Allan Kardec
Um de nossos assinantes nos
comunicou as duas entrevistas seguintes, que se deram com o Espírito Mozart.
Ignoramos onde e quando se
realizaram; desconhecemos o interpelante e o médium; somos, pois, completamente
estranhos a tudo isso. Notar-se-á, no entanto, a concordância perfeita
existente entre as respostas obtidas e as que foram dadas por outros Espíritos
sobre diversos pontos capitais da Doutrina, em circunstâncias inteiramente
diferentes, seja a nós, seja a outras pessoas, e que relatamos em nossos
fascículos anteriores e em O Livro dos Espíritos.
Sobre tal analogia chamamos a
atenção dos nossos leitores, que dela tirarão a conclusão que julgarem mais
acertada. Aqueles, pois, que pudessem ainda pensar que as respostas às nossas
perguntas são um reflexo de nossas opiniões pessoais, por aí verão se nessa
ocasião pudemos exercer uma influência qualquer. Felicitamos as pessoas por
meio das quais essas entrevistas foram obtidas, bem como a maneira por que as
perguntas foram elaboradas. Apesar de certas falhas que revelam a inexperiência
dos interlocutores, em geral são formuladas com ordem, clareza e precisão, e de
modo algum se afastam da linha de seriedade, condição essencial para se obter
boas comunicações. Os Espíritos elevados dirigem-se às pessoas sérias que de
boa-fé desejam ser esclarecidas; os Espíritos levianos divertem-se com as
pessoas frívolas.
PRIMEIRA CONVERSA
1. Em nome de Deus, Espírito Mozart, estás aqui?
– Sim.
2. Por que és Mozart, e não um outro Espírito?
– Foi a mim que evocastes: então vim.
3. Que é um médium?
– O agente que une o meu ao teu Espírito.
4. Quais as modificações, tanto fisiológicas quanto
anímicas que, mal grado seu, sofre o médium ao entrar em ação intermediária?
– Seu corpo nada sente, mas seu Espírito, parcialmente
desprendido da matéria, está em comunicação com o meu, unindo-me a vós.
5. O que se passa nele nesse momento?
– Nada para o corpo; mas uma parte de seu Espírito é
atraída para mim; faço sua mão agir pelo poder que meu Espírito exerce sobre
ele.
6. Assim, o médium entra em comunicação com uma
individualidade espiritual diferente da sua?
– Certamente; tu também, sem que sejas médium estás em
contato comigo.
7. Quais os elementos que concorrem para a produção desse
fenômeno?
– A atração dos Espíritos para instruir os homens; leis
de eletricidade física.
8. Quais são as condições indispensáveis?
– É uma faculdade concedida por Deus.
9. Qual o princípio determinante?
– Não o posso dizer.
10. Poderias revelar-nos as suas leis?
– Não, não; não agora. Mais tarde sabereis tudo.
11. Em que termos positivos poder-se-ia anunciar a fórmula
sintética desse maravilhoso fenômeno?
– Leis desconhecidas que, por ora, não poderíeis
compreender.
12. Poderia o médium pôr-se em relação com a alma de uma
pessoa viva, e em que condições?
– Facilmente, se a pessoa estiver dormindo[2].
13. O que entendes pela palavra alma?
– A centelha divina.
14. E por Espírito?
– Espírito e alma são a mesma coisa.
15. Como Espírito imortal, tem a alma a consciência do ato
da morte, a consciência de si mesma ou do eu imediatamente após a morte?
– A alma nada sabe do passado, nem conhece o futuro
senão após a morte do corpo; vê, então, sua vida passada e as últimas provas
que sofrerá; assim, não se deve lamentar o que se sofre na Terra, a tudo
suportando com coragem.
16. Após a morte acha-se a alma desprendida de todo
elemento, de todo liame terrestre?
– De todo elemento, não; tem ainda um fluido que lhe é
próprio, que haure na atmosfera de seu planeta e que representa a aparência de
sua última encarnação; os laços terrenos nada mais são para ela.
17. Sabe ela donde vem e para onde vai?
– A décima quinta resposta resolve essa questão.
18. Nada leva consigo daqui da Terra?
– Somente a lembrança de suas boas ações, o pesar de
suas faltas e o desejo de ir para um mundo melhor.
19. Abarca num golpe de vista retrospectivo o conjunto de
sua vida passada?
– Sim, para servir à sua vida futura.
20. Entrevê o fim da vida terrestre, o significado e o
sentido desta vida, assim como a importância do destino que aqui se cumpre, em
relação à vida futura?
– Sim; compreende a necessidade de depuração para
chegar ao infinito; quer purificar-se para alcançar os mundos bem-aventurados.
Sou feliz; porém, ainda não me encontro nos mundos onde se desfruta da visão de
Deus!
21. Existe na vida futura uma hierarquia dos Espíritos? Qual
a sua lei?
– Sim; é o grau de depuração que a marca: a bondade e
as virtudes são os títulos de glória.
22. Como potência progressiva, é a inteligência que nela
determina a marcha ascendente?
– Sobretudo as virtudes: o amor do próximo,
especialmente.
23. Uma hierarquia dos Espíritos faria supor uma outra de
residência. Existe esta última? Sob que forma?
– Dom de Deus, a inteligência é sempre a recompensa das
virtudes: caridade, amor ao próximo. Os Espíritos habitam diferentes planetas,
conforme seu grau de perfeição; aí desfrutam de maior ou menor felicidade.
24. O que se deve entender por Espíritos superiores?
– Os Espíritos purificados.
25. Nosso globo terrestre é o primeiro desses degraus, o
ponto de partida, ou procedemos de uma região mais inferior ainda?
– Há dois globos antes do vosso, que é um dos menos
perfeitos.
26. Qual o mundo que habitas? Ali és feliz?
– Júpiter. Nele desfruto de grande calma; amo a todos
os que me rodeiam; não temos ódio.
27. Se guardas lembrança da vida terrestre, deves
recordar-te do casal A..., de Viena; já os vistes após a tua morte? Em que
mundo e em que condições?
– Não sei onde estão; não te posso dizer. Um é mais
feliz que o outro. Por que me falas deles?
28. Por uma única palavra, indicativa de um fato capital
de tua vida, e que não podes ter esquecido, seria possível forneceres uma prova
certa dessa lembrança? Intimo-te a dizer essa palavra.
– Amor; reconhecimento.
SEGUNDA CONVERSA
O interlocutor
não é mais o mesmo. Pela natureza da conversa, é possível que se trate de um músico,
feliz por se entreter com um mestre. Após diversas perguntas, que nos pareceram
inútil relatar, diz Mozart:
1. Acabemos com as perguntas de G...: conversarei
contigo; dir-te-ei o que em nosso mundo entendemos por melodia.
– Por que não me evocaste mais cedo? Ter-te-ia
respondido.
2. O que é melodia?
– Para ti muitas vezes é uma lembrança da vida
passada; teu Espírito recorda aquilo que entreviu num mundo melhor.
No planeta em que habito – Júpiter – há melodia
em toda parte: no murmúrio da água, no crepitar das folhas, no canto do
vento; as flores sussurram e cantam; tudo torna os sons melodiosos. Sê bom;
conquista esse planeta por tuas virtudes; bem escolheste, cantando a Deus: a
música religiosa auxilia a elevação da alma. Como gostaria de vos poder
inspirar o desejo de ver esse mundo onde somos tão felizes! Todos somos
caridosos; tudo ali é belo e a Natureza é tão admirável! Tudo nos inspira o
desejo de estar com Deus. Coragem! Coragem! Acreditai em minha comunicação
espírita: sou eu mesmo que aqui me encontro; desfruto do poder de vos dizer o
que experimentamos; possa eu vos inspirar bastante o amor ao bem, para vos
tornardes dignos desta recompensa, que nada é ao lado de outras a que aspiro!
3. Nossa música é a mesma em outros planetas?
– Não; nenhuma música poderá vos dar uma ideia da
música que temos aqui: é divina! Oh! Felicidade! Faz por merecer o gozo de
semelhantes harmonias: luta! Coragem! Não possuímos instrumentos: os coristas
são as plantas e as aves; o pensamento compõe e os ouvintes desfrutam sem
audição material, sem o auxílio da palavra, e isso a uma distância
incomensurável. Nos mundos superiores isso é ainda mais sublime.
4. Qual a duração da vida de um Espírito encarnado
em outro planeta que não o nosso?
– Curta nos planetas inferiores; mais longa nos
mundos como esse em que tenho a felicidade de estar; em Júpiter ela é, em
média, de trezentos a quinhentos anos.
5. Haverá alguma vantagem em voltar-se a habitar a
Terra?
– Não; a menos que seja em missão, porque então
avançamos.
6. Não se seria mais feliz permanecendo na condição
de Espírito?
– Não, não! Estacionar-se-ia e o que se quer é
caminhar para Deus.
7. É a primeira vez que me encontro na Terra?
– Não; mas não posso falar do passado de teu
Espírito.
8. Eu poderia ver-te em sonho?
– Se Deus o permitir, far-te-ei ver a minha
habitação em sonho, e dela guardarás lembrança.
9. Onde estás aqui?
– Entre tu e tua filha; vejo os dois; estou sob a
forma que tinha quando estava vivo.
10. Eu poderia ver-te?
– Sim; crê e verás; se tivesses mais fé,
ser-nos-ia permitido dizer o porquê; tua própria profissão é um laço entre nós.
11. Como entraste aqui?
– O Espírito atravessa tudo.
12. Estás ainda muito longe de Deus?
– Oh! Sim!
13. Melhor que nós, compreendes o que seja a
eternidade?
– Sim, sim, mas não o podeis compreender no
corpo.
14. Que entendes por Universo? Houve um início e haverá
um fim?
– Segundo vós o Universo é a Terra! Insensatos! O
Universo não teve começo nem terá fim; considerai que é obra de Deus; o
Universo é o infinito.
15. Que devo fazer para me acalmar?
– Não te inquietes tanto pelo teu corpo. Tens perturbado
o Espírito. Resiste a essa tendência.
16. O que é essa perturbação?
– Temes a morte.
17. Que devo fazer para não temê-la?
– Crer em Deus; sobretudo acreditar que Deus não separa
um pai útil de sua família.
18. Como alcançar essa calma?
– Pela vontade.
19. Onde haurir essa vontade?
– Desvia o teu pensamento disso pelo trabalho.
20. Que devo fazer para aperfeiçoar o meu talento?
– Podes evocar-me; obtive a permissão de
inspirar-te.
21. Quando eu estiver trabalhando?
– Certamente! Quando quiseres trabalhar, estarei perto
de ti algumas vezes.
22. Ouvirás a minha obra? (uma obra musical do interpelante).
– És o primeiro músico que me evoca; venho a ti com
prazer e ouço as tuas obras.
23. Como explicar que não tenhas sido evocado?
– Fui evocado; não, porém, por músicos.
24. Por quem?
– Por várias damas e curiosos, em Marselha.
25. Por que a Ave-Maria me comove até as
lágrimas?
– Teu Espírito se desprende e junta-se ao meu e ao
de Pergolesi[3],
que me inspirou essa obra, mas esqueci aquele trecho.
26. Como pudeste esquecer a música composta por ti
mesmo?
– A que tenho aqui é tão bela! Como lembrar
daquilo que era só matéria?
27. Vês minha mãe?
– Ela está reencarnada na Terra.
28. Em que corpo?
– Nada posso dizer a propósito.
29. E meu pai?
– Está errante para auxiliar no bem; fará tua mãe
progredir; reencarnarão juntos e serão felizes.
30. Ele me vem ver?
– Muitas vezes; a ele deves teus impulsos
caritativos.
31. Foi minha mãe quem pediu para reencarnar-se?
– Sim; tinha grande vontade de elevar-se por uma nova
prova e adentrar num mundo superior à Terra; já deu um passo imenso nesse
sentido.
32. Que queres dizer com isso?
– Ela resistiu a todas as tentações; sua vida na
Terra foi sublime, comparada com seu passado, que foi o de um Espírito inferior.
Assim, já galgou alguns degraus.
33. Havia escolhido, então, uma prova acima de suas
forças?
– Sim, foi isso.
34. Quando sonho que a vejo, é ela própria que
aparece?
– Sim, sim.
35. Se tivessem evocado Bichat[4]
no dia da inauguração de sua estátua, teria ele respondido? Estaria lá?
– Ele estava lá, e eu também.
36. Por que também estavas lá?
– Pela mesma razão que vários outros Espíritos, que
desfrutam o bem e se sentem felizes por ver que glorificais os que se ocupam da
humanidade sofredora.
37. Obrigado, Mozart; adeus.
– Crede, crede, estou aqui... Sou feliz... Crede
que há mundos acima do vosso... Crede em Deus... Evocai-me mais frequentemente,
e em companhia de músicos; ficarei feliz em vos instruir e em contribuir para a
vossa melhoria, e em vos ajudar a subir para Deus.
[1]
[2] Se uma pessoa viva for evocada em estado de vigília,
pode adormecer no momento da evocação ou, pelo menos, sofrer um entorpecimento
e uma suspensão das faculdades sensitivas; frequentemente, porém, a evocação
não surte qualquer efeito, sobretudo se não for feita com intenção séria e com
benevolência.
[3] Giovanni Battista Draghi, de alcunha Pergolesi ou, na
época, Pergolese foi um compositor, organista e violinista italiano de óperas e
música sacra do período barroco. (Wikipédia)
[4] Marie François Xavier Bichat foi um anatomista e
fisiologista francês. Bichat é melhor lembrado como o pai da moderna histologia
e patologia dos tecidos. Apesar do fato de ele ter trabalhado sem um
microscópio, ele foi capaz de fazer avançar significativamente a compreensão do
corpo humano. (Wikipédia)
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