segunda-feira, 25 de julho de 2022

FREDERICA HAUFFE[1]

 

 

Perto da Cidade de Lowënstein, no Wurtemberg, em meio às montanhas, cujo ponto mais elevado atinge 1879 pés acima do nível do mar, rodeada de colinas e vales, num recesso pitoresco, estende-se à aldeiazinha de Prevorst. Conta pouco mais de 400 habitantes, que vive a maior parte da exploração da floresta para a fabricação de carvão e colheita de produtos nativos.

No ano de 1801, aos 23 de setembro, nessas altas montanhas de Prevorst, nasceu uma menina que desde muito cedo deu provas de extraordinária vida interna, cujos fenômenos são o tema deste artigo.

Frederica Hauffe, comumente chamada a Vidente de Prevorst, cujo pai exercia as funções de guarda de caça florestal, fora educado, devido ao isolamento da aldeia, na maior simplicidade e ingenuidade.

Não recebeu instrução nem notas de habilitação. Não conhecia Línguas, História, Geografia, História Natural, não possuía as noções comuns de seu sexo. Durante longos anos de sofrimento, a “Bíblia” e o “Livro dos Salmos” eram o seu único estudo. Incontestável a sua moralidade; piedosa sem hipocrisia; considerava seus longos sofrimentos e estranhas condições como um desígnio de Deus, e exprimia em poesia os seus sentimentos.

Como contraparte a essa imunidade, descobriu-se nela, ainda pequena, uma faculdade absolutamente incontestável, supranormal ou de pressentimento, que se manifestava principalmente por sonhos proféticos.

Quando repreendida, desgostosa, ou irritada por qualquer motivo, ou magoada em seus sentimentos, era, durante a noite, levada a esses profundos esconderijos, onde a visitavam as visões instrutivas, premonitórias ou proféticas.

Assim, numa ocasião em que o pai perdera um objeto de valor e a responsabilizava por isso, posto que estivesse inocente, sentiu-se tão perturbada que viu em sonho o lugar em que o objeto se achava. Ainda muito criança, indicava com a vara de aveleira, onde havia água e metais. Em idade mais avançada, como a cidade possuía poucos elementos de cultura, os pais confiaram-na ao avô João Schmidgall, que habitava Lowenstein, a pouca distância.

Com grande pesar da família, esta sensibilidade às influências espirituais imperceptíveis aos outros, logo se manifestou de maneira saliente. Foi em casa do avô que um espectro apareceu pela primeira vez à pobre menina. A meia noite ela viu no corredor uma grande forma sombria que suspirou passando perto dela; parou na extremidade do vestíbulo e lhe mostrou um rosto de que ela nunca mais se esqueceu.

Essa primeira aparição não lhe causou maiores apreensões do que as que viram no decorrer da existência. Encarou-a com calma e chegando-se ao avô lhe disse:

Há no corredor um homem estranho, vá vê-lo.

Tão importantes, mas lamentáveis faculdades não trouxeram qualquer modificação na menina. Era a mais alegre entre suas companheiras, apesar de confinada durante muito tempo em seu quarto pela sua sensibilidade; seria uma preparação para que pudesse ver com olhos normais o que era invisível para os outros, a explosão de uma faculdade de visão espiritual por meio dos órgãos carnais.

Encontramo-la em idade mais avançada com seus pais em Oberstenfeld, que foi durante algum tempo a morada paterna. Dos 17 aos 19 anos, em que foi sujeita a influências agradáveis, cheias de movimento, parecia ter perdido, em certos limites, a faculdade de percepção interna; faziam-se notar apenas por um caráter mais espiritual, que brilhava em seu olhar, e por maior contentamento, sem afastar-se dos seus modos habituais e do das jovens de sua companhia. A despeito dos falsos ruídos espalhadas, é certo que mesmo nessa idade, susceptível de tais sentimentos, ela não contraiu qualquer ligação nem experimentou decepção em suas afeições.

Era extremamente sujeita às manifestações espirituais de qualquer espécie − sonhos proféticos, predições, visões proféticas nos copos e espelhos. Viu assim num copo uma pessoa que entrava em seu quarto meia hora mais  tarde e um carro impossível de perceber de onde estava; descreveu a viatura, as pessoas que viajavam nela, uns cavalos, e meia hora depois chegava a sua casa.

Parecia gozar, nessa época, da segunda vista. Certa manhã, deixando o aposento durante a visita do médico, viu no vestíbulo um esquife que lhe impedia o caminho e nele o corpo de seu avô paterno. Entrou no quarto e pediu ao médico e aos pais que viessem vê-lo. Nem eles nem ela, porém, perceberam mais nada. No dia seguinte lá estava o esquife e o corpo ao lado de sua cama. Seis semanas mais tarde seu avô morria, depois de ter gozado a mais perfeita saúde até os últimos dias que precederam sua morte.

A faculdade de ver Espíritos que a Senhora Hauffe possuía desde a infância, desenvolveu-se constantemente.

Durante três anos, de 25 de novembro de 1826 a 2 de maio de 1829,  Dr. Justinus Kerner pôde estudá-la à vontade e reunir os elementos de um livro que produziu a maior sensação na Alemanha, porque em alguns anos se esgotaram cinco edições. Foi traduzido em inglês pela Senhora Crowe e em francês pelo Dr. Dusart.

Eschenmayer diz a seu respeito nos Mistérios:

Suas disposições naturais eram doces, amáveis, sérias. Sentia-se sempre conduzida para a contemplação e para a prece. Havia algo de espiritual na expressão dos olhos, sempre claros e brilhantes, apesar do sofrimento; de grande mobilidade durante a conversa, tornavam-se subitamente fixos, e via-se por este sinal, que ela estava em presença de uma de suas estranhas aparições. Em tais condições proferia palavras rápidas.

A 5 de agosto de 1829, às dez horas a irmã vidente notou uma forma branca entrar-lhe no quarto; no mesmo instante a agonizante deu um grito de alegria e o seu espírito, nesse momento, pareceu desprender-se. Em pouco, sua alma partiu deixando o invólucro inteiramente irreconhecível, porque nenhum de seus traços conservou a forma anterior.

Os restos daquela que tanto sofreu foram depositados no pitoresco cemitério de Lüwenstein, onde já repousavam os corpos de seu avô, o estimável Schmidgall, e sua mulher, que ela reconhecera como seu espírito protetor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário