Allan Kardec
Tomamos do mesmo artigo do
jornal precitado os fatos abaixo, que acompanham a notícia sobre o Cura
Gassner, porque o Espiritismo pode tirar deles um útil assunto para
instrução. O autor do artigo os faz seguir de reflexões dignas de nota, nestes
tempos de cepticismo em relação a causas extramateriais.
Gassner tinha desfrutado de grande favor junto à
imperatriz Maria-Teresa, que o consultava muitas vezes, dando algum crédito às
suas inspirações. Conta-se (Vide as Memórias da Sra. Campan) que na época em
que tinha sido concebida a ideia de unir a filha de Maria-Teresa ao neto de
Luís XV, a grande imperatriz chamou Gassner e lhe perguntou: “Minha Antonieta
será feliz”?
Depois de haver refletido longamente, Gassner
empalideceu singularmente e persistiu em guardar silêncio.
Questionado de novo pela imperatriz e, então,
procurando dar uma expressão geral à ideia com que parecia fortemente ocupado,
respondeu: Senhora, há cruzes para todos os ombros.
O casamento ocorreu em 16 de maio de 1770; o Delfim e
Maria-Antonieta receberam a bênção nupcial na capela de Versalhes
(Maria-Antonieta havia chegado a Compiègne no dia 14).
Às três horas da tarde o céu cobriu-se de nuvens, e uma
chuva torrencial inundou Versalhes; violentos trovões ribombaram, e a multidão
de curiosos que lotavam o jardim foi obrigada a retirar-se.
A chegada de Maria-Antonieta no palácio dos reis da
França (Leiamos a Vida pública e privada de Luís XVI, pelo
Sr. A*** e de Salex; Paris, 1814, pág. 340), foi assinalada por um desses
prognósticos dos quais geralmente só se lembra quem os viu realizar-se com o
passar dos tempos.
No momento em que essa princesa, entrando pela primeira
vez nos pátios do castelo de Versalhes, pôs os pés no pátio de mármore, um
violento trovão sacudiu o castelo: Presságio de desgraça! Gritou o
marechal de Richelieu.
A noite foi triste na cidade e as iluminações não
produziram nenhum efeito.
Acrescentai a isto o terrível acidente ocorrido em 30
de maio na rue Royale, no dia da festa que deu na praça Luís XV a cidade de
Paris, pelo casamento do Delfim e da Delfina. Anquetil eleva a 300 o
número de mortos no local, e a 1.200 o dos que sucumbiram nos hospitais ou em
domicílio poucos dias depois, ou que ficaram estropiados.
Em 1757 (Vide os Affiches de Tours, 25º ano, no
14 – Quinta-feira, 5 de abril de 1792), madame de Pompadour mandou vir à
presença de Luís XV um astrólogo que, depois de ter calculado a posição dos
astros no momento de seu nascimento, lhe disse: “Sire[2],
vosso reino é célebre por grandes acontecimentos; o que o seguirá sê-lo-á por
grandes desastres”.
No dia da morte de Luís XV houve em Versalhes uma
horrível tempestade.
Que acúmulo de prognósticos!
Durante oito anos a rainha não concebeu. No dia 19 de
dezembro de 1778 nascia uma filha, Maria-Teresa-Carlota (mais tarde chamada
pelo título de seu esposo, senhora Delfina, Duquesa de Angoulême). Três anos
depois, no dia 22 de outubro de 1781 Maria-Antonieta deu um herdeiro à coroa.
Por essa ocasião a cidade de Paris ofereceu uma festa à rainha, na qual foi
exibida a mais suntuosa munificência.
Essa festa se deu no dia 21 de janeiro de 1782. Onze
anos mais tarde a comuna de Paris dava ao povo o espetáculo da morte do rei.
A rainha estava presa, esperando que se realizasse a visão de Gassner.
Já que tocamos nestas questões delicadas, escutai ainda
as revelações da Sra. Campan.
– Estava-se em maio de 1789; os dias 4 e 5 tinham impressionado
diversamente os espíritos; quatro velas iluminavam o gabinete da rainha, que
contava alguns acidentes notáveis ocorridos durante o dia. ‘Uma vela apagou-se
por si mesma; acendi-a novamente, disse a Sra. Campan; logo a segunda, depois a
terceira também se apagaram; então a rainha, apertando-lhe a mão num movimento
de pavor, disse: ‘A desgraça pode tornar-me supersticiosa; se esta quarta vela
apagar-se como as outras, nada poderá impedir-me de olhar este sinal como um
sinistro presságio...’ A quarta vela apagou-se!!!
Poucas noites antes, a rainha tinha tido um sonho horroroso,
pelo qual ficara profundamente abalada.
Certamente os espíritos fortes riem de todos esses
prognósticos, de todas essas profecias, desse dom de visão antecipada. Eles não
crêem, ou fingem não crer! Mas, por que, então, em todas as épocas, houve
personagens de algum valor, de alguma importância que, sem um interesse
qualquer, afirmaram fatos deste gênero, que declararam absolutos,
positivos?
Citemos alguns exemplos:
− Théodore-Agrippa d’Aubigné, avô de Madame de
Maintenon, relata em suas memórias ter tido a seu serviço, em Poitou, um
surdo-mudo de nascença dotado do dom da adivinhação. ‘Um dia, diz ele,
tendo as moças da casa lhe perguntado quantos anos ainda viveria o rei (Henrique
IV), o tempo e as circunstâncias de sua morte, ele lhes fixou três anos e meio
e designou a cidade, a rua e a carruagem, com duas facadas que receberia no
coração.’
Algumas palavras ainda sobre este mesmo Henrique IV.
Que juízo podemos fazer sobre os negros pressentimentos,
muitíssimos constantes, que esse infeliz príncipe teve de seu cruel destino? Pergunta
Sully em suas Memórias, livro XXVII.
São de uma singularidade que tem algo de aterrador. Já me
reportei com que repugnância ele tinha permitido que a cerimônia do coroamento
da rainha se realizasse antes de sua partida; quanto mais ele via aproximar-se
o momento, mais sentia o medo e o horror redobrarem em seu coração; vinha
abri-lo inteiramente a mim, nesse estado de amargura e de acabrunhamento do
qual eu o tirava como de uma fraqueza imperdoável. Suas próprias palavras darão
uma impressão completamente diversa de quantas eu pudesse dizer:
– ‘Ah! Meu amigo, dizia-me ele, como esta sagração
me desagrada; não sei o que é, mas o coração me diz que me acontecerá alguma
desgraça.’ Sentava-se, dizendo estas palavras, numa cadeira baixa, que eu
tinha mandado fazer de propósito para ele e, entregue a todas as negruras de
suas ideias, tamborilava no estojo de seus óculos, sonhando profundamente. Se
saía desse devaneio, era para se levantar bruscamente, batendo as mãos nas
coxas e para gritar: ‘Por Deus! morrerei nesta cidade, dela não sairei mais;
eles me matarão; vejo bem que põem seu último recurso na minha morte. Ah!
maldita sagração, tu serás a causa de minha morte!’
– Meu Deus, sire, disse-lhe um dia, a que ideia vos entregais?
Se ela persiste, sou de opinião que suspendais esta sagração, coroamento,
viagem e guerra. Quereis? Logo será feito.
– Sim, disse-me enfim, depois que lhe sustentei
esse discurso duas ou três vezes; sim, suspendei a sagração, e que eu não
ouça mais falar dela; por este meio terei o espírito curado das impressões que alguns
avisos aí deixaram. Sairei desta cidade e não temerei mais nada.
Por que sinal se reconheceria esse grito secreto e imperioso
do coração, se se desconheceram por estes: ‘Não vos quero esconder, dizia-me
ele ainda, que me disseram que eu deveria ser morto na primeira
magnificência que eu fizesse e que morreria numa carruagem, e é o que me deixa
tão medroso.’
– Parece que jamais me havíeis dito isto, sire,
respondi-lhe eu. Várias vezes me surpreendi, ouvindo-vos gritar numa carruagem,
ver-vos tão sensível a um pequeno perigo, depois de vos ter visto tantas vezes
intrépido em meio a tiros de canhão e de mosquete e entre lanças e espadas
nuas; mas, desde que esta opinião vos perturba a este ponto, em vosso lugar,
sire, eu partiria já amanhã; deixaria fazer a sagração sem vós, ou a adiaria
para outra ocasião, e por muito tempo não voltaria a Paris, nem entraria em nenhuma
carruagem. Quereis que eu despache alguém a Notre-Dame e a Saint-Denis, para
mandar cessar tudo e despedir os operários?
– Quero mesmo, disse-me ainda o príncipe; mas,
que dirá minha mulher? Porque ela tem maravilhosamente essa sagração na cabeça.
– Ela dirá o que quiser, respondi, vendo quanto minha proposta
tinha agradado o rei. Mas creio que quando souber da convicção em que estais,
de que a sagração poderá causar tanto mal, ela não se obstinará mais.
Não esperei outra ordem senão mandar interromper os
preparativos da coroação. Foi com verdadeiro pesar – vejo-me obrigado a dizê-lo
– que por mais esforços que fizesse jamais pude convencer a rainha a dar esta
satisfação ao seu esposo.
Passo em silêncio as solicitações, as súplicas e as contestações
que empreguei durante três dias inteiros para tentar dobrá-la. O príncipe
viu-se obrigado a ceder. Mas Henrique não voltou menos fortemente às suas
primeiras apreensões, que ordinariamente me expressava por estas palavras, frequentes
em sua boca:
– ‘Ah! meu amigo, jamais sairei desta cidade; eles
me matarão aqui! Ó maldita sagração, tu serás a causa de minha morte!’
Essa sagração foi feita em Saint-Denis, quinta feira,
13 de maio, e a rainha devia, no domingo, 16 do mesmo mês, fazer sua entrada em
Paris.
No dia 14 o rei quis visitar Sully, visita que lhe anunciara
para a manhã de sábado, 15. Tomou sua carruagem e saiu, modificando várias
vezes o seu itinerário em caminho, etc. etc.
Péréfixe, seu historiador, faz observar que ‘o céu e a terra
não tinham dado senão muitos prognósticos do que lhe aconteceria’.
O bispo de Rodez põe no número destes
prognósticos um eclipse do Sol, a aparição de um terrível cometa, tremores
de terra, monstros nascidos em diversas regiões da França, chuvas de sangue que
caíram em alguns lugares, uma grande peste que havia afligido Paris em 1606,
aparições de fantasmas e vários outros prodígios. (Vide: História de
Henrique, o Grande, por Hardouin de Péréfixe, bispo de Rodez; Vida do duque
d’Epernon, Mercure français, Mathieu, l’Estoile etc.).
Paremos! Escreveríamos um volume, volumes, tão abundantes
são os fatos. Mas será necessário recorrer aos relatos dos outros? Que cada um
pergunte a si mesmo; que cada um invoque suas próprias recordações e responda
com lealdade e franqueza, e cada um dirá: Há em mim um desconhecido que
somos nós, que ao mesmo tempo comanda o meu eu matéria e lhe obedece.
– Esse desconhecido, Espírito, alma, que é? Como é? Por
que é? Mistério; série de mistérios; inexplicável mistério.
Como tudo na Natureza, no organismo, na vida, a vida e
a morte não são dois impenetráveis mistérios? O sono, este ensaio da morte, não
é um mistério inexplicável? A assimilação dos alimentos, que se tornam nós: inexplicável,
incompreensível mistério! A geração: misteriosa obscuridade! Essa obediência
passiva de meus dedos, que traçam estas linhas e obedecem à minha vontade:
trevas cuja profundidade só Deus pode sondar e que se iluminam, por si só, com
a luz da verdade!
Baixai a cabeça, filhos da ignorância e da dúvida; humilhai
esta orgulhosa, que chamais razão; livres-pensadores, sofrei as cadeias que
constringem a vossa inteligência; dobrai os joelhos: Só Deus sabe!
Devemos considerar nestes fatos
duas coisas bem distintas: os pressentimentos e os fenômenos considerados como prognósticos
de acontecimentos futuros.
Não se poderia negar os
pressentimentos, dos quais há poucas pessoas que não tenham tido exemplos. É um
desses fenômenos cuja explicação a matéria, sozinha, é impotente para dar,
porque se a matéria não pensa, também não pode pressentir. É assim que o
materialismo a cada instante se choca contra as coisas mais vulgares que o vêm
desmentir.
Para ser advertido de maneira
oculta daquilo que se passa ao longe e cujo conhecimento não podemos ter senão
num futuro mais ou menos próximo pelos meios ordinários, é preciso que algo se
desprenda de nós, veja e escute o que não podemos perceber pelos olhos e pelos
ouvidos, para referir a sua intuição ao nosso cérebro. Esse algo deve ser
inteligente, visto que compreende e, muitas vezes, de um fato atual ele prevê
as consequências futuras; é assim que por vezes temos o pressentimento do
futuro. Esse algo não é outra coisa senão nós mesmos, nosso ser espiritual, que
não está confinado no corpo, como um pássaro na gaiola, mas que, semelhante a
um balão cativo, se afasta momentaneamente da terra, sem deixar de a ela estar
ligado.
É principalmente nos momentos em
que o corpo repousa, durante o sono, que o Espírito, aproveitando o pequeno descanso
que lhe deixa o cuidado de seu invólucro, recobra parcialmente a liberdade e
vai haurir no espaço, entre os outros Espíritos, encarnados como ele, ou
desencarnados, e naquilo que vê, ideias cuja intuição traz ao despertar.
Esta emancipação da alma frequentemente
se dá no estado de vigília, nos momentos de absorção, de meditação e de devaneio,
em que a alma parece não estar mais preocupada com a Terra; ocorre, sobretudo
de maneira mais efetiva e mais ostensiva, nas pessoas dotadas do que se chama dupla
vista ou visão espiritual.
Ao lado das intuições pessoais
do Espírito, há que se colocar as que lhe são sugeridas por outros Espíritos,
quer em vigília, quer durante o sono, pela transmissão de pensamento de alma a
alma. É assim que muitas vezes se é advertido de um perigo, solicitado a tomar
tal ou qual direção, sem que por isto o Espírito deixe de ter o seu
livre-arbítrio. São conselhos, e não ordens, porque é sempre senhor de sua
vontade.
Os pressentimentos têm, pois, a
sua razão de ser e encontram a sua explicação natural na vida espiritual, que
não cessamos um instante de viver, porque é a vida normal.
Já não se dá o mesmo com os
fenômenos físicos, considerados como prognósticos de acontecimentos felizes ou infelizes.
Em geral esses fenômenos não têm nenhuma ligação com as coisas que parecem
pressagiar. Podem ser os precursores de efeitos físicos que são a sua consequência,
como um ponto negro no horizonte pode pressagiar ao marinheiro uma tempestade,
ou certas nuvens anunciar uma saraivada, mas a significação desses fenômenos
para as coisas de ordem moral deve ser classificada entre as crenças
supersticiosas, que nunca seriam combatidas com demasiada energia.
Essa crença, que absolutamente
não repousa sobre nada de racional, faz que, quando chega um acontecimento, a
gente se lembre de algum fenômeno que o precedeu, e ao qual o espírito impressionado
o liga, sem se importar com a possibilidade de relações que só existem na
imaginação. Não pensam que os mesmos fenômenos se repetem diariamente, sem que daí
resulte nada de azarento, e que os mesmos acontecimentos chegam a cada instante
sem serem precedidos por nenhum pretenso sinal precursor. Se se tratar de
acontecimentos que digam respeito a interesses gerais, narradores crédulos ou,
no mais das vezes, oficiosos, para lhes exaltar a importância aos olhos
da posteridade, amplificam os prognósticos, que se esforçam por tornar mais sinistros
e mais terríveis, adicionando-lhes supostas perturbações da Natureza, das quais
os tremores de terra e os eclipses são os acessórios obrigatórios, como fez o
bispo de Rodez a propósito da morte de Henrique IV. Esses relatos fantásticos,
que muitas vezes tinham sua fonte nos interesses dos partidos, foram aceitos
sem exame pela credulidade popular que viu, ou à qual queriam fazer ver,
milagres nesses estranhos fenômenos.
Quanto aos acontecimentos
vulgares, na maioria das vezes o homem é a sua primeira causa. Não querendo
confessar suas próprias fraquezas, busca uma desculpa pondo à conta da Natureza
as vicissitudes que são quase sempre o resultado de sua imprevidência e de sua
imperícia. É em suas paixões, em seus defeitos pessoais que deve buscar os
verdadeiros prognósticos de suas misérias, e não na Natureza, que não se desvia
da rota que Deus lhe traçou por toda a eternidade.
Explicando por uma lei natural a
verdadeira causa dos pressentimentos, o Espiritismo demonstra, por isso mesmo,
o que há de absurdo na crença nos prognósticos. Longe de dar crédito à superstição,
ele lhe tira seu último refúgio: o sobrenatural.
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