Allan Kardec
A Sra. condessa de Clérambert
morava em Saint-Symphorien-sur-Coise, Departamento do Loire; faleceu há alguns
anos, em idade avançada. Dotada de inteligência superior, tinha mostrado, desde
a juventude, um gosto particular pelos estudos médicos e se comprazia na
leitura de obras que tratavam desta ciência. Nos vinte últimos anos de sua vida
havia se consagrado ao alívio do sofrimento com um devotamento inteiramente
filantrópico e a mais completa abnegação. As numerosas curas que operava em
pessoas consideradas incuráveis tinham-lhe dado uma certa reputação; mas, tão
modesta quanto caridosa, disto não tirava proveito nem vaidade.
Aos conhecimentos médicos
adquiridos, de que ela certamente utilizava em seus tratamentos, juntava uma
faculdade de intuição, que outra coisa não era senão a mediunidade
inconsciente, porque muitas vezes ela tratava por correspondência e, sem ter
visto os doentes, descrevia a doença perfeitamente; aliás, ela mesma dizia
receber instruções, sem explicar a maneira por que lhe eram transmitidas.
Muitas vezes tivera manifestações materiais, tais como transporte, deslocamento
de objetos e outros fenômenos do gênero, embora não conhecesse o Espiritismo.
Um dia um de seus doentes lhe escreveu que lhe tinham sobrevindo abscessos, e
para lhe dar uma ideia, modelara o padrão numa folha de papel; mas, tendo
esquecido de juntá-lo à carta, aquela senhora respondeu pela volta do correio:
“Como o padrão que me anunciais em vossa carta não veio, pensei que era
esquecimento de vossa parte; acabo de encontrar um esta manhã em minha gaveta,
que deve ser parecido ao vosso e que vos remeto.” Com efeito, esse padrão
reproduzia exatamente a forma e o tamanho do abscesso.
Ela não tratava nem pelo
magnetismo, nem pela imposição das mãos, nem pela intervenção ostensiva dos
Espíritos, mas pelo emprego de medicamentos que, na maior parte das vezes, ela
mesmo preparava, conforme as indicações que lhe eram fornecidas. Sua medicação
variava para a mesma doença, conforme os indivíduos; não tinha receita secreta
de eficácia universal, mas se guiava segundo as circunstâncias. Algumas vezes o
resultado era quase instantâneo, e em certos casos não se o obtinha senão após
um tratamento continuado, mas sempre curto, em relação à medicina ordinária.
Ela curou radicalmente grande número de epilépticos e de doentes acometidos de
afecções agudas ou crônicas, abandonados pelos médicos.
A Sra. Clérambert não era um
médium curador, no sentido ligado a esta expressão, mas um médium-médico.
Gozava de uma clarividência que lhe fazia ver o mal e a guiava na aplicação dos
remédios, que lhe eram inspirados; além disso, era secundada pelo conhecimento
que tinha da matéria médica e, sobretudo, das propriedades das plantas. Por sua
dedicação, por seu desinteresse moral e material, jamais desmentidos, por sua
inalterável benevolência para os que a ela se dirigiam, a Sra. Clérambert,
assim como o abade príncipe de Hohenlohe,
deve ter conservado até o fim de sua vida a preciosa faculdade que lhe fora
concedida, e que, sem dúvida, teria visto enfraquecer-se e desaparecer, se não
tivesse perseverado no nobre emprego que dela fazia.
Sua posição de fortuna, sem ser
brilhante, era suficiente para tirar qualquer pretexto a uma remuneração
qualquer; assim, não recebia absolutamente nada, mas recebia dos ricos, reconhecidos
por terem sido curados, aquilo que julgassem dever lhe dar, e o empregava para
suprir as necessidades daqueles a quem faltava o necessário.
Os documentos da nota acima foram fornecidos por uma pessoa
que foi curada pela Sra. Clérambert, e foram confirmados por outras pessoas que
a conheceram. Tendo sido lida esta nota na Sociedade Espírita de Paris, a Sra.
Clérambert deu a resposta que se segue.
(Sociedade
Espírita de Paris, 5 de abril de 1867 – Médium: Sr. Desliens)
Evocação – O relato que acabamos de ler naturalmente provoca
em nós a vontade de nos entretermos convosco, e de vos contar no número dos
Espíritos que desejam concorrer para a nossa instrução. Esperamos tenhais a
bondade de vir ao nosso apelo e, neste caso, tomamos a liberdade de vos dirigir
as seguintes perguntas:
1º – Que pensais da nota que acaba de ser lida e das reflexões
que a acompanham?
2º – Qual a origem do vosso gosto inato pelos estudos médicos?
3º – Por que via recebíeis as inspirações que vos eram dadas
para o tratamento dos doentes?
4º – Podeis, como Espírito e com a ajuda de um médium,
continuar prestando os serviços que prestáveis como encarnada, quando éreis
chamada para um doente?
Resposta – Agradeço-vos, senhor
presidente, as palavras benevolentes que pronunciastes em minha intenção, e
aceito de bom grado o elogio feito ao meu caráter. Creio ser a expressão da verdade,
e não terei orgulho ou falsa modéstia de o recusar.
Instrumento escolhido pela Providência, sem dúvida por
causa de minha boa vontade e da aptidão particular, que favorecia o exercício
de minha faculdade, não fiz senão o meu dever, consagrando-me ao alívio dos que
reclamavam o meu socorro.
Algumas vezes acolhida pelo reconhecimento, muitas
vezes pelo esquecimento, meu coração não se envaideceu mais com os sufrágios de
uns, do que sofreu com a ingratidão de outros, considerando-se que eu sabia
muito bem ser indigna de uns e colocar-me acima de outros.
Mas, é ocupar-se demais com minha pessoa. Vamos à faculdade
que me valeu a honra de ser chamada no meio desta simpática Sociedade, onde se
gosta de repousar a vista, sobretudo quando se foi, como eu, vítima da calúnia
e dos ataques malévolos, daqueles cujas crenças foram feridas, ou cujos
interesses foram prejudicados. Que Deus lhes perdoe, como eu mesma o faço!
Desde minha mais tenra infância, e por uma espécie de atração
natural, ocupei-me do estudo das plantas e de sua ação salutar sobre o corpo
humano. De onde me vinha este gosto, ordinariamente pouco natural em meu sexo?
Então eu o ignorava, mas hoje sei que não era a primeira vez que a saúde humana
era objeto de minhas mais vivas preocupações: eu tinha sido médico.
Quanto à faculdade particular que me permitia ver a
distância o diagnóstico das afecções de certos doentes (porque eu não via para todo
o mundo), e prescrever os medicamentos que deviam restituir a saúde, era de
todo semelhante à dos vossos médiuns médicos atuais. Como eles, eu estava em
relação com um ser oculto que se dizia Espírito, e cuja influência salutar
ajudou-me poderosamente a aliviar os infortunados que se valiam de mim. Ele me
havia prescrito o mais completo desinteresse, sob pena de perder instantaneamente
uma faculdade que constituía a minha felicidade.
Não sei por que razão, talvez porque teria sido prematuro
desvendar a origem de minhas prescrições, ele igualmente me havia recomendado,
da maneira mais formal, que não dissesse de quem recebia as prescrições que
dirigia aos meus doentes. Enfim, ele considerava o desinteresse moral, a
humildade e a abnegação como uma das condições essenciais à perpetuação de
minha faculdade.
Segui seus conselhos e só me posso congratular.
Tendes razão, senhor, de dizer que os médicos serão chamados
um dia a representar um papel da mesma natureza que o meu, quando o Espiritismo
tiver conquistado a influência considerável que o fará, no futuro, instrumento
universal do progresso e da felicidade dos povos! Sim, certos médicos terão faculdades
desta natureza e poderão prestar serviços tanto maiores, quanto mais facilmente
os seus conhecimentos adquiridos lhes permitirem assimilar espiritualmente as
instruções que lhes serão dadas. Há um fato que deveis ter notado: as
instruções que tratam de assuntos especiais são tanto mais facilmente e tanto
mais largamente desenvolvidas, quanto mais os conhecimentos pessoais do médium
se aproximarem da natureza daqueles que ele é chamado a transmitir. Assim,
certamente eu poderia prescrever tratamentos aos doentes que a mim se
dirigissem para obter a cura, mas não o faria com a mesma facilidade com todos
os instrumentos; enquanto uns facilmente transmitiriam minhas prescrições,
outros não poderiam fazê-lo senão incorretamente ou incompletamente.
Entretanto, se meu concurso vos puder ser útil, seja em que circunstância for,
terei prazer em vos ajudar nos vossos trabalhos, segundo a medida de meus
conhecimentos, oh! Bem limitados fora de certas atribuições especiais.
Adèle de
Clérambert
Observação – O Espírito assina Adèle, embora, em
vida, fosse chamada Adélaïde. Tendo-lhe sido perguntada a razão, respondeu que
Adèle era o seu verdadeiro nome, e que só por hábito de infância a chamavam
Adélaïde.
Nenhum comentário:
Postar um comentário