Allan Kardec
Escrevem-nos de Caen:
Uma mãe e suas três filhas, querendo estudar a Doutrina
Espírita, não podiam ler duas páginas sem sentir um mal estar, de que não se
davam conta. Um dia encontrei-me em casa dessas senhoras com uma jovem médium,
sonâmbula muito lúcida. Esta adormeceu espontaneamente e viu perto de si um
Espírito que reconheceu como o abade L..., antigo cura do lugar, morto há uns
dez anos.
Sois vós, senhor cura, que impedis esta família de ler?
– Sim, sou eu. Velo incessantemente sobre o rebanho
confiado aos meus cuidados. Há muito tempo que vos vejo querer instruir minhas
penitentes em vossa triste doutrina. Quem vos deu o direito de ensinar?
Fizestes estudos para isto?
Dizei-me, senhor abade, estais no céu?
– Não; não sou bastante puro para ver a Deus.
Então estais nas chamas do purgatório?
– Não, pois não sofro.
Vistes o inferno?
– Fazeis-me tremer! Vós me perturbais! Não posso vos
responder, porque talvez me digais que devo estar numa destas três coisas.
Tremo ao pensar no que dizeis e, contudo, sou atraído para vós pela lógica de
vossos raciocínios. Voltarei e discutirei convosco.
Com efeito, ele voltou muitas
vezes. Discutimos e ele compreendeu tão bem que o entusiasmo o ganhou. Ultimamente
exclamava:
− Sim, agora sou espírita, dizei-o a todos os que
ensinam.
− Ah! como gostaria que compreendessem Deus como este
anjo me fez conhecer!
Falava de Cárita, que tinha
vindo a nós, e diante da qual ele caiu de joelhos, dizendo que não era um
Espírito, mas um anjo. Desde esse momento ele tomou por missão instruir os que
pretendem instruir os outros.
Nosso correspondente acrescenta o seguinte fato:
Entre os Espíritos que vêm ao nosso círculo, tivemos o
doutor X..., que se apodera do nosso médium, e que é como uma criança. É
preciso dar-lhe explicações sobre tudo; ele avança, compreende e está cheio de
entusiasmo; vai junto dos sábios que conheceu; quer explicar-lhes o que vê, o
que agora sabe, mas eles não o compreendem; então se irrita e os trata de
ignaros. Um dia, numa reunião de dez pessoas, ele se apoderou da mocinha, como
de hábito (a jovem médium, pela qual fala e age); perguntou-me quem era eu e
por que sabia tanto sem nada ter aprendido; tomou-me a cabeça com as mãos e
disse:
− Eis a matéria; aí me reconheço; mas como estou aqui,
eu? Como posso fazer falar este organismo que, entretanto, não é meu? Falais-me
da alma; mas onde está a que habita este corpo?
Depois de lhe ter feito notar o laço fluídico que une o
Espírito ao corpo durante a vida, ele exclamou de repente, falando da jovem
médium:
− Conheço esta menina; eu a vi em minha casa; seu
coração estava doente; como é que não está mais? Dizei-me quem a curou.
Fiz-lhe ver que se enganava e que jamais a tinha visto.
– Não, disse ele, não me engano, e a prova é que lhe
piquei o braço e ela não sentiu nenhuma dor.
Quando a jovem despertou, nós lhe perguntamos se havia
conhecido o doutor e se tinha ido consultá-lo.
− Não sei, respondeu ela, se foi ele; mas,
estando em Paris, levaram-me a um célebre médico, do qual não me lembro nem o
nome, nem o endereço.
Suas ideias se modificam rapidamente; é agora um Espírito no delírio da felicidade do que
sabe; queria provar a todo o mundo que o nosso ensino é incontestável. O que
sobretudo o preocupa é a questão dos fluidos.
− Eu quero, diz ele, curar como o vosso amigo;
não quero mais me servir de venenos; não os tomeis jamais. Estuda hoje o homem,
não mais no seu organismo, mas em sua alma.
Fez-nos dizer como
se operava a união da alma com o corpo na concepção, e pareceu muito feliz com
isto. O bom doutor Demeure veio em seguida e nos disse que não nos admirássemos
com as perguntas, por vezes pueris, que ele poderia fazer-nos, e disse:
− Ele é como uma criança, a quem se deve ensinar a ler
no grande livro da Natureza; mas, como é ao mesmo tempo uma grande
inteligência, instrui-se rapidamente, e para isso nós concorremos do nosso
lado.
Esses dois exemplos vêm
confirmar estes três grandes princípios revelados pelo Espiritismo, a saber:
1.
Que a alma conserva no mundo dos Espíritos, por um
tempo mais ou menos longo, as ideias e os preconceitos que tinha durante a vida
terrestre;
2.
Que se modifica, progride e adquire novos conhecimentos
no mundo dos Espíritos;
3.
Que os encarnados podem concorrer para o progresso
dos Espíritos desencarnados.
Estes princípios, resultado de
inumeráveis observações, têm uma importância capital, porque derrubam todas as ideias
implantadas pelas crenças religiosas sobre o estado estacionário e definitivo
dos Espíritos após a morte. Desde que é demonstrado o progresso no estado
espiritual, todas as crenças fundadas sobre a perpetuidade de uma situação
uniforme qualquer caem diante da autoridade dos fatos. Também caem diante da
razão filosófica, que diz que o progresso é uma lei da Natureza, e que o estado
estacionário dos Espíritos seria, ao mesmo tempo, a negação dessa lei e da
justiça de Deus.
Progredindo o Espírito fora da
encarnação, disso resulta esta outra consequência não menos capital: que,
voltando à Terra, traz a dupla conquista das existências anteriores e da erraticidade.
Assim se realiza o progresso das gerações.
É incontestável que quando o
médico e o padre, dos quais se falou acima, renascerem, trarão ideias e
opiniões completamente diversas das que tinham na existência que acabam de
deixar; um não será mais fanático, o outro não será mais materialista, e ambos
serão espíritas. O mesmo se pode dizer do doutor Morel Lavallé, do bispo de
Barcelona e de tantos outros.
Há, pois, utilidade para o
futuro da sociedade em se ocupar da educação dos Espíritos.
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