a compreender e valorizar a coerência
doutrinária e priorizarem a principal batalha a ser travada, não em arenas
exteriores em discussões apaixonadas, mas no campo íntimo de cada um combatendo
o orgulho e o egoísmo e instruindo-se seriamente sobre a realidade do ser.
O exercício da benevolência para
com todos, da indulgência para com as imperfeições alheiras e do perdão das
ofensas, tal qual o verdadeiro sentido de caridade sob a perspectiva espírita[3][2],
é o caminho que ainda parece distante do mundo atual, porém constitui-se na
luta primordial que cabe ao espírita exemplificar. Nesse estágio de superação,
o Espiritismo avançará ao período religioso, marcado pelos laços de afeição
entre os seus adeptos e pela fé raciocinada. Posteriormente, rumará ao período
intermediário e o da renovação social.
Fonte: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2023/10/reDE-197.pdf
[1] https://educadorespirita1.blogspot.com/2023/11/o-periodo-de-luta-do-espiritismo.html?fbclid=IwAR3c34f5rdXxHYfIiHXWG8bwXtCSZ097Vf5CdsP3KavIb80nnZ-AVa9upVk
[2] Ver o artigo “Trojan em grupos espíritas”, de minha
autoria, publicado no jornal Correio Fraterno, edição 501, out/21. Link: https://correio.news/reflexoes/trojan-em-grupos-espiritas
[3] Ver a questão nº 886, de o Livro dos Espíritos,
por Allan Kardec.
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