terça-feira, 10 de maio de 2022

A EXPOSIÇÃO[1]

 

Exposição Universelle - Paris (1867)


Allan Kardec

 

(Paris – Grupo Desliens – Médium: Sr. Desliens)

 

O observador superficial que neste momento lançasse os olhos sobre o vosso mundo, sem se preocupar muito com algumas pequenas manchas disseminadas em sua superfície, e que parecem destinadas a fazer ressaltar os esplendores do conjunto, sem a menor dúvida diria que jamais a Humanidade apresentou uma fisionomia mais alegre. Por toda parte celebram-se à porfia as bodas de Gamache. Não são senão festas, trens de recreio, cidades engalanadas e rostos alegres. Todas as grandes artérias do globo trazem à vossa capital muito apertada a multidão colorida, vinda de todos os climas. Em vossos bulevares o chinês e o persa saúdam o russo e o alemão; a Ásia em casimira dá a mão à África em turbante; o novo mundo e o antigo, a jovem América e os cidadãos do mundo europeu se esbarram, se acotovelam, se entretêm num tom de inalterável amizade.

Estará o mundo realmente convidado para a festa da paz? A Exposição Francesa de 1867 seria o sinal tão almejado da solidariedade universal? Seríamos tentados a crer se todas as animosidades fossem extintas; se cada um, pensando na prosperidade industrial e no triunfo da inteligência sobre a matéria, deixasse tranquilamente os engenhos da morte, os instrumentos de violência e de força, dormir no fundo de seus arsenais em estado de relíquias próprias para satisfazer a curiosidade dos visitantes.

Mas estais nisto? Oh! Não; o rosto faz careta debaixo do sorriso, o olhar ameaça quando a boca cumprimenta, e apertam-se cordialmente as mãos no momento mesmo em que cada um medita a ruína de seu vizinho. Riem, cantam, dançam; mas escutai bem, e ouvireis o eco repetir esses risos e esses cantos como soluços e gritos de agonia!

A alegria está nos rostos, mas a inquietude está nos corações. Alegram-se para se atordoar e, se pensam no dia seguinte, fecham os olhos para não ver.

O mundo está em crise e o comércio pergunta o que fará quando o grande zunzum da Exposição tiver passado. Cada um medita sobre o futuro, e se sente que neste momento só se vive hipotecando o tempo futuro.

Que falta, pois, a todos esses felizardos? Não são hoje o que eram ontem? Não serão amanhã o que são hoje? Não, o arco comercial, intelectual e moral se endireita cada vez mais, a corda se distende, a flecha vai partir! Onde ela os levará? Eis o segredo do medo instintivo, que se reflete em muitas frontes! Eles não veem, não sabem, pressentem um não sei quê; um perigo está no ar, e cada um treme, cada um se sente moralmente oprimido, como quando uma tempestade, prestes a desabar, age sobre os temperamentos nervosos. Cada um está à espera; o que acontecerá? Uma catástrofe ou uma solução feliz? Nem uma, nem outra; ou, antes, os dois resultados coincidirão.

O que falta às populações inquietas, às inteligências em apuros, é o senso moral atacado, macerado, semidestruído pela incredulidade, pelo positivismo, pelo materialismo. Acreditam no nada, mas o temem; sentem-se no limiar desse nada e tremem! Os demolidores fizeram sua obra, o terreno está limpo. Construí, então, com rapidez, para que a geração atual não fique mais sem abrigo! Até aqui o céu se manteve estrelado, mas uma nuvem aparece no horizonte. Cobri depressa vossos tetos hospitaleiros; convidai todos os hóspedes da planície e da montanha. Em breve o furacão vai destruir com vigor, e então, desgraçados dos imprudentes, confiantes na certeza do bom tempo. Terão a solução de seus vagos receios e, se saírem da liça mortificados, dilacerados, vencidos, não devem culpar senão a si próprios, à sua recusa em aceitar a hospitalidade tão generosamente oferecida.

À obra, pois. Construí cada vez mais depressa; acolhei o viajor que vem a vós, mas ide também procurar e tentai trazer a vós aquele que se afasta sem bater à vossa porta, pois só Deus sabe a quantos sofrimentos ele estaria exposto, antes de encontrar o menor refúgio capaz de o preservar das garras do flagelo.

Moki

 

Allan Kardec



[1] Revista Espírita – Dezembro/1867 – Allan Kardec

Nenhum comentário:

Postar um comentário