sábado, 24 de fevereiro de 2024

OS CENTROS ESPÍRITAS[1]

 


Miguel Vives y Vives

 

Os Centros Espíritas devem ser a Cátedra do Espírito da Verdade. Porque, se não servirem ao espírito de luz, sofrerão a influência do espírito das trevas. E desgraçados daqueles espíritas que estiverem sob essa influência, pois, pouco, bem pouco, poderão avançar na sua evolução.

Veem-se alguns Centros Espíritas cair na prática de graves aberrações, por falta de bom senso e por não adotarem as medidas adequadas às circunstâncias. São dominados por influências perversas, contraindo tremendas responsabilidades, em vez de progredirem e se aperfeiçoarem.

As igrejas cristãs dizem que o seu púlpito é a Cátedra do Espírito Santo. Sabemos, porém, que não há santos, no verdadeiro sentido da palavra, mas apenas espíritos mais ou menos adiantados, mais ou   menos perfeitos e puros, e que o Espírito da Verdade pode, em dadas circunstâncias, inspirar a um político, a um sacerdote, a um cientista, sejam quais forem as suas crenças, segundo a importância do assunto que estejam tratando, mas isso, não por qualquer espécie de privilégio, senão porque é esse o meio de que a Providência se serve para fazer que a Humanidade progrida, a maneira de que se vale o Altíssimo para produzir as mudanças necessárias à regeneração humana. Nunca, portanto, se poderá atribuir a nenhuma escola, nem religiosa, nem política, nem social, a assistência exclusiva do Espírito da Verdade.

Digo, porém, que os Centros Espíritas devem ser a Cátedra do Espírito da Verdade. E o digo porque, nos Centros Espíritas, realizamos sessões mediúnicas, e nestas, como todos sabemos, recebem-se comunicações que são inspiradas aos médiuns ou a eles transmitidas pelos espíritos. Ora, se estes espíritos não são da verdade, o que será dos que se deixam orientar por espíritos do erro? Não podemos esquecer que as comunicações são ouvidas com a máxima atenção, e que a maioria dos presentes às sessões dão muito mais importância e prestam mais atenção às exortações dos espíritas mais entendidos. Assim, se as comunicações são inspiradas pelo Espírito da Verdade, justifica-se e é de muito proveito a atenção que lhe dispensam; mas, se o comunicante é um espírito leviano ou mistificador, não há dúvida de que a influência exercida sobre os presentes será prejudicial.

Por isso temos de preocupar-nos, com afinco, para que nos Centros Espíritas seja o Espírito da Verdade quem predomine e exorte durante as sessões. E como não há lugar nem fórmula para atrair os espíritos de luz, é necessário observar algumas regras, para atraí-los e fazer-lhes agradável a permanência nas reuniões.

Entendo que, para isso, os Centros Espíritas devem ser casa de amor, de caridade, de indulgência, de perdão, de humildade, de abnegação, de virtude, de bondade e de justiça, a fim de que possam atrair os bons Espíritos.

O presidente ou diretor de um Centro Espírita deve ser, em tudo, um exemplo. Porque, se cabe a todos os que constituem o Centro procurar seguir uma conduta modelar, mais ainda o compete ao que dirige e ensina. Este deve ser paciente ao máximo, nunca deve precipitar-se, não pode deixar-se arrastar por influências tendenciosas, sem levar em conta o interesse de todos. Se possível, deve estudar, observando as regras da prudência, o caráter e as tendências de cada um dos irmãos que se encontram sob a sua direção, para instruir e dirigir a cada um de acordo com as necessidades do seu caráter e da sua maneira de ser.

O dirigente nunca deve olvidar que se encontra revestido de um encargo que, embora nada seja entre os homens, é de grande importância perante Deus. Assim, se por descuido ou falta de previsão, ou por falta de amor e caridade, permitir deficiências ou maneiras que possam prejudicar moralmente os outros, será altamente responsável. Não deve olvidar que a direção dos seus irmãos constitui um depósito sagrado; que um dia lhe renderá grandes benefícios, se bem o tiver cumprido, mas o carregará de grandes responsabilidades, se não proceder como deve. Por isso, todo diretor ou presidente deve viver sempre apercebido dos seus deveres, mantendo o seu pensamento bem elevado, praticando a oração mental, e tendo sempre em mente as leis divinas do Evangelho. Deve recordar a abnegação, o sacrifício e o amor do Senhor e Mestre, para em todas as circunstancias ter presente a maneira espírita de proceder. Assim, os que o seguem terão motivos de admirá-lo, jamais de censurá-lo. Porque, no seu Centro, ele deve ser a luz, o encarregado da Providencia para dirigir os outros. Deve ser o guia espiritual visível de que os irmãos dispõem para a sua direção, instrução e consolo na presente existência. Deve ser, enfim, o que pode livrá-los das quedas, preocupações e trevas da Terra.

Com sua doçura, seu amor e sua palavra persuasiva, sempre mansa e tolerante, deve o dirigente corrigir tudo aquilo que possa ser causa de atração para o espírito das trevas, de maneira que este não encontre meios de interferir nos ensinos e exortações que se recebem no Centro. Deve evitar que se converse no recinto sobre leviandades e muito menos sobre questões que possam redundar em críticas ou murmurações a respeito de pessoas ausentes. Não deve olvidar que a caridade e o amor ao próximo nos obrigam a só tratar de ausentes para bendizê-los, e quando as circunstâncias nos obrigam ao contrário, devemos tratá-los como a pessoas que muito amamos e que se desviaram.

É obrigação do dirigente fazer que os frequentadores da sessão estejam conscientes do ato que vão realizar, a fim de evitar que más influências impeçam a recepção das instruções do Espírito da Verdade.

Por sua vez, os irmãos que frequentam e constituem o Centro devem respeitar e obedecer aquele que Deus lhes deu para guia e consolo, pois é grande coisa encontrar na Terra quem nos encaminhe para o Pai, advertindo-nos dos escolhos da vida e evitando-nos as quedas, que tão caras nos saem no futuro. Essa obediência e esse respeito, entretanto, não devem ser de natureza fanática e cega, mas o resultado natural da conduta e das ações praticadas por aquele que se esforça para servir-lhes de exemplo.

O homem não deve, de maneira alguma, abdicar da razão e do direito de livre exame, mas deve ser respeitoso para com aquele que trabalha em favor do seu aperfeiçoamento, e suficientemente tolerante para compreender que ninguém é infalível. Assim, ao notar deficiências ou descuidos de parte do dirigente, nunca se deve entregar-se à murmuração e à crítica, mas há de recorrer à prudência, para saber o que convém relevar e o que precisa ser corrigido. Se for necessário recorrer à exortação ou à advertência, é melhor, antes de fazê-lo, consultar os irmãos de maior critério, prudência e caridade. Caso a exortação do dirigente a se corrigir seja necessária, convém buscar a ocasião oportuna e a maneira própria de fazê-la, com tato e prudência, não se esquecendo os serviços e esforços realizados pelo dirigente em seus trabalhos.

No Centro em que assim se fizer, estamos seguros de que o Espírito da Verdade se manifestará nas sessões, e os irmãos participantes progredirão, preparando-se para um bom futuro.

Às vezes ouvimos de alguns irmãos: “Que sorte a minha, por ter conhecido o Espiritismo!” Respondemos: É realmente uma grande vantagem, para bem empregarmos o tempo em nossa atual existência, mas esse conhecimento nos traz também grandes deveres a cumprir. Nós, os espíritas, não podemos viver como o comum dos mortais. Temos de combater os nossos defeitos, adquirir virtudes, viver apercebidos. Temos de ser a luz e o exemplo, para que os homens admirem o Pai e se convertam, entrando na via de purificação.

A luz, a paz, o consolo e a confiança no futuro, que o Espiritismo nos dá, são o quinhão agradável e confortável que ele nos proporciona. Mas a correção que temos de fazer em nós mesmos (pois ninguém é perfeito), o combate aos defeitos, o abandono das futilidades e o aperfeiçoamento das virtudes e da humildade, obrigam-nos a uma auto-observação e a um trabalho constante. Porque, se nos extasiarmos com as vantagens que o Espiritismo nos oferece, esquecendo-nos das obrigações que ele nos acarreta, o que será de nós?

Prescrevemos algumas regras e maneiras de proceder, para os presidentes e diretores de Centros Espíritas. Entretanto, perguntamos a nós mesmos: E tu, que durante tantos anos tens exortado e ensinado, cumpriste essas regras? Foste tolerante, amoroso, caridoso e humilde, como devias ser? Foste sempre oportuno, discreto e abnegado, como aconselhas? Duvidamos.

Não obstante, não nos cabe negar nem afirmar, neste caso. Os irmãos, que por tantos anos nos tem observado e seguido, são os que nos podem julgar. De nossa parte, achamos que não nos faltaram deficiências, conhecemos os nossos defeitos. Sabemos que quase nunca estivemos à altura do encargo. Mas pedimos perdão aos irmãos, pedimos que não nos sigam em nossos erros, e, mais ainda, que continuem a observar-nos, e naquilo em que nos vejam falho, sem caridade e incorreto, sem o necessário senso de humildade e de justiça, que nos exortem à correção, que nos avisem. Mas que o façam também com caridade, não esquecendo que os amamos e desejamos ser amados por eles.

Que nos falem como a mãe sabe falar ao filho, que de nossa parte faremos o mesmo. E se acaso não atendermos de pronto às suas advertências, o que pode suceder, em razão das nossas imperfeições, que não se cansem por isso. Farão, assim, uma verdadeira obra de caridade. Podemos, acaso, julgar-nos a nós mesmos? Podemos crer que tudo o que fazemos é bom? Pois para convencer-nos disso precisamos do vosso julgamento, da vossa opinião. Mas suplicamos, irmãos: sede amáveis e benévolos conosco, como temos sido convosco, que essa é a verdadeira caridade.

Deus meu! Deus meu! Terei cumprido fielmente a minha missão? Terei sido para os meus irmãos aquilo que devia ser? Terei sido suficientemente grato aos benefícios que Vós, meu Pai, me tendes concedido? Quando lembro os dias da minha incredulidade, quando recordo aquelas noites passadas entre o sofrimento e a solidão, perdida toda a esperança, perdidos todos os seres queridos, e comparo os dias esperançosos, rodeado de verdades e consolações, que hoje me dão aqueles mesmos que eu considerava perdidos; quando comparo os bens imensos e consoladores que encontrei através do Espiritismo, meu amor se eleva até Vós, meu pai, e compreendo que todos os sacrifícios e trabalhos por mim realizados, em favor de meus irmãos, são bem pouca coisa, comparados aos bens que de Vós recebi.

Por isso, com toda a minha alma vos peço o perdão das minhas deficiências, das faltas que, sem dúvida, terei cometido, da falta de abnegação que certamente tive, da minha pouca humildade e da falta de caridade para com os meus irmãos. E Vos peço luz, muita luz, para que, no pouco tempo que ainda me resta na Terra, possa reparar as minhas falhas e corrigir-me das minhas deficiências, das minhas imperfeições, a fim de que, no cumprimento da minha insignificante missão, possa ainda demonstrar-Vos o meu agradecimento, o meu amor. E nos dias maus que tiverem de vir, fazei, meu Pai, meu Bem Supremo, Grandeza Infinita, que eu possa recordar o grande exemplo do Mestre Divino, do Senhor dos Senhores, do puro e imaculado Jesus!

Ah, que ditoso serei, se nos dias de prova souber recordá-lo e amá-lo! Que feliz hei de ser, se nos dias de angústia puder evocá-lo, coroado de espinhos, subindo a encosta do Calvário ao peso da cruz. Que ventura terei, Senhor meu, se nos momentos de dor souber fazer como Ele, sofrendo sem acusar ninguém, com serenidade e calma, segundo o exemplo da crucificação!

Dai-me, Senhor, a plena consciência da importância que tem para o meu progresso o saber sofrer bem! Dai-me, Senhor meu, Amor Supremo de minha alma, a verdadeira consciência, o verdadeiro conhecimento do que significa o exemplo que nos enviaste, para o nosso bem, para o alívio das nossas aflições! Dai-me a verdadeira compreensão daquilo que posso alcançar se for paciente, submisso, abnegado, caridoso. Não para conquistar méritos, mas para atingir a tranquilidade do meu espírito, que anseia pelo que não encontra na Terra, aspira ao que aqui não existe. Meu espírito deseja o amor-verdade, a fraternidade-verdade, a indulgência-verdade, e compreendo que, para encontrar tudo isso, não posso procurar na Terra, mas em outras moradas.

É por tudo isso, Senhor de minha alma, que Vos peço luz, amor, paciência, virtudes, para que, chegando a minha hora de partir, eu possa ir morar entre os que sabem amar e tolerar, perdoando-se e seguindo o caminho que nos haveis traçado, caminho que nos leva às Moradas da Felicidade!

Irmãos: todos vós que dirigis e que escutais e aprendeis, os que tendes a missão de exortar e os que seguis as instruções do Espaço e da Terra, amai-vos muito, tolerai-vos reciprocamente, corrigi-vos com indulgência. Firmai as vossas esperanças na vida futura. Sede abnegados e caridosos, moral e materialmente, até onde o permitam as vossas forças. E não duvideis que juntando a tudo isso um grande respeito e admiração pelo Pai, até onde possa chegar a vossa admiração, o Espírito da Verdade terá a sua cátedra em vossos Centros e vos ensinará a seguir, praticamente, Aquele que Deus nos deu por modelo.

Sabeis, irmãos, segundo as suas próprias palavras, que Ele é o caminho, a verdade e a vida, e vos ensinará a fazer dos Centros Espíritas um éden de felicidade. Reinará entre vós a paz dos justos, pois sentiremos já entre nós o prelúdio da paz que há de vir. Nossa missão se cumprirá tranquila na Terra, e comunicaremos a nossa paz e a nossa esperança a muitos.

Seremos a luz do mundo, inspirados e educados pelo Espírito da Verdade[2].



[1] O Tesouro dos Espíritas – Miguel Vives y Vives

[2] Miguel Vives refere-se ao Espírito da Verdade genericamente, considerando todos os bons Espíritos como pertencentes a essa Falange de entidades que lutam pela regeneração da Terra. Sabemos que o guia de Kardec lhe deu o nome de Espírito da Verdade e que mais tarde, segundo podemos ver em Obras Póstumas, os Espíritos que auxiliavam o Codificador revelaram estar sob a direção daquele Espírito. A posição de Vives é tipicamente espírita: todas as boas aspirações e comunicações nos chegam através do Espírito da Verdade, que preside ao movimento espírita na Terra e que não é apenas o Espírito diretor da Falange, mas a própria Falange. Cada Espírito verdadeiro, e portanto elevado, é portador de uma mensagem do Espírito da Verdade. (N.T.)

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