sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

NEM TUDO QUE É PERMITIDO NOS CONVÉM[1]

 


Eder Andrade

 

No mundo contemporâneo a falta de noção de limite, no comportamento de certas pessoas, está tomando proporções maiores do que imaginávamos. A deterioração das relações humanas está promovendo uma banalização no comportamento não somente dos jovens, mas também de muitas pessoas já adultas.

Não querendo ser moralista, apenas um observador histórico e sociológico, percebemos que as pessoas estão abusando do uso de artifícios para contornar sentimentos reprimidos, como álcool e diversos tipos de drogas. De uma certa forma isso já vem acontecendo há várias décadas. Mas infelizmente vem-se acentuando consideravelmente, decorrente de um desdobramento de uma crise socioeconômica que a Humanidade vem vivenciando. Não temos dúvida de que conviver numa sociedade competitiva exige muita firmeza e equilíbrio por parte do indivíduo, que acaba buscando nessas válvulas de escape uma liberação para seu estresse do dia a dia.

Porém a grande questão é o desdobramento a longo prazo no psiquismo dessas pessoas, que acabam se tornando dependentes das emoções provocadas por essas substâncias e mais suscetíveis a processos de influência e obsessão.

Quando alimentamos formas de pensamento doentias, com o objetivo prazeroso, acabamos nos tornando reféns dessas emoções e infelizmente ao longo dos anos fica cada vez mais difícil se libertar.

A reeducação das emoções pode ser o primeiro grande passo para nossa transformação atual, principalmente no que diz respeito à nossa conduta moral diante da vida. Saber que todos temos um livre-arbítrio não é a garantia de um processo de mudança de curto prazo.

No Espiritismo, chamamos de Reforma Íntima o movimento de autoconhecimento das nossas dificuldades, assim como o que pode ser feito para se modificar. Emmanuel por intermédio da mediunidade de Chico Xavier nos chama atenção para o seguinte:

Almas enfraquecidas, que tendes, muitas vezes, sentido sobre a fronte o sopro frio da adversidade, que tendes vertido muitos prantos nas jornadas difíceis em estradas de sofrimentos rudes, buscai na fé os vossos imperecíveis tesouros[2].

Todos temos nossas dificuldades pessoais, porém nos momentos de grandes desafios, precisamos dar um testemunho de boa vontade, o que não é uma tarefa fácil, em uma sociedade com tantas questões de desigualdade, que parecem se acentuar com o tempo.

Apenas aqueles que buscam se capacitar moralmente conseguem entender o verdadeiro sentido do testemunho pessoal diante da vida, em um momento onde a transição planetária está promovendo um processo de separação do joio e do trigo, para aqueles que entendem o verdadeiro sentido da parábola bíblica na visão espírita.

Independente da capacitação pessoal de cada um de nós, para melhor interagir com a nossa caminhada, o Espírito André Luiz conversando com o instrutor Silas na obra “Ação e Reação”, psicografada por Chico Xavier, nos apresenta a seguinte questão para pensarmos:

Na mesma leira de terra dadivosa e neutra, quem acalenta a urtiga recolhe a urtiga que fere, e quem protege o jardim tem a flor que perfuma. O solo da vida é idêntico para nós todos. Não encontraremos aqui neste imenso palco de angústia almas simples e inocentes, mas sim criaturas que abusaram da inteligência e do poder, e que, voluntariamente surdas à prudência, se extraviaram nos abismos da loucura e da crueldade, do egoísmo e da ingratidão, fazendo-se temporariamente presas das criações mentais, insensatas e monstruosas, que para si mesmas teceram[3].

O instrutor Silas deixa claro que colhemos o que plantamos e um dia teremos de dar conta das nossas escolhas à nossa consciência e aos nossos mentores que promoveram nosso retorno ao mundo material.

Emmanuel, percebendo nossas dificuldades pessoais em lidar com nossas fraquezas e arrastamentos, procurou incentivar aqueles que se sentem esmorecidos a não desistir da luta de transformação pessoal.

Não há forças miraculosas para os seres humanos, como não existem igualmente para nós. O livre-arbítrio relativo nunca é ab-rogado em todos nós; em conjunto, somos obrigados, em qualquer plano da vida, a trabalhar pelo nosso próprio adiantamento1.

O esforço pessoal deve ser feito por todos e os espíritas não são pessoas melhores e não estão remidos de passar pelos dissabores dessa sociedade doente.  Muito pelo contrário, devemos ser resilientes e determinados em lidar com os desafios do nosso dia a dia.

Suely Caldas em seu livro “Transtornos Mentais”, procurou fazer uma análise da sociedade, procurando correlacionar as questões espirituais e seus desdobramentos no mundo contemporâneo. Procurou mostrar as dificuldades dos encarnados em superarem seus desajustes, já que nem tudo pode ser atribuído à sociedade, porém ela acaba servindo como gatilho para trazer à tona nossas mazelas mais íntimas da alma para serem tratadas, quando diz:

A Justiça Divina é perfeita, portanto equânime, conforme o próprio Mestre Jesus asseverou, "a cada um segundo as suas obras". Nos códigos divinos não existem imperfeições, privilégios, castigos, perseguições ou vinganças - embora assim pense a maioria das criaturas, que atribuem a Deus, como punição impiedosa, as provações que enfrentam na vida terrena[4].

Não podemos alegar que não sabíamos dos riscos para nossa saúde física e mental ao fazer uso de certas válvulas de escape, com a desculpa de que era uma necessidade iminente para superarmos uma crise momentânea.

A maturidade do senso moral é uma conquista individual de cada um de nós. A natureza não dá saltos e não podemos usufruir de um privilégio que não fizemos por merecer. Tudo é um processo, uma conquista pessoal nossa em direção a uma vida melhor.



[1] O CONSOLADOR - Ano 17 - N° 861 - 11 de Fevereiro de 2024 - https://www.oconsolador.com.br/ano17/861/ca1.html

[2]Xavier, Francisco Cândido: Emmanuel; 1 - Almas Enfraquecidas: Necessidade do Esforço Próprio e Aos Enfraquecidos na Luta; FEB.

[3] Xavier, Francisco Cândido; Ação e Reação; 5 - Almas enfermiças; FEB.

[4] Schubert, Suely Caldas; Transtornos Mentais; Parte I - Cap. 8 - Visão Espírita dos Transtornos Mentais; Minas Editora.

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