Allan Kardec
(Paris – Grupo
Desliens – Médium: Sr. Desliens)
O observador superficial que
neste momento lançasse os olhos sobre o vosso mundo, sem se preocupar muito com
algumas pequenas manchas disseminadas em sua superfície, e que parecem
destinadas a fazer ressaltar os esplendores do conjunto, sem a menor dúvida
diria que jamais a Humanidade apresentou uma fisionomia mais alegre. Por toda
parte celebram-se à porfia as bodas de Gamache. Não são senão festas, trens de
recreio, cidades engalanadas e rostos alegres. Todas as grandes artérias do
globo trazem à vossa capital muito apertada a multidão colorida, vinda de todos
os climas. Em vossos bulevares o chinês e o persa saúdam o russo e o alemão; a
Ásia em casimira dá a mão à África em turbante; o novo mundo e o antigo, a
jovem América e os cidadãos do mundo europeu se esbarram, se acotovelam, se
entretêm num tom de inalterável amizade.
Estará o mundo realmente
convidado para a festa da paz? A Exposição Francesa de 1867 seria o sinal tão
almejado da solidariedade universal? Seríamos tentados a crer se todas as
animosidades fossem extintas; se cada um, pensando na prosperidade industrial e
no triunfo da inteligência sobre a matéria, deixasse tranquilamente os engenhos
da morte, os instrumentos de violência e de força, dormir no fundo de seus
arsenais em estado de relíquias próprias para satisfazer a curiosidade dos
visitantes.
Mas estais nisto? Oh! Não; o
rosto faz careta debaixo do sorriso, o olhar ameaça quando a boca cumprimenta,
e apertam-se cordialmente as mãos no momento mesmo em que cada um medita a
ruína de seu vizinho. Riem, cantam, dançam; mas escutai bem, e ouvireis o eco
repetir esses risos e esses cantos como soluços e gritos de agonia!
A alegria está nos rostos, mas a
inquietude está nos corações. Alegram-se para se atordoar e, se pensam no dia
seguinte, fecham os olhos para não ver.
O mundo está em crise e o
comércio pergunta o que fará quando o grande zunzum da Exposição tiver passado.
Cada um medita sobre o futuro, e se sente que neste momento só se vive
hipotecando o tempo futuro.
Que falta, pois, a todos esses
felizardos? Não são hoje o que eram ontem? Não serão amanhã o que são hoje?
Não, o arco comercial, intelectual e moral se endireita cada vez mais, a corda
se distende, a flecha vai partir! Onde ela os levará? Eis o segredo do medo
instintivo, que se reflete em muitas frontes! Eles não veem, não sabem,
pressentem um não sei quê; um perigo está no ar, e cada um treme, cada um se
sente moralmente oprimido, como quando uma tempestade, prestes a desabar, age
sobre os temperamentos nervosos. Cada um está à espera; o que acontecerá? Uma
catástrofe ou uma solução feliz? Nem uma, nem outra; ou, antes, os dois
resultados coincidirão.
O que falta às populações inquietas,
às inteligências em apuros, é o senso moral atacado, macerado, semidestruído
pela incredulidade, pelo positivismo, pelo materialismo. Acreditam no nada, mas
o temem; sentem-se no limiar desse nada e tremem! Os demolidores fizeram sua
obra, o terreno está limpo. Construí, então, com rapidez, para que a geração
atual não fique mais sem abrigo! Até aqui o céu se manteve estrelado, mas uma
nuvem aparece no horizonte. Cobri depressa vossos tetos hospitaleiros; convidai
todos os hóspedes da planície e da montanha. Em breve o furacão vai destruir
com vigor, e então, desgraçados dos imprudentes, confiantes na certeza do bom
tempo. Terão a solução de seus vagos receios e, se saírem da liça mortificados,
dilacerados, vencidos, não devem culpar senão a si próprios, à sua recusa em
aceitar a hospitalidade tão generosamente oferecida.
À obra, pois. Construí cada vez
mais depressa; acolhei o viajor que vem a vós, mas ide também procurar e tentai
trazer a vós aquele que se afasta sem bater à vossa porta, pois só Deus sabe a
quantos sofrimentos ele estaria exposto, antes de encontrar o menor refúgio
capaz de o preservar das garras do flagelo.
Moki
Allan Kardec
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