Marco Milani
“Se quiserdes que os
Homens vivam como irmãos na Terra, não basta dar-lhes lições de moral; é
preciso destruir a causa do antagonismo existente e atacar a origem do mal: o
orgulho e o egoísmo”.
Allan Kardec – Obras Póstumas.
A construção de uma sociedade melhor, baseada
em relações justas, fraternas, em condições de liberdade e pleno
desenvolvimento do indivíduo, ainda é um grande desafio para a humanidade. Essa
questão não se restringe a um povo, nação ou bloco econômico, mas expande-se à
maioria da população mundial, mesmo considerando-se as diversidades culturais
existentes.
Obviamente ainda verificamos
aqueles que permanecem sob um coercitivo isolamento cultural, refletindo o
próprio estágio evolutivo em que se encontram. Desde o primeiro agrupamento
familiar, passando pelas mais diferentes formas de relações políticas, sociais
e econômicas, desenvolvemos as bases do conhecimento atual, orientados por um
impulso evolucionista inerente ao Ser humano.
Motivação esta que não é
derivada exclusivamente do processo histórico, como desejam alguns, mas é a
manifestação da potencialidade do Espírito buscando a própria realização. Não
cabe somente aos filósofos, economistas e sociólogos esta reflexão, visto que
todos contribuem ativamente para o equilíbrio (ou desequilíbrio) social. O
conhecimento formal do objeto – a sociedade – para uma análise crítica,
favorece a identificação de pontos relevantes para a sua harmonia, porém nem
todos estes pontos estão significativamente compreendidos.
Os séculos XVIII e XIX foram
bastante fecundos em ideias e experiências nesse contexto, destacando-se a
forte influência que muitos de seus pensadores legaram aos nossos dias. Naquela
época, procuraram planejar e, muitas vezes, estabelecer os rumos da chamada
sociedade “civilizada”, considerando principalmente as relações entre o Estado
e Governo, justiça e liberdade, propriedade privada e comum, atividade
produtiva e consumo. Naquele mesmo período, vozes de um outro movimento
revolucionário faziam-se ouvir pelo planeta. Após séculos de dormência
preparadora, aguardando a maturidade intelectual da humanidade, vigorosos
sinais do mundo invisível atraíam a atenção para a sua realidade. Uma invasão
das ideias espiritualistas procurava acordar os seres para este fato
“admirável” nos diferentes continentes.
Não que tais fatos fossem
novidade, pois a existência e comunicação com entidades espirituais constituem
parte da crença de todos os povos da Terra, desde os primórdios da civilização
até hoje. Esta comprovação é realizada pela Antropologia, considerando ainda
que esta crença é a base de toda a filosofia das religiões. Porém, o
entendimento destes fatos é que demandam um despertar intelectual.
Em 1857, vivenciando uma Europa
onde fervilhavam projetos de transformações socioeconômicas e discussões de
âmbito religioso, que uma das mais poderosas propostas para o desenvolvimento
humano já vista surge de maneira clara, objetiva e lógica: a Doutrina dos
Espíritos, por Allan Kardec. O advento do Espiritismo permitiu que o Espírito,
elemento fundamental não considerado adequadamente nas demais doutrinas
espiritualistas e ideologias políticas, sociais e econômicas florescentes,
fosse abordado. Os preceitos cristãos revitalizaram-se sob o aspecto racional
da doutrina que aproxima a ciência, filosofia e religião, desenvolvendo de forma
límpida a essência moral dos ensinamentos de Jesus.
É justamente o conhecimento da
realidade espiritual e de todas as suas consequências morais que norteia o
comportamento de qualquer componente de uma sociedade para que essa possa
apresentar, de fato, as condições propícias para a felicidade individual e
coletiva. A Doutrina Espírita causa a verdadeira revolução, pois atinge a base
do pensamento humano, a naturalidade do próprio Ser e sua relação com a
realidade que o cerca. Modificando essa concepção, os valores morais são
revistos e toda noção de sociedade é logicamente alterada (não destruída, mas
aprimorada). Trata do aspecto social de maneira profunda, destacando a
necessidade de que a real transformação ocorra no coração do Homem, combatendo
com a fé raciocinada os maiores inimigos do progresso: o orgulho e o egoísmo. Com
muita pertinência, invalida qualquer tentativa de imposição ao comportamento
fraterno como aquele pretendido por governos autoritários, considerando que a
fraternidade é resultado do aprimoramento moral e não de medidas
governamentais. Valoriza a educação do indivíduo como fator transformador,
conscientizando sobre o processo evolutivo do Ser. A liberdade e a meritocracia
são as características esperadas de uma sociedade formada por cidadãos
responsáveis e que se respeitam. Não há progresso sustentável sem a confiança e
o investimento no presente para as gerações futuras, marchando com a certeza do
bem-estar resultante dos atos equilibrados. Atos estes que são efetuados com
coragem, determinação e uma fé inabalável, fundamentada na razão e na moral.
Neste final de século XX,
percebemos que o impacto cultural gerado pelas novas formas de integração
socioeconômicas (globalização) propicia um momento reflexivo de valores nunca
antes alcançado. O acesso à informação e ao conhecimento deixa de ser
privilégios de poucos para tornarem-se acessíveis a um número cada vez maior de
pessoas em diversas nações. Depois de verificarmos o fracasso de sistemas
políticos e econômicos que se escondiam sob a máscara da igualdade e justiça
social, mas que procuravam impor seus preceitos pelo autoritarismo brutal,
ainda nos deparamos com sérios problemas estruturais em âmbito mundial:
desemprego, fome, analfabetismo, desrespeito aos direitos humanos etc. Imperceptível
para alguns e muito lenta para outros, a perseverante transformação moral do
planeta está em curso, decorrente da própria evolução do Ser. Espalham-se pelo
mundo valorosos indivíduos e organizações de diversas crenças visando atenuar
ou eliminar os desequilíbrios expostos, incentivando o progresso humano.
Organizações de âmbitos religiosos, políticos, econômicos, civis etc. Mesmo que
nem todos estejam conscientes do processo evolutivo do Espírito, todas as ações
são meritórias se agem com sinceridade para alcançar esse objetivo, sem
preconceitos ou violências de qualquer espécie.
Porém, desde a sua codificação,
a Doutrina Espírita lança suas luzes de forma cada vez mais intensa, libertando
consciências dos grilhões da ignorância que entravam o crescimento da Alma.
Enquanto ideias e movimentos fragilizados não resistem ao tempo, a sua força
reside na solidez de seus princípios. É a liberdade de consciência, o
desenvolvimento pelo mérito e a convivência fraterna e ética pelo
esclarecimento sobre a realidade espiritual e leis naturais que o Espiritismo
busca promover.
Marco Milani
Fonte: Agenda Cristã
Notas do editor:
(1) Publicado no Boletim GEAE Número 387 de 21 de março de
2000 (https://www.geae.net.br/Boletins_GEAE/Boletins_html/geae387.html).
(2) Imagem ilustrativa e em destaque disponível em
( https://www.istockphoto.com/br/vetor/boulevard-haussmann-em-paris-fran%C3%A7a-s%C3%A9culo-xix-gm1219225002-356564411).
Acesso em: 16/07/2021.
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