terça-feira, 18 de julho de 2023

APARIÇÃO DE UM FILHO VIVO À SUA MÃE[1]

 


Allan Kardec

 

O fato seguinte é relatado por um jornal de Medicina de Londres e reproduzido pelo Journal de Rouen, de 22 de dezembro de 1868:

 

Na semana passada o Sr. Samuel W..., um dos principais empregados do Banco, deixou de comparecer a um sarau para o qual tinha sido convidado com a esposa, porque se achava muito indisposto. Chegou em casa com um febrão violento. Procuraram o médico, mas este tinha sido chamado a uma cidade próxima e só voltaria tarde da noite.

A Sra. Samuel decidiu esperar o médico à cabeceira do marido. Embora vitimado por uma febre ardente, o doente dormia tranquilamente. Um pouco tranquilizada e vendo que seu marido não sofria, a Sra. Samuel não lutou contra o sono, e por sua vez adormeceu.

Pelas três horas, ouviu tocar a campainha da porta principal. Deixou a poltrona precipitadamente, tomou um castiçal e desceu ao salão.

Lá esperava ver entrar o médico. A porta do salão abriu-se, mas, em vez do doutor, ela viu entrar seu filho Eduardo, um rapaz de doze anos, que estudava num colégio perto de Windsor. Estava muito pálido e tinha a cabeça envolta em larga faixa branca.

– ‘Esperavas o médico para o papai, não?’ Perguntou ele abraçando a mãe. ‘Mas papai está melhor; não é nada mesmo; amanhã se levantará. Sou eu que preciso de um bom médico. Trata de chamá-lo imediatamente, porque o do colégio não entende muito da coisa...’

Tomada de medo, a Sra. Samuel teve forças para tocar a sineta. Chegou a camareira. Encontrou a patroa no meio do salão, imóvel, com o castiçal na mão. O ruído de sua voz despertou a Sra. Samuel. Ela tinha sido joguete de uma visão, de um sonho, chamemos como quisermos. Lembrava-se de tudo e repetiu à camareira o que tinha julgado ouvir. Depois exclamou chorando: ‘Deve ter acontecido uma desgraça a meu filho!’

Chegou o médico tão esperado. Examinou o Sr. Samuel. A febre quase tinha desaparecido; garantiu que não passava de uma febre nervosa, que seguia o seu curso e acabava em algumas horas.

Depois destas palavras tranquilizadoras, a mãe narrou ao médico o que lhe havia acontecido uma hora antes. O profissional – por incredulidade ou talvez por vontade de ir repousar – aconselhou a Sra. Samuel a não dar importância a esses fantasmas. Contudo, teve que ceder às rogativas, às angústias da mãe e acompanhá-la a Windsor. Ao romper do sol chegaram ao colégio. A Sra. Samuel pediu notícias de seu filho; responderam que estava na enfermaria desde a véspera. O coração da pobre mãe apertou-se; o doutor ficou pensativo.

Em suma, visitaram o menino. Este havia sofrido um grande ferimento na fronte, brincando no jardim. Tinham-lhe prestado os primeiros socorros e, embora mal feito o curativo, a ferida nada tinha de perigosa.

Eis o fato em todos os seus detalhes; nós o obtivemos de pessoas dignas de fé. Dupla vista ou sonho, deve sempre ser considerado como um fato ordinário.

 

Como se vê, a ideia da dupla vista ganha terreno. Ela se acredita fora do Espiritismo, como a pluralidade das existências, o perispírito etc., tanto é verdade que o Espiritismo chega por mil caminhos e se implanta sob todas as formas, pelos próprios cuidados dos que não o querem.

A possibilidade do fato acima é evidente e seria supérfluo discuti-la. É um sonho ou efeito da dupla vista? A Sra. Samuel dormia e, ao despertar, lembra-se do que viu; era, pois, um sonho; mas um sonho que traz a imagem de uma atualidade tão precisa, e que é verificada quase imediatamente, não é um produto da imaginação: é uma visão muito real. Há, ao mesmo tempo, dupla vista, ou visão espiritual, porque é bem certo que não foi com os olhos do corpo que a mãe viu o seu filho. De um lado e de outro houve desprendimento da alma; foi a alma da mãe que foi para o filho, ou a do filho que veio para a mãe? As circunstâncias tornam este último caso mais provável, porque na outra hipótese a mãe teria visto o filho na enfermaria.

Alguém que não conhece o Espiritismo senão muito superficialmente, mas admite perfeitamente a possibilidade de certas manifestações, perguntava como é que o filho, que estava em seu leito, pudera apresentar-se à mãe com as suas roupas.

Concebo, dizia ele, a aparição pelo fato do desprendimento da alma; mas não compreenderia que objetos puramente materiais, como roupas, tenham a propriedade de transportar para longe uma parte quintessenciada de sua substância, o que suporia uma vontade.

Respondemos-lhe que as roupas, tanto quanto o corpo material do jovem ficaram em seu lugar. Após breve explicação sobre o fenômeno das criações fluídicas, acrescentamos: O Espírito do jovem apresentou-se em casa de sua mãe com seu corpo fluídico ou perispiritual. Sem ter tido o desígnio premeditado de vestir-se com suas roupas, sem ter feito este raciocínio: “Minhas roupas de pano ali estão; não posso vesti-las; é preciso, pois, que eu fabrique roupas fluídicas que terão a sua aparência”, bastou-lhe pensar em sua roupa habitual, na que teria usado nas circunstâncias ordinárias, para que esse pensamento desse ao seu perispírito as aparências dessa mesma roupa. Pela mesma razão teria podido apresentar-se com a roupa de dormir, se tal tivesse sido o seu pensamento. Para ele essa aparência se tornara uma espécie de realidade; tinha apenas uma imperfeita consciência de seu estado fluídico e, assim como certos Espíritos ainda se julgam neste mundo, ele julgava vir à casa da mãe em carne e osso, pois a beija como de costume.

As formas exteriores que revestem os Espíritos que se tornam visíveis são, pois, verdadeiras criações fluídicas, muitas vezes inconscientes. A roupa, os sinais particulares, os ferimentos, os defeitos do corpo, os objetos que usa, são o reflexo de seu próprio pensamento no envoltório perispiritual.

– Mas, então, diz o nosso nobre interlocutor, é toda uma ordem de ideias novas; há nisso todo um mundo, e esse mundo está em nosso meio; muitas coisas se explicam; as relações entre os vivos e os mortos se compreendem.

Sem a menor dúvida; e é ao conhecimento desse mundo, que nos interessa por tantos motivos, que conduz o Espiritismo. Esse mundo se revela por uma imensidade de fatos, que são desprezados por não se compreender a sua causa.



[1] Revista Espírita – março/1869 – Allan Kardec

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