Alessandra Corrêa - De Washington para a BBC News Brasil - 7 junho 2021
Nos últimos meses, um assunto
até pouco tempo atrás descartado como teoria da conspiração ou piada vem sendo
debatido com seriedade em Washington: os objetos voadores não identificados
(OVNIs).
Em meio a recentes declarações
de militares, agentes de inteligência e políticos democratas e republicanos
sobre o que chamam de fenômenos
aéreos não identificados (UAP, na sigla em inglês), vem crescendo a
expectativa pela divulgação nas próximas semanas de um relatório detalhando o
que o governo americano sabe a respeito desses fenômenos.
Na quinta-feira (3/6), o jornal
The New York Times e outros veículos da imprensa americana anteciparam que,
segundo fontes anônimas dos serviços de inteligência, uma versão confidencial
do relatório indica que não foram encontradas evidências de "atividade
alienígena", mas também não exclui essa possibilidade de maneira
definitiva.
O documento foi elaborado após a
análise de mais de 120 episódios nas últimas duas décadas em que pilotos
militares ‒ a maioria deles americanos, mas também alguns de outros países ‒
observaram objetos não identificados durante seus voos.
Segundo as fontes entrevistadas
pelo New York Times, a maioria desses casos "não tem origem em nenhuma
tecnologia avançada do governo americano". Isso indicaria que esses
objetos não são parte de algum programa secreto do governo.
Mas o documento não oferece
explicação sobre o que seriam esses objetos. Uma das possibilidades citadas por
fontes da imprensa americana é a de que pelo menos alguns deles sejam
tecnologia experimental de países rivais, como China ou Rússia.
A versão final do relatório
deverá ser apresentada em 25 de junho. Apesar de ser divulgado ao público, o
documento provavelmente terá um anexo ainda confidencial, por motivos de
segurança nacional.
A determinação de tornar
públicas as informações sobre o tema foi incluída em um pacote de medidas
aprovado pelo Congresso em dezembro do ano passado. O Departamento de Defesa e
o gabinete do diretor de Inteligência Nacional receberam prazo de seis meses
para apresentar uma "análise detalhada de dados e inteligência sobre
fenômenos aéreos não identificados".
O relatório também deverá
incluir detalhes sobre como esse tipo de informação será coletado e analisado
pelos serviços de inteligência e como o tema deverá ser estudado de agora em
diante. Uma das preocupações citadas pelo Congresso é a de que os objetos sejam
tecnologia de outros países e que adversários tenham adquirido capacidades
aeroespaciais que possam representar ameaça aos Estados Unidos.
Em agosto do ano passado, o
Departamento de Defesa já havia anunciado a criação de uma força-tarefa, sob a
liderança do Departamento da Marinha, com a missão de "detectar, analisar
e catalogar UAPs que possam potencialmente representar uma ameaça à segurança
dos Estados Unidos".
Esse anúncio foi feito poucos
meses depois de o Departamento de Defesa confirmar a veracidade e autorizar a
divulgação de três vídeos mostrando a reação de pilotos militares ao avistarem
objetos não identificados. Essas gravações, datadas de novembro de 2004 e
janeiro de 2015, já haviam sido vazadas e circulavam pela internet, mas, até
então, sem confirmação oficial.
'Sem explicação'
O fato de um objeto não ser
identificado não significa que seja alienígena, e muitos dos fenômenos
relatados por pilotos militares podem ser drones, balões meteorológicos ou até
resultado de problemas em sensores. Mas outros são mais difíceis de serem
explicados.
"O que é verdade, e eu
estou realmente falando sério agora, é que há imagens e registros de objetos
nos céus que nós não sabemos exatamente o que são. Não podemos explicar como se
moveram, sua trajetória. Eles não tinham um padrão facilmente explicável",
disse no mês passado o ex-presidente democrata Barack Obama em entrevista ao
apresentador James Corden.
O presidente Joe Biden brincou
ao comentar a afirmação de Obama e evitou dar declarações mais específicas, mas
sua porta-voz, Jen Psaki, disse que o governo "leva muito a sério e
investiga cada um dos relatos de incursões de qualquer aeronave, identificada
ou não, no nosso espaço aéreo".
Nas últimas semanas, o debate
sobre OVNIs, por décadas considerado tabu, vem ganhando força e cobertura ampla
na imprensa americana, incluindo uma longa matéria na revista New Yorker, uma
das mais prestigiosas do país, e um especial no programa "60
Minutes", da rede CBS.
"Não acho que podemos
permitir que o estigma nos impeça de ter uma resposta a uma pergunta tão
fundamental", disse o senador republicano Marco Rubio ao "60
Minutes", ao observar que, enquanto alguns de seus colegas no Congresso
estão "muito interessados", outros riem sobre o assunto.
"Eu quero que isso seja
levado a sério e que haja um processo para levar isso a sério", afirmou
Rubio, que é vice-presidente da Comissão de Inteligência do Senado. "Talvez
haja uma explicação muito simples… talvez não".
John Ratcliffe, o diretor de
Inteligência Nacional durante o governo de Donald Trump, disse em entrevista à
Fox News em março que "há muito mais casos do que os divulgados ao
público" de objetos não identificados observados em "ações que são
difíceis de explicar, movimentos difíceis de replicar, para os quais não temos
tecnologia".
No ano passado, John Brennan,
que comandou a CIA (a agência central de inteligência americana) no governo
Obama, declarou em entrevista a um podcast
que achava "um pouco presunçoso e arrogante acreditar que não há outra
forma de vida em lugar algum do universo".
Em abril deste ano, Robert James
Woolsey, que foi diretor da CIA nos anos 1990, declarou ao site “Black Vault”
que não é mais "tão cético quanto era alguns anos atrás" sobre OVNIs.
Woolsey citou o fato de
fenômenos não explicados surpreenderem pilotos militares experientes. Em
depoimento ao "60 Minutes", pilotos da Marinha americana relataram
ter avistado aeronaves que apresentavam movimentos, aceleração, capacidade de
mudar de direção e submergir nunca vistos antes.
Um deles, o piloto aposentado
Ryan Graves, relatou que seu esquadrão começou a encontrar objetos não
identificados no espaço aéreo sobre o Estado da Virgínia a partir de 2014,
quando o sistema de radar dos caças foi modernizado, e que há relatos de outros
pilotos em situações do tipo "todos os dias" nos últimos anos.
Um dos episódios registrados em
vídeo ocorreu em 2004, quando dois caças da Marinha encontraram um objeto de
cor branca e formato oval e do tamanho de um avião comercial perto da costa de
San Diego, no Oceano Pacífico. O objeto tinha altíssima velocidade e era capaz
de parar subitamente. "Sem movimento ou trajetória previsíveis",
relatou a piloto aposentada Alex Dietrich, que estava em um dos caças.
Mudança de tom
Alguns dos episódios de
encontros entre caças militares e OVNIs já haviam sido relatados em uma
reportagem de capa publicada em 2017 pelo New York Times que, segundo
entusiastas, marcou o início da mudança de tom da mídia em relação ao assunto.
Além de incluir vídeos e relatos
sobre encontros de pilotos militares com OVNIs, a reportagem trazia pela
primeira vez a admissão do Pentágono sobre a existência de um programa dedicado
ao estudo desses fenômenos.
Esse programa teve início em
2007, quando o então senador democrata Harry Reid, na época líder da maioria no
Senado, conseguiu a liberação US$ 22 milhões (cerca de R$ 111 milhões) para
financiar o que ficou conhecido como Programa de Identificação de Ameaças
Aeroespaciais Avançadas. Reid representava o Estado de Nevada, onde fica a
chamada Área 51, instalação da Força Aérea em que são realizados testes
secretos.
"Até recentemente, muitos
pilotos militares temiam a possibilidade de retribuição por reportar fenômenos
aéreos não identificados", escreveu Reid recentemente em um artigo de
opinião no New York Times.
Segundo Reid, esse tabu pode
"prejudicar a segurança nacional e entravar oportunidades de avanço
técnico". "Eu nunca busquei provar que existe vida além da Terra. Mas
se a ciência provar que existe, eu não tenho nenhum problema com isso",
escreveu Reid.
A mudança de tom em Washington
também é resultado de anos de esforços por parte de alguns entusiastas sobre o
tema. O ativista político Stephen Bassett é um dos principais nomes, com
atuação na área desde 1996.
"Meu principal trabalho é
fazer com que o governo americano finalmente confirme a presença de
extraterrestres", diz Bassett em entrevista à BBC News Brasil. "É o
que chamamos de Revelação, com letra maiúscula".
Bassett acredita que o momento
atual representa o fim do que chama de "embargo da verdade" sobre
OVNIs. Ele questiona a informação antecipada pela imprensa americana de que uma
das explicações no relatório a ser divulgado seria a de que alguns dos objetos
não identificados têm tecnologia avançada de outros países.
"Os Estados Unidos têm a
tecnologia militar mais avançada do mundo. Todos no Pentágono sabem
disso", afirma. "A única explicação para milhares de episódios do
tipo desde 1947 é extraterrestre".
A fascinação do público em
relação a OVNIs é antiga, e há relatos de supostos encontros desde a década de
1940. Na época o governo chegou a estudar esses fenômenos, temendo que pudessem
ser armas dos inimigos soviéticos. Nas décadas 1950 e 1960, a Força Aérea
americana liderou um programa para analisar relatos de OVNIs. Dos 12 mil casos
analisados até o encerramento do programa, em 1969, mais de 700 não puderam ser
explicados.
Mas foi somente há alguns anos
que pilotos militares americanos começaram a falar mais abertamente sobre
episódios do tipo que presenciaram, ao mesmo tempo em que alguns políticos e
agentes de inteligência também passaram a demonstrar publicamente interesse
sobre o tema.
"Isso costumava ser o tipo
de coisa que acabava com uma carreira", disse ao site "Politico"
o chefe de gabinete da Casa Branca no governo de Bill Clinton, John Podesta,
cujo interesse sobre o tema vem de décadas. "Isso claramente mudou, o que
é bom".
Futuro
Para Bassett, a mudança ocorreu
a partir de 2017, com o anúncio da criação de um grupo não-governamental
chamado "To the Stars Academy of Arts & Sciences" ("Academia
de Artes e Ciências para as Estrelas", em tradução livre). Bassett
salienta o fato de que muitos dos integrantes do grupo haviam trabalhado no
complexo militar ou de inteligência dos Estados Unidos.
Logo os vídeos e depoimentos de
militares sobre encontros com OVNIs começaram a ser cobertos pela imprensa, em
um movimento que foi ganhando força até que, no ano passado, o Departamento de
Defesa reconheceu a autenticidade de alguns dos vídeos e anunciou a
força-tarefa para analisar esses fenômenos.
Bassett ressalta que a cobertura
da imprensa e o fato de algumas testemunhas militares terem ido a público
inicialmente diminuiu o estigma e o risco para outros que quisessem seguir o
mesmo caminho e falar abertamente sobre suas experiências.
O ativista diz esperar que a
divulgação do relatório leve a audiências no Congresso, com a participação de
testemunhas militares, e a um futuro anúncio do presidente americano sobre
"a presença de extraterrestres interagindo com a raça humana".
Nem todos compartilham dessa
opinião, e o novo interesse por OVNIs atrai muitos críticos. Alguns consideram
o financiamento desse tipo de programa um gasto desnecessário e uma estratégia
do Pentágono para aumentar seu orçamento.
Outros, como Mick West, criador
de um fórum para desmentir teorias da conspiração, acreditam que a explicação
para os vídeos desses supostos objetos está em simples detalhes técnicos, como
configurações da câmera.
Mas pesquisa Gallup de 2019
indica que 68% dos americanos acham que o governo sabe mais sobre OVNIs do que
admite publicamente. Segundo o levantamento, 33% acreditam que alguns desses
objetos são aeronaves de outros planetas.
Na casa do
Pai há muitas moradas
Jesus
(João 14:2)
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