Muito tempo antes do começo do
meu tratamento, a Sra. Hauffe era de tal forma sonâmbula, que ficamos
convencidos de que o seu período de vigília era aparente. Não há dúvida de que
ela estava então mais bem acordada que os que a rodeavam, porque aquele estado,
ainda que o não considerem assim, era o da mais perfeita vigília. Nele não
possuía ela força orgânica e dependia completamente dos outros, dos quais
recebia a força pelos olhos e pela extremidade dos dedos. Dizia ela que extraía
a vida do ar e das emanações nervosas alheias, sem que os outros nada
perdessem. Não obstante, afirmam certas pessoas que se sentiam fracas quando
ficavam muito tempo perto dela; experimentavam contrações, tremores, sensação
de fraqueza nos olhos, na cavidade epigástrica, que ia até ao delíquio. Ela
declarava, aliás, que era nos olhos dos homens vigorosos que hauria forças.
Recebia mais por parte de parentes que de estranhos, e quando estava
inteiramente enfraquecida era naqueles que encontrava alívio. A vizinhança dos
fracos e doentes debilitava-a como as flores que perdessem sua beleza e
perecessem nas mesmas circunstâncias. Sustentava-se à custa do ar e mesmo nos
grandes frios não podia viver sem uma janela aberta.
Era sensível a quaisquer
emanações fluídicas, do que não duvidamos, principalmente das provenientes de
metais, plantas, homens e animais. As substâncias imponderáveis, tanto quanto
as diferentes cores do prisma, produziam-lhe efeitos sensíveis. Sentia
influências elétricas de que não temos a menor consciência. E o que é quase
incrível, possuía a noção do sobrenatural ou o conhecimento por inspiração do
que um homem houvesse escrito.
Seus olhos brilhavam como um
luar espiritual que impressionava imediatamente os que a viam, e em tal estado,
era mais um espírito que um habitante deste mundo mortal.
Se quiséssemos compará-la a um
ser humano, diríamos que ela estaria nas condições dos que flutuando entre a
vida e a morte, mais pertencem ao mundo que vão visitar do que ao mundo que
estão por deixar.
Não se trata apenas de uma
figura poética, senão da expressão de um fato. Sabemos que no momento da morte
os homens têm muitas vezes reflexos do outro mundo e o provam. Vemos que um
Espírito deixa incompletamente o corpo antes de destacado definitivamente do
invólucro terrestre. Se pudéssemos manter durante anos uma pessoa em estado de
morte iminente, obteríamos a imagem fiel do estado da Sra. Hauffe. Não é
simples suposição, mas a verdade exata.
Ela achava-se muitas vezes nesse
estado em que se tem a faculdade de ver Espíritos, perceber o Espírito fora do
corpo, como se ele estivesse envolto em ligeira gaze. E via-se desdobrada.
Dizia então:
“Parece que saio de meu
corpo e plano acima dele, e faço reflexões sobre ele. Não me traz isto
agradáveis pensamentos, pois reconheço que o corpo é meu.
Se minha alma estivesse
mais estreitamente ligada à força vital, esta ficaria em união mais íntima com
os meus nervos; mas os laços que retêm minha força vital afrouxam-se cada vez
mais”.
Parecia de fato que a força vital
estava tão debilmente retida pelo sistema nervoso, que o menor movimento
bastaria para pô-la em liberdade. Via-se ela então fora do corpo e este perdia
toda a noção de peso.
A Sra. Hauffe não recebeu
instrução nem notas de habilitação. Não conhecia Línguas, História, Geografia,
História Natural, não possuía as noções comuns de seu sexo. Durante longos anos
de sofrimento, a Bíblia e o Livro dos Salmos eram o seu único estudo.
Incontestável a sua moralidade; piedosa sem hipocrisia; considerava seus longos
sofrimentos e estranhas condições como um desígnio de Deus, e exprimia em
poesia os seus sentimentos.
Como costumo escrever versos,
logo disseram que era eu que lhe comunicava essa faculdade por minha força
magnética; ela porém já falava em verso antes de eu conhecê-la e não é sem
razão que chamaram Apolo o deus dos médicos, dos poetas e dos profetas. O
sonambulismo dá faculdade de profetizar, de curar, de compor poesia. Os antigos
fizeram uma justa ideia do sonambulismo e nós o envolvemos em todos os mistérios.
Galeno, o grande médico, teve mais êxitos com os sonhos do que com toda a sua
ciência médica. Conheço uma camponesa que não sabe escrever, mas que em estado
sonambúlico se exprime em verso.
Os erros que o mundo espalhou à
conta da Sra. Hauffe são inconcebíveis: nunca vi mais sonora prova do pendor
para a calúnia que nesta circunstância. Ela gostava de dizer:
“Eles têm poder sobre
meu corpo, nunca porém sobre meu Espírito”. Entretanto, o maior número de
pessoas que, por curiosidade, lhe rodeavam o leito, causavam-lhe grandes
aborrecimentos. Recebia a todos graciosamente, posto que a fadiga que
provocavam lhe ocasionasse muitos sofrimentos; e defendia os que mais a
caluniavam. Recebia bem os bons e os maus. Percebia as más intenções, porém não
as julgava. Muitos pecadores incrédulos que vinham vê-la emendavam-se e foram
levados a crer na vida futura.
Muitos anos antes de
ter sido confiada a meus cuidados, a terra, o ar, tudo o que aí respira, sem
excetuar a espécie humana, não existia para ela. Aspirava a muito mais do que
lhe podiam dar os mortais; queria outros céus, outros alimentos, outra
atmosfera que o planeta não lhe podia oferecer. Vivia quase em estado de
Espírito e já pertencia ao mundo dos Espíritos. Fazia parte do Além e já estava
meio morta.
É extremamente
provável que fosse possível, nos primeiros anos de sua doença, por um
tratamento hábil, pô-la em um estado que lhe permitisse viver nas condições
ordinárias do mundo; mas já no último período era impossível. Entretanto,
graças aos nossos cuidados, conseguimos para ela tal melhora que, a despeito
dos esforços para envenenar-lhe a existência, ela considerou os anos passados
em Weinsberg como os menos penosos de sua vida sonambúlica.
Como dissemos, seu
corpo frágil envolvia um Espírito como um véu de gazes. Era pequena; seus
traços lembravam o Oriente; tinha os olhos penetrantes e proféticos e a
expressão avivada por longos cílios pretos. Flor delicada, vivia dos raios do
Sol.
Eschenmayer diz a seu
respeito nos Mistérios: “Suas disposições naturais eram doces, amáveis, sérias.
Sentia-se sempre conduzida para a contemplação e para a prece. Havia algo de
espiritual na expressão dos olhos, sempre claros e brilhantes, apesar do
sofrimento; de grande mobilidade durante a conversa, tornavam-se subitamente
fixos; e via-se por este sinal, que ela estava em presença de uma de suas
estranhas aparições. Em tais condições proferia palavras rápidas.
Quando a vi pela
primeira vez, sua vida física não prometia longa duração, e ela abandonara a
esperança de alcançar um estado que a pudesse manter no mundo.
Embora nenhuma função
estivesse alterada, sua vida era uma tocha que se extinguia, uma presa entre as
garras da morte e sua alma só se ligava ao corpo pelo poder magnético.
Nela, alma e espírito
pareciam em constante oposição, de tal sorte que a primeira se conservava
ligada ao corpo, enquanto o segundo desprendia as asas e voava a outras regiões.
Dr. Justinus Kerner
Obra: A Vidente de Prevorst
Nota do compilador: Dr. Kerner comenta como era a Vidente de Prevorst. Segundo a Doutrina
Espírita, nos estudos relativos à Mediunidade levados a efeito por Kardec e
posteriormente por outros estudiosos, a Vidente mantinha-se prostrada o tempo
todo justamente por não ter o entendimento de como lidar com a sua Mediunidade.
Hoje, seguramente, um médium nas circunstâncias dela, pode levar a vida
normalmente, desde que saiba o porquê e de como atuar no seu cotidiano.
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