Azevedo Braga
Impressionou a todos a qualidade
da cinebiografia “Predestinado - Arigó e o Espírito de Dr. Fritz”, exibida nos
cinemas em 2022, com a direção de Gustavo Fernández, e que narra a história de
José Pedro de Freitas, médium da cidade de Congonhas do Campo, e que se
notabilizou pelas curas espirituais, no período compreendido entre as décadas
de 1950 e o início da década de 1970. Uma figura emblemática das questões
espirituais no Brasil do Século XX, e que merece esse resgate, passados cerca
de 50 anos de seu desencarne.
Já alertamos ao leitor que este
artigo tem spoilers... Filme intertextual, que trata nas entrelinhas de
temas como a tortura e o lobby da indústria farmacêutica, além das relações de
categorias profissionais e da igreja católica com um fenômeno (as curas
espirituais) que transcende os limites de uma pequena cidade do interior, a
película tem um tema subjacente que se repete em várias cenas, e que será
objeto de debate neste artigo: a nossa postura em relação às curas espirituais.
Arigó no Brasil foi preso,
perseguido, hostilizado e acusado de ser charlatão, curandeiro e farsante. Mas,
ao mesmo tempo foi objeto de estudo por parte de pesquisadores estadunidenses
ligados à NASA (National Aeronautics and Space Administration), uma
dicotomia na postura que foi bem explorada em várias cenas do filme e que
permanece atual, passados mais de meio século dos eventos narrados, em uma
época que buscamos, de forma reducionista, simplificar tudo.
A prática mediúnica é diversa em
suas manifestações... Kardec nas obras O livro dos Médiuns e A Gênese,
bem como nas linhas da Revista espírita, aborda essa tipologia, muito
bem explorada também na obra “A diversidade dos carismas”, de Hermínio Miranda.
Um conjunto de manifestações que ensejou nesses autores consagrados o desejo do
estudo, do entendimento, e não a categorização como algo prescrito ou
proscrito.
O fenômeno das curas
espirituais, que arrebata multidões, que somente pela entidade Dr. Fritz já
gerou outros dois médiuns renomados realizando atendimentos, pulula também em
outros conhecidos medianeiros em suas organizações espiritualistas, e no
singelo e discreto atendimento das casas espíritas. Um evento concreto e real,
e que carece de nós, espíritas, mais do que a fé ou a aprovação, e sim o
adensamento do estudo dessas questões, em suas diversas dimensões, discutindo
estas a luz dos nossos pressupostos.
Mas, o que se vê é o contrário.
Pouca literatura atualizada sobre o tema, poucos artigos e um “torcer o nariz”
na linha do aprovo ou desaprovo, como se coubesse ao Espiritismo classificar os
fenômenos como alinhados ou não a ele, emitindo bulas papais. Não, assim não
agiu Allan Kardec, e nem aqueles pesquisadores de outros países que se
aproximaram de Arigó.
Essa é a grande mensagem do
filme. Fenômenos como esse de Arigó mereciam ser estudados, e como demonstra o
que foi exibido, tanto o médium quanto o espírito não fecharam as portas aos
que chegavam imbuídos de um sério sentimento de pesquisa e produção de
conhecimento. Ele atacava sim os detratores com interesses outros, dentro das
lutas políticas e econômicas.
Fica o alerta do filme para nós
espíritas, mas também para a academia e para aqueles que se dedicam à
mediunidade de cura. De que é preciso mais estudo e produção de conhecimento
sobre esses temas, que podem elucidar novos caminhos para a discussão de saúde
e espiritualidade. Podem, inclusive, ajudar os médiuns a entender melhor o que
acontece com eles, e o estudo sério protege a todos nós de embusteiros e
aproveitadores.
Saudamos, por fim, tantas
universidades no Brasil que, diante desses fenômenos, criam grupos de pesquisa
para estudo das situações enquadradas como espiritualismo, e que têm reflexões
na discussão da medicina, da psicologia, da antropologia, da sociologia e de
tantas outras áreas. Muita coisa tem-se produzido por aí, mas com aparição
tímida na imprensa espírita. Em uma breve navegação pela internet, em especial
nos eventos promovidos pela Associação Médico-Espírita do Brasil (AME-Brasil),
já é possível se ter uma ideia do que tem rolado por aí.
Nós, espíritas, filhos da fé
raciocinada, que nos sustenta em uma dimensão mais ampla, precisamos refletir
sobre a nossa postura em relação a esses eventos, orbitando entre a fé cega e
fanatizada contraposta a rotulação sobre ser ou não Espiritismo. Precisamos
sair de uma interpretação do mundo pelas nossas narrativas para entender o que
esse mundo nos diz e de que forma dialoga com os nossos pressupostos. Assim fez
Kardec... Colocando o Espiritismo sempre em sintonia com seu tempo histórico.
[1] O CONSOLADOR - Ano 16 - N° 801 - 4 de Dezembro de 2022
- http://www.oconsolador.com.br/ano16/801/principal.html
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