Bússola Ética e Moral
Anselmo Ferreira Vasconcelos
Por motivos muito justos nos
queixamos com frequência do baixo padrão moral dos nossos políticos, assim como
da maioria dos nossos governantes. Com efeito, os exemplos que vêm de cima não
são nada edificantes, revelando, quase sempre, uma conduta eticamente
condenável. Quase diariamente somos informados de privilégios absurdos
desfrutados ou engendrados pelas nossas eminências, executivos de estatais,
funcionários públicos (inclusive de membros de várias instâncias da justiça) e
assim por diante.
O corporativismo no Brasil não
mede esforços para se dar bem e continuar gozando de prerrogativas imagináveis
para o cidadão comum. O teor criativo empregado para burlar as diretrizes da
Constituição do país – que claramente estabelece que o máximo a ser recebido
por membros do funcionalismo não deve ultrapassar o salário do Presidente da
República – e acrescentar penduricalhos e outra benesses ao próprio bolso é de
causar espanto.
Uma importante rádio do meu
estado (São Paulo) recentemente noticiou que o sindicato dos desembargadores
estava elaborando ações com vistas a elevar significativamente os proventos da
categoria, bem como aumentar as férias obrigatória para três meses por ano
(estou aqui reproduzindo apenas o que eu ouvi). Ou seja, benefícios que o
cidadão mediano nem sonha em obter. Não é por acaso que muitos analistas,
aliás, advogam a tese de que mais importante do que realizar uma reforma
tributária, seria realizar a reforma do Estado, enxugando o gasto público
(fortemente comprometido com o pagamento de salários e benefícios). Seja como
for, não se pode afirmar que há absoluta lisura ou ética no trato de tais
questões. Na verdade, nossa sociedade padece da virtude do desprendimento.
Desse modo, prevalece o dito popular: “Quem pode mais chora menos”. Obviamente
justiça, comedimento e bom senso são coisas que menos importam nesse contexto.
Retomo esse assunto para
destacar que, se nos altos escalões da República o fator ético é menosprezado,
é porque na base ele também continua não funcionando a contento. Darei dois
exemplos para ilustrar o meu raciocínio. Há poucos dias levei um tênis para ser
consertado. Basicamente o serviço constituía em troca de sola e algum retoque
no coro do bico (tintura). Quando solicitei o orçamento, o atendente me deu um
preço exagerado.
Obviamente protestei com
veemência. Disse-lhe que naquele valor, melhor seria comprar um novo. O rapaz
usou todo o seu repertório de supostos argumentos para justificar o preço do
serviço: valor da cola, custo da lavagem do tênis, preço da mão de obra etc.
Mas, de minha parte, fiquei irredutível e lhe disse que não me convencia. A
partir daí ficamos negociando – blefei várias vezes, devo admitir - até que
cheguei ao valor que me parecia razoável diante das circunstâncias (cerca de
32% de desconto). O fato é que se eu não tivesse “chorado”, eu pagaria um preço
muito acima do aceitável. Em termos mais precisos: teria sido vergonhosamente
roubado. A questão a ser respondida é: quantas pessoas não são nesses tempos de
extrema avareza e má-fé que regem as coisas em nossa sociedade moralmente
doente?
O outro caso foi retratado
através de uma pesquisa (enquete) realizada por uma emissora de TV de
importante cidade turística também do meu estado. A questão levantada pelo
repórter foi a seguinte: se você constatasse um depósito (indevido) de valor
elevado em sua conta bancária, o que faria? Perguntado a pessoas de vários
extratos sociais e gêneros, apenas uma declarou que iria ao banco regularizar o
assunto − conforme os cânones da ética – para que a importância retornasse ao
seu dono. A maioria declarou que utilizaria o dinheiro ilícito de várias
formas, sem qualquer preocupação com o infeliz depositário. Ou seja, reclamamos
das escorregadas das nossas elites, mas, na prática, não nos sentimos impelidos
a fazer o oposto quando a oportunidade surge. Em outras palavras, erramos tanto
quanto os que criticamos. Desse modo, o país continua demonstrando enormes
contradições no plano ético-moral, que, infelizmente, mostram abarcar toda a
sociedade.
O Espiritismo nos ensina que
agir com ética é, antes de mais nada, uma autêntica obrigação que nos compete
adotar em todas as circunstâncias e ocasiões. Não é possível, portanto, um
alinhamento com algo superior, quando o nosso arcabouço moral não é sólido. E
muitos dos problemas que ora nos afligem como nação decorrem dessa elasticidade
interpretativa e permissiva na qual a autodesculpa tem papel preponderante.
Como acertadamente pondera o Espírito Emmanuel,
O problema do cristão, todavia, não é apenas suspirar
pelo Senhor. É permanecer com Ele, assimilando-lhe a palavra e seguindo-lhe o
exemplo. Ou seja, Não apenas crença, mas comunhão.
[1] O Consolador - Ano 17 - N° 862 - 18 de Fevereiro de
2024 - https://www.oconsolador.com.br/ano17/862/ca1.html
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