Allan Kardec
Dá-se com a palavra maravilhoso
o mesmo que se dá com a palavra alma; há um sentido elástico que se presta a interpretações
diversas. Eis por que julgamos útil estabelecer alguns princípios gerais no artigo
precedente, antes de abordar o exame da história dada pelo Sr. Figuier.
Quando essa obra apareceu, os adversários
do Espiritismo bateram palmas, dizendo que, sem dúvida, nos iríamos dar mal; em
seu caridoso pensamento já nos viam mortos sem apelação. Triste efeito da
cegueira apaixonada e irrefletida, porquanto se eles se dessem ao trabalho de
observar o que querem demolir, veriam que o Espiritismo será um dia, mais cedo
do que pensam, a salvaguarda da sociedade, e talvez eles próprios lhe devam a
salvação, não dizemos no outro mundo, com o qual pouco se preocupam, mas neste mesmo!
Não é levianamente que dizemos tais palavras; ainda não chegou o momento de as
desenvolver, embora muitos já nos compreendam.
Voltando ao Sr. Figuier, nós
mesmos tínhamos pensado ver nele um adversário realmente sério, trazendo
argumentos peremptórios que valessem a pena ser refutados com seriedade. Sua obra
compreende quatro volumes; os dois primeiros com uma exposição de princípios,
um prefácio e uma introdução, depois uma relação de fatos perfeitamente
conhecidos, e que devem ser lidos com interesse, tendo em vista as pesquisas
eruditas que mereceram da parte do autor; acreditamos ser o relato mais
completo já publicado sobre o assunto. Assim, o primeiro volume é quase inteiramente
consagrado à história de Urbain Grandier e das religiosas de Loudun; vêm a
seguir as convulsionárias de Saint-Médard, a história dos profetas
protestantes, a varinha mágica, o magnetismo animal. O quarto volume, que acaba
de ser publicado, trata especialmente das mesas girantes e dos Espíritos
batedores.
Mais tarde voltaremos a este
último volume, limitando-nos, agora, a uma apreciação sumária do conjunto.
A parte crítica das histórias
que constituem os dois primeiros volumes consiste em provar, por testemunhos autênticos,
que a intriga, as paixões humanas e o charlatanismo tiveram grande papel; que
certos fatos trazem a marca evidente da astúcia, o que ninguém contesta.
Ninguém jamais garantiu a integridade de todos esses fatos, menos do que
quaisquer outros os espíritas, que devem ser gratos ao Sr. Figuier por ter
reunido provas que evitarão numerosas compilações. Eles têm interesse em que a fraude
seja desmascarada, e todos os que a descobrirem nos fatos erroneamente
qualificados de fenômenos espíritas lhes prestarão serviço. Ora, para prestar
semelhante serviço, nada melhor que os inimigos. Vê-se, pois, que tais inimigos
servem para alguma coisa; apenas o desejo da crítica às vezes os arrasta muito
longe e, no ardor de descobrir o mal, muitas vezes o veem onde ele não está, por
não terem examinado com bastante atenção e imparcialidade, o que é ainda mais
raro. O verdadeiro crítico deve lutar contra as ideias preconcebidas e
despojar-se de qualquer preconceito, pois, do contrário, julgará do seu ponto
de vista, que talvez nem sempre seja justo. Tomemos um exemplo: suponhamos a
história política de acontecimentos contemporâneos escrita com a maior imparcialidade,
isto é, com inteira verdade, e imaginemos esta história comentada por dois
críticos de opiniões contrárias. Porque todos os fatos são exatos, forçosamente
haverão de contrariar a opinião de um deles; daí os julgamentos contraditórios:
um que levará a obra às nuvens, e o outro, defendendo que seja lançada ao fogo.
No entanto, a obra só conterá a verdade. Se assim ocorre com os fatos patentes,
como os da História, com mais forte razão quando se trata da apreciação de
doutrinas filosóficas. Ora, o Espiritismo é uma doutrina filosófica, e os que
só o veem no fato das mesas girantes, ou que o julgam pelos contos absurdos e
pelos abusos que deles se podem fazer, que o confundem com os meios de
adivinhação, provam que não o conhecem. Estaria o Sr. Figuier nas condições
requeridas para o julgar com imparcialidade? É o que vamos examinar.
Assim começa o Sr. Figuier o seu
prefácio:
Em 1854, quando as
mesas girantes e falantes, importadas da América, fizeram sua aparição na
França, produziram uma impressão que ninguém esqueceu. Muitos espíritos sábios
e prudentes ficaram alarmados com esse transbordamento imprevisto da paixão
pelo maravilhoso. Não podiam compreender semelhante alucinação em pleno século
XIX, com uma filosofia avançada e em meio a esse magnífico movimento científico
que hoje dirige tudo para o positivo e o útil.
Seu julgamento está decretado: a
crença nas mesas girantes é uma alucinação. Como o Sr. Figuier é um homem positivo,
deve-se pensar que antes de publicar seu livro, viu tudo, tudo estudou,
aprofundou tudo; numa palavra, que fala com conhecimento de causa. Se assim não
fosse, cairia no erro dos Srs. Schiff e Jobert (de Lamballe) com a sua teoria
do músculo estalante. (ver
a Revista do mês de junho de 1859). Entretanto, sabemos que há um mês
apenas ele assistiu a uma sessão, onde provou que ignorava os mais elementares princípios
do Espiritismo. Considerar-se-á suficientemente esclarecido porque assistiu a
uma sessão? Por certo não duvidamos da sua perspicácia, mas, por maior seja
ela, não podemos admitir que ele possa conhecer e, sobretudo, compreender o
Espiritismo numa sessão, como não aprendeu a Física numa única lição. Se o Sr.
Figuier pudesse fazê-lo, tomaríamos o fato como um dos mais maravilhosos.
Quando ele tiver estudado o Espiritismo com o mesmo cuidado que se dispensa ao
estudo de uma ciência, quando lhe tiver consagrado um tempo moral necessário,
quando tiver assistido a milhares de experiências, quando se tiver dado conta
de todos os fatos, sem exceção, quando tiver comparado todas as teorias, só
então poderá expender uma crítica judiciosa. Até lá o seu julgamento é uma
opinião pessoal, cujo peso, pró ou contra, não terá nenhum valor.
Tomemos a coisa sob outro ponto
de vista. Dissemos que o Espiritismo repousa inteiramente na existência, em
nós, de um princípio imaterial ou, em outras palavras, na existência da alma.
Quem não admite um Espírito em si não pode admiti-lo fora de si. Consequentemente,
não admitindo a causa, não pode admitir o efeito. Gostaríamos, pois, de saber
se o Sr. Figuier colocaria no frontispício de seu livro a seguinte profissão de
fé:
1º Creio num Deus,
autor de todas as coisas, todo-poderoso, soberanamente justo e bom e infinito
em suas perfeições;
2º Creio na
providência de Deus;
3º Creio na
existência da alma sobrevivente ao corpo, e em sua individualidade após a
morte, não como uma probabilidade, mas como uma coisa necessária e consequente
dos atributos da Divindade;
4º Admitindo a alma
e a sua sobrevivência, creio que não seria nem conforme a justiça, nem conforme
a bondade de Deus, que o bem e o mal fossem tratados em pé de igualdade após a
morte, considerando-se que, durante a vida, muito raramente recebem a
recompensa ou o castigo que merecem;
5º Se a alma do mau
e a do bom não são tratadas do mesmo modo, algumas são felizes, outras
infelizes, isto é, são recompensadas ou punidas segundo suas obras.
Se o Sr. Figuier fizesse tal
profissão de fé, nós lhe diríamos: Esta profissão é a de todos os espíritas,
porquanto sem isto o Espiritismo não teria nenhuma razão de ser; somente aquilo
que credes teoricamente, o Espiritismo o demonstra pelos fatos, porque todos os
fatos espíritas são consequência destes princípios.
Não sendo os Espíritos que
povoam o espaço mais do que as almas dos que viveram na Terra ou em outros
mundos, desde que se admita a alma, sua sobrevivência e sua individualidade,
por isso mesmo deve-se admitir os Espíritos. Sendo reconhecida a base, toda a questão
se resume em saber se esses Espíritos ou essas almas podem comunicar-se com os
vivos; se têm ação sobre a matéria; se influem no mundo físico e no mundo
moral; ou, então, se são votados a uma perpétua inutilidade, ou a não se
ocuparem senão de si mesmos, o que é pouco provável, desde que se admita a
providência de Deus e se considere a admirável harmonia que impera no Universo,
onde os menores seres desempenham o seu papel.
Se a resposta do Sr. Figuier
fosse negativa, ou, por polidez, fosse ambígua nós lhe diríamos – para nos
servir da expressão de certas pessoas e a fim de não chocar muito bruscamente
respeitáveis preconceitos – o seguinte: não sois juiz mais competente em
matéria de Espiritismo do que um muçulmano em assuntos da religião católica;
vosso julgamento não seria imparcial e em vão negaríeis albergar ideias
preconcebidas, porquanto tais ideias, em vossa própria opinião, dizem respeito
ao princípio fundamental, que rejeitais a
priori, antes de conhecer o assunto.
Se algum dia uma equipe de
cientistas nomeasse um relator para examinar a questão do Espiritismo e esse
relator não fosse francamente Espiritualista, seria o mesmo que um concílio escolher
Voltaire para tratar de uma questão dogmática.
Admiramo-nos de que os
cientistas não tenham dado sua opinião; mas nos esquecemos de que sua missão –
é bom frisar – é o estudo das leis da matéria e não dos atributos da alma e,
menos ainda, o de decidir se a alma existe. Sobre tais assuntos eles podem ter
opiniões individuais, como podem ter sobre a religião; mas, como entidade científica,
jamais terão que se pronunciar.
Não sabemos o que o Sr. Figuier
responderia às perguntas formuladas na profissão de fé acima, mas o seu livro deixa
pressenti-lo. Com efeito, o segundo parágrafo de seu prefácio é assim
concebido:
Um conhecimento
exato da História do passado teria prevenido ou, pelo menos, diminuído muito
tal espanto. De fato, seria grande erro imaginar-se que as ideias que, em
nossos dias, deram origem à crença nas mesas falantes e nos Espíritos batedores,
são de origem moderna. Esse amor do maravilhoso não é particular à nossa época;
está em todos os tempos e países, por se ligar à própria natureza do espírito
humano. Por uma instintiva e injustificada desconfiança em suas próprias
forças, o homem é levado a colocar acima de si forças invisíveis, que se
exercem numa esfera inacessível. Esta disposição inata existiu em todos os
períodos da História da Humanidade, revestindo aspectos diferentes conforme o
tempo, os lugares e os costumes, originando manifestações variáveis na forma,
porém tendo, no fundo, um princípio idêntico.
Dizer que é por uma instintiva e
injustificada desconfiança em suas próprias forças que o homem é levado a
colocar acima de si forças invisíveis, que se exercem numa esfera inacessível,
é reconhecer que o homem é tudo, que pode tudo, e que acima dele nada há. Salvo
engano, isso não é apenas materialismo, mas ateísmo. Aliás, essas ideias
ressaltam de uma porção de outras passagens de seu prefácio e de sua
introdução, para as quais chamamos toda a atenção de nossos leitores e estamos
convencidos de que estes as julgarão como nós. Dir-se-á que tais palavras não
se aplicam à Divindade, mas aos Espíritos? Então responderemos que ele não
conhece a primeira palavra do Espiritismo, pois negar os Espíritos é negar a alma,
desde que Espíritos e almas são a única e mesma coisa; que os Espíritos não
exercem sua força numa esfera inacessível, visto estarem de nosso lado, a nos
tocar e a agir sobre a matéria inerte, à semelhança de todos os fluidos
imponderáveis e invisíveis que, não obstante, são os mais poderosos motores e
os mais ativos agentes da Natureza. Só Deus exerce o seu poder numa esfera
inacessível aos homens; negar este poder é, pois, negar a Deus. Dir-se-á,
enfim, que esses efeitos, que atribuímos aos Espíritos, talvez sejam devidos a
alguns desses fluidos? É possível. Mas, então lhe perguntaremos: como fluidos
ininteligentes podem produzir efeitos inteligentes?
O Sr. Figuier constata um fato
capital ao dizer que esse amor do maravilhoso não é particular à nossa época;
está em todos os tempos e países, por se ligar à própria natureza do espírito
humano.
Aquilo a que chama amor do
maravilhoso é, muito simplesmente, a crença instintiva, inata, como o diz, na
existência da alma e sua sobrevivência ao corpo, crença que revestiu formas
diversas, segundo os tempos e os lugares, mas tendo no fundo um princípio idêntico.
Esse sentimento inato, universal no homem, Deus lho teria inspirado para se
divertir à sua custa? Para lhe dar aspirações impossíveis de realizar? Crer que
assim possa ser é negar a bondade de Deus; mais ainda: é negar o próprio Deus.
Querem outras provas do que
antecipamos? Vejamos ainda algumas passagens do seu prefácio:
Na Idade Média,
quando uma religião nova transforma a Europa, o maravilhoso se instala nessa
mesma religião. Acredita-se nas possessões diabólicas, nos feiticeiros e nos magos.
Durante vários séculos essa crença é sancionada por uma guerra sem quartel e
sem misericórdia, feita aos infelizes, acusados de comércio secreto com os
demônios, ou com os magos, seus prepostos.
Pelo fim do século
dezessete, na aurora de uma filosofia tolerante e esclarecida, o diabo
envelheceu e a acusação de magia começa a ser um argumento gasto, mas nem por
isto o maravilhoso perde os seus direitos. Os milagres florescem à vontade nas
igrejas das diversas comunhões cristãs; acredita-se, ao mesmo tempo, na varinha
mágica ou se decifram os movimentos de uma forquilha para pesquisar os objetos
do mundo físico e obter esclarecimentos sobre as coisas do mundo moral. Nas
diversas ciências continua-se a admitir a intervenção de influências sobrenaturais,
precedentemente introduzidas por Paracelso.
No século dezoito,
século de Voltaire e da Enciclopédia, enquanto sobre as matérias filosóficas
todos os olhos se abriam às luzes do bom-senso e da razão – não obstante a voga
da filosofia cartesiana – só o maravilhoso resistia à queda de tantas crenças
até então veneradas. Os milagres ainda se multiplicavam.
Se a filosofia de Voltaire, que
abriu os olhos à luz do bom-senso e da razão e minou tantas superstições, não
pôde extirpar a ideia inata de um poder oculto, não seria porque tal ideia é inatacável?
A filosofia do século dezoito flagelou os abusos, mas se deteve contra a base.
Se essa ideia triunfou sobre os golpes desferidos pelo apóstolo da
incredulidade, o Sr. Figuier espera ser mais feliz? Permitimo-nos duvidar.
O Sr. Figuier faz uma confusão
singular das crenças religiosas, dos milagres e da varinha mágica. Para ele,
tudo isto sai da mesma fonte: a superstição, a crença no maravilhoso. Não tentaremos
aqui defender essa pequena forquilha, que teria a singular propriedade de
servir à pesquisa do mundo físico, em virtude de não nos havermos aprofundado
na questão; por uma questão de princípios, só elogiamos ou criticamos o que
conhecemos. Mas, se quiséssemos argumentar por analogia, perguntaríamos se a pequena
agulha de aço, com a qual o navegante acha sua rota, não tem uma virtude muito
mais admirável do que a pequena forquilha?
Não, direis vós, porquanto
conhecemos a causa que a faz agir e esta causa é inteiramente física. De
acordo. Mas quem diz que a causa que age sobre a forquilha não seja
inteiramente física? Antes que se conhecesse a teoria da bússola, que teríeis
pensado se tivésseis vivido naquela época, quando os marinheiros não tinham
como guia senão as estrelas, que muitas vezes lhes faltavam? Que teríeis pensado,
dizemos nós, de um homem que tivesse vindo dizer: Tenho aqui numa caixinha, não
maior que a de bombons, uma agulha pequenina, com a qual os maiores navios
podem navegar com segurança; que indica a rota com qualquer tempo, com a precisão
de um relógio? Ainda uma vez, não combatemos a varinha mágica, e menos ainda o
charlatanismo, que dela se apoderou; apenas perguntamos o que haveria de mais
sobrenatural se um pequeno pedaço de madeira, em dadas circunstâncias, fosse
agitado por um eflúvio terrestre invisível, como a agulha imantada o é pela corrente
magnética que também não se vê? Será que essa agulha também não serve para
pesquisar as coisas do mundo físico? Não será ela influenciada pela presença de
uma mina de ferro subterrânea? O maravilhoso é a ideia fixa do Sr. Figuier; é o
seu pesadelo; ele o vê por toda parte onde haja algo que não compreende. Mas
apenas ele, sábio, poderá dizer como germina e se reproduz o menor grão? Qual a
força que faz a flor voltar-se para a luz? Quem, na terra, atrai as raízes para
um terreno propício, mesmo através dos mais rudes obstáculos? Estranha
aberração do espírito humano, que pensa tudo saber e nada sabe; que despreza
maravilhas incontáveis e nega um poder sobre-humano!
Estando baseada na existência de
Deus, esse poder sobre-humano que se exerce numa esfera inacessível; sobre a
alma, que sobrevive ao corpo, conservando a sua individualidade e, consequentemente
sua ação, a religião tem por princípio aquilo que o Sr. Figuier chama de
maravilhoso. Se ele se tivesse limitado a dizer que entre os fatos qualificados
de maravilhoso uns são ridículos e absurdos, aos quais a razão faz justiça, nós
o aplaudiríamos com todas a nossas forças; mas não poderíamos concordar com a
sua opinião, quando confunde na mesma reprovação o princípio e o abuso do
princípio; quando nega a existência de qualquer poder acima da Humanidade.
Aliás, essa conclusão é formulada de maneira inequívoca na passagem seguinte:
Dessas discussões, cremos que resultará para
o leitor a perfeita convicção da não existência de agentes sobrenaturais e a certeza
de que todos os prodígios, que em diversas épocas têm excitado a surpresa ou a
admiração dos homens, se explicam apenas pelo conhecimento de nossa organização
fisiológica. A negação do maravilhoso, eis a conclusão a tirar deste livro, que
poderia chamar-se o maravilhoso explicado. E se alcançarmos o objetivo a que
nos propusemos atingir, teremos a convicção de ter prestado um verdadeiro
serviço ao bem de todos.
Dar a conhecer os abusos,
desmascarar a fraude e a hipocrisia onde quer que se encontrem, é, sem dúvida,
prestar um grande serviço. Mas julgamos que é fazer grande mal à sociedade, assim
como aos indivíduos, atacar o princípio em virtude de terem dele abusado; é
querer cortar a boa árvore, porque deu um fruto estragado. Bem compreendido, o
Espiritismo, dando a conhecer a causa de certos fenômenos, mostra o que é
possível e o que não o é. Por isto mesmo, tende a destruir as ideias realmente supersticiosas;
mas, ao mesmo tempo, demonstrando o princípio, dá um objetivo ao bem; fortalece
as crenças fundamentais que a incredulidade ataca com violência a pretexto do
abuso; combate a chaga do materialismo, que é a negação do dever, da moral e de
toda esperança, e é por isto que dizemos que um dia ele será a salvaguarda da
sociedade.
Aliás, estamos longe de nos
lamentar pela obra do Sr. Figuier. Sobre os adeptos da doutrina ela não poderá
ter nenhuma influência, pois eles reconhecerão imediatamente os pontos vulneráveis.
Sobre os outros, terá o efeito de todas as críticas: o de provocar a
curiosidade. Depois da aparição, ou melhor, da reaparição do Espiritismo, muito
se tem escrito contra ele. Não lhe pouparam sarcasmos, nem injúrias. Apenas de
uma coisa ele não teve a honra, graças aos costumes do tempo: a fogueira. Isto
o impediu de progredir? Absolutamente, pois hoje conta seus aderentes por
milhões em todas as partes do mundo e estes todos os dias aumentam. Para isto,
e sem o querer, muito contribuiu a crítica, porque, como dissemos, seu efeito é
o de provocar o exame.
Querem ver o pró e o contra e
ficam admirados por encontrarem uma doutrina racional, lógica, consoladora, que
acalma as angústias da dúvida, resolvendo o que nenhuma filosofia pôde
resolver, quando pensavam apenas encontrar uma crença ridícula. Quanto mais
conhecido o nome do contraditor, mais repercussão tem a sua crítica e mais bem
ela pode fazer, chamando a atenção dos indiferentes. A esse respeito, a obra do
Sr. Figuier está nas melhores condições: além de escrita de maneira muito
séria, não se arrasta na lama das injúrias grosseiras e do personalismo, únicos
argumentos dos críticos de baixo nível. Desde que pretende tratar o assunto do ponto
de vista científico, e sua posição lho permite, ver-se-á nisso a última palavra
da Ciência contra esta doutrina e então o público saberá a quantas se anda. Se
a douta obra do Sr. Figuier não tiver o poder de lhe dar o golpe de
misericórdia, duvidamos que outros sejam mais felizes. Para combatê-la com
eficácia, ele só tem um meio, que lhe indicamos com prazer. Não se destrói uma
árvore cortando-lhe os galhos, mas a raiz. É necessário, pois, atacar o Espiritismo
pela raiz, e não nos ramos, que renascem à medida que são cortados. Ora, as
raízes do Espiritismo, desta alucinação do século dezenove, para nos servirmos
de sua expressão, são a alma e os seus atributos. Que, pois, ele prove que a
alma não existe e não pode existir, porquanto sem almas não há mais Espíritos.
Quando tiver provado isto, o Espiritismo não terá mais razão de ser e nós nos
confessaremos vencidos. Se o seu cepticismo não chega até esse ponto, que
prove, não por uma simples negação, mas por uma demonstração matemática,
física, química, mecânica, fisiológica ou qualquer outra:
1º Que o ser que pensa em vida é incapaz de pensar após a
morte;
2º Que, se pensa, não deve mais querer comunicar-se com
aqueles a quem amou;
3º Que, se pode estar em toda parte, não pode estar ao nosso
lado;
4º Que, se está ao nosso lado, não pode comunicar-se conosco;
5º Que, por seu envoltório fluídico, não pode agir sobre a
matéria inerte;
6º Que, se pode agir sobre a matéria inerte, não pode agir
sobre um ser animado;
7º Que, se pode agir sobre um ser animado, não pode dirigir-lhe
a mão para fazê-lo escrever;
8º Que, podendo fazê-lo escrever, não pode responder às
suas perguntas e lhe transmitir o pensamento.
Quando os adversários do
Espiritismo nos tiverem demonstrado que isso é impossível, através de razões
tão patentes quanto aquelas pelas quais Galileu demonstrou que não é o Sol que gira
em torno da Terra, então poderemos dizer que suas dúvidas são fundadas.
Infelizmente, até este dia, toda a sua argumentação se reduz nestas palavras:
Não creio; logo é impossível. Sem dúvida dirão que a nós cabe provar a
realidade das manifestações; nós as provamos pelos fatos e pelo raciocínio; se
não admitem nem uns, nem o outro, se negam o que veem, a eles cabe provar que
nosso raciocínio é falso e que os fatos são impossíveis.
Em outro artigo examinaremos a
teoria do Sr. Figuier.
Fazemos votos para que seja de
melhor qualidade que a teoria do músculo estalante de Jobert (de Lamballe).
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