Allan Kardec
A Sra. condessa
de Clérambert, da qual falamos no artigo precedente, oferecia uma das
variedades da faculdade de curar, que se apresenta sob uma infinidade de aspectos
e de nuanças, apropriadas às aptidões especiais de cada indivíduo. Em nossa
opinião, ela era o tipo do que poderiam ser muitos médicos; de que muitos virão
a ser, sem dúvida, quando entrarem na via da espiritualidade, que lhes abre o
Espiritismo, porque muitos verão desenvolver-se em si faculdades intuitivas,
que lhes serão um precioso auxílio na prática.
Dissemos e repetimos: seria um
erro crer que a mediunidade curadora venha destruir a Medicina e os médicos.
Ela vem lhes abrir novo caminho, mostrar-lhes, na Natureza, recursos e forças
que ignoravam e com as quais podem beneficiar a Ciência e seus doentes; numa
palavra, provar-lhes que não sabem tudo, já que há pessoas que, fora da ciência
oficial, conseguem o que eles mesmos não conseguem. Assim, não temos nenhuma
dúvida de que um dia haja médicos-médiuns, como há médiuns-médicos,
que à ciência adquirida, juntarão o dom de faculdades mediúnicas especiais.
Apenas como essas faculdades só
têm valor efetivo pela assistência dos Espíritos, que podem paralisar os seus
efeitos pela retirada de seu concurso, que frustram à sua vontade os cálculos
do orgulho e da cupidez, é evidente que não prestarão sua assistência aos que
os renegarem e entenderem servir-se deles secretamente, em proveito de sua
própria reputação e de sua fortuna. Como os Espíritos trabalham para a
Humanidade e não vêm para servir a interesses egoístas e individuais; como, em
tudo que fazem, agem em vista da propagação das doutrinas novas, são-lhes
necessários soldados corajosos e devotados, nada tendo a fazer com poltrões,
que têm medo da sombra da verdade. Assim, secundarão os que, sem resistência e sem
pensamento preconcebido, colocarem suas aptidões a serviço da causa que se
esforçam por fazer prevalecer.
O desinteresse material, que é
um dos atributos essenciais da mediunidade curadora, será, também, uma das
condições da medicina mediúnica? Como, então, conciliar as exigências da
profissão com uma abnegação absoluta?
Isto requer algumas explicações,
porque a posição já não é a mesma.
A faculdade do médium curador
nada lhe custou; não lhe exigiu estudo, nem trabalho, nem despesas; recebeu-a
gratuitamente, para o bem dos outros, e deve usá-la gratuitamente. Como antes
de tudo é preciso viver, se o médium não tiver, por si mesmo, recursos que o
tornem independente, deve achar os meios no seu trabalho ordinário, como o
teria feito antes de conhecer a mediunidade; só deve dar ao exercício de sua
faculdade o tempo que lhe pode consagrar materialmente. Se tira esse tempo de
seu repouso, e se o emprega em tornar-se útil aos seus semelhantes o que teria
consagrado a distrações mundanas, pratica o verdadeiro devotamento, e nisto só
tem mais mérito. Os Espíritos não pedem mais e não exigem nenhum sacrifício
insensato. Não se poderia considerar devotamento e abnegação o abandono de seu
trabalho para entregar-se a uma condição menos penosa e mais lucrativa. Na
proteção que concedem, os Espíritos, aos quais não nos podemos impor, sabem
perfeitamente distinguir os devotamentos reais dos devotamentos factícios.
Completamente diversa seria a
posição dos médicos-médiuns. A Medicina é uma das carreiras sociais que se
abraça para dela fazer uma profissão, e a ciência médica não se adquire senão a
título oneroso, por um trabalho assíduo, por vezes penoso; o saber do médico é,
pois, uma conquista pessoal, o que não é o caso da mediunidade. Se, ao saber
humano, os Espíritos juntam seu concurso pelo dom de uma aptidão mediúnica,
para o médico é um meio a mais de se esclarecer, de agir com mais segurança e
eficácia, pelo que deve ser reconhecido, mas não deixa de ser sempre médico; é
a sua profissão, que não deixa para fazer-se médium.
Nada há, pois, de repreensível
em que continue a dela viver, e isto com tanto mais razão quanto a assistência
dos Espíritos muitas vezes é inconsciente, intuitiva, e sua intervenção por
vezes se confunde com o emprego dos meios ordinários de cura.
Pelo fato de um médico ter-se
tornado médium e ser assistido pelos Espíritos no tratamento de seus doentes,
não se segue que deva renunciar a toda remuneração, o que o obrigaria a
procurar os meios de subsistência fora da Medicina e, assim renunciar à sua
profissão. Mas se for animado do sentimento das obrigações que lhe impõe o
favor que lhe é concedido, saberá conciliar os seus interesses com os deveres
humanitários.
Não se dá o mesmo com o
desinteresse moral que, em todos os casos, pode e deve ser absoluto. Aquele
que, em lugar de ver na faculdade mediúnica um meio a mais de tornar-se útil
aos seus semelhantes, nela só procurasse uma satisfação ao amor próprio, e que
considerasse um mérito pessoal os sucessos obtidos por esse meio, dissimulando
a verdadeira causa, faltaria ao seu primeiro dever. Aquele que, sem renegar os
Espíritos, não visse em seu concurso, direto ou indireto, senão um meio de
suprir a insuficiência de sua clientela produtiva, seja qual for a aparência
filantrópica com que se oculte aos olhos dos homens, faria, por isso mesmo, ato
de exploração. Num e noutro caso, tristes decepções seriam a sua consequência
inevitável, porque os simulacros e os subterfúgios não podem enganar os
Espíritos, que leem no fundo do pensamento.
Dissemos que a mediunidade
curadora não matará a Medicina nem os médicos, mas não pode deixar de modificar
profundamente a ciência médica. Sem dúvida haverá sempre médiuns curadores,
porque sempre os houve, e esta faculdade está na Natureza; mas serão menos
numerosos e menos procurados à medida que o número de médicos-médiuns
aumentar, e quando a Ciência e a mediunidade se prestarem mútuo apoio. Ter-se-á
mais confiança nos médicos quando forem médiuns, e mais confiança nos médiuns
quando forem médicos.
Não se podem contestar as
virtudes curativas de certas plantas e de outras substâncias que a Providência
pôs ao alcance do homem, colocando o remédio ao lado do mal; o estudo dessas propriedades
é da alçada da Medicina. Ora, como os médiuns curadores só agem por influência
fluídica, sem o emprego de medicamentos, se um dia devessem suplantar a
Medicina, resultaria que, dotando as plantas de propriedades curativas, Deus
teria feito uma coisa inútil, o que não é admissível. Deve-se, pois, considerar
a mediunidade curadora como um modo especial, e não como meio absoluto de cura;
o fluido, como novo agente terapêutico aplicável em certos casos, e que vem
acrescentar um novo recurso à Medicina; em consequência, a mediunidade curadora
e a Medicina como devendo, de agora em diante, marchar simultaneamente, destinadas
a se auxiliarem mutuamente, a se suplementarem e a se completarem uma pela
outra. Eis por que se pode ser médico sem ser médium curador, e médium curador
sem ser médico.
Então por que esta faculdade
hoje se desenvolve quase que exclusivamente entre os ignorantes, em vez de nos
homens de ciência? Pela razão muito simples que, até agora, os homens de ciência
a repelem. Quando a aceitarem, vê-la-ão desenvolver-se entre si, como entre os
outros. Aquele que hoje a possuísse iria proclamá-la? Não; ocultá-la-ia com o
maior cuidado. Já que ela seria inútil em suas mãos, por que lhe dar? Seria o
mesmo que dar um violino a um homem que não sabe ou não quer tocar.
A este estado de coisas, há
outro motivo capital. Dando aos ignorantes o dom de curar males que os sábios
não podem curar, é para provar a estes que nem tudo sabem, e que há leis naturais
além das que a Ciência reconhece. Quanto maior a distância entre a ignorância e
o saber, mais evidente é o fato. Quando se produz naquele que nada sabe, é uma
prova certa de que ali o saber humano em nada participou.
Mas, como a Ciência não pode ser
um atributo da matéria, o conhecimento do mal e dos remédios por intuição,
assim como a faculdade de vidência, não podem ser atributos senão do Espírito.
Elas provam no homem a existência do ser espiritual, dotado de percepções
independentes dos órgãos corporais e, muitas vezes, de conhecimentos adquiridos
anteriormente, numa precedente existência. Esses fenômenos têm, pois, ao mesmo tempo,
a consequência de serem úteis à Humanidade, e de provarem a existência do
princípio espiritual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário