Allan Kardec
Há alguns dias o Morning-Post contava a estranha
história de um cão que se teria suicidado. O animal pertencia a um Sr. Home, de
Frinsbury, perto de Rochester. Parece que certas circunstâncias o tinham como
suspeito de hidrofobia e que, por conseguinte, o evitavam e o mantinham
afastado da casa tanto quanto possível. Ele parecia experimentar muito pesar
por ser assim tratado, e durante alguns dias notaram que estava de mau humor,
sombrio e angustiado, mas sem mostrar ainda nenhum sintoma da raiva.
Quinta-feira viram-no deixar o seu nicho e dirigir-se para a residência de um
amigo íntimo de seu dono, em Upnor, onde recusaram acolhê-lo, o que lhe arrancou
um grito lamentoso.
Depois de ter
esperado algum tempo diante da casa, sem conseguir ser admitido em seu
interior, decidiu partir e viram-no ir para o lado do rio, que passa perto de
lá, descer a ribanceira com passo deliberado; em seguida, e após voltar-se e
soltar uma espécie de uivo de adeus, entrou no rio, mergulhou a cabeça na água
e, ao cabo de um ou dois minutos, reapareceu sem vida à superfície.
Segundo dizem, este
ato de suicídio extraordinário foi testemunhado por grande número de pessoas. O
gênero de morte prova claramente que o animal não era hidrófobo.
Este fato parece
muito extraordinário. Sem dúvida encontrará incrédulos. Contudo, diz o Droit, não lhe faltam precedentes.
A História nos
conservou a lembrança de cães fiéis, que se deram a uma morte voluntária, para
não sobreviverem aos seus donos. Montaigne cita dois exemplos tomados da
Antiguidade: ‘Hyrcanus, o cão do rei Lysimachus, seu dono morto, ficou
obstinado sobre sua cama, sem querer beber nem comer, e no dia em que queimaram
o corpo, correu e atirou-se ao fogo, onde foi queimado. O mesmo sucedeu com um
cão chamado Pyrrhus, porque não saiu de cima do leito do seu dono desde que
este morreu; e quando o levaram, deixou-se levar e, finalmente, lançou-se na
fogueira onde queimava o corpo de seu dono.’ (Ensaios, livro II, capítulo XII).
Nós mesmos registramos, há alguns anos, o fim trágico de um cão que, tendo
incorrido na desgraça de seu dono, e não achando consolo, tinha-se precipitado
do alto de uma passarela no canal Saint-Martin. O relato muito circunstanciado
que então fizemos do caso jamais foi contraditado, nem deu lugar a qualquer
reclamação das partes interessadas.
Petit Journal, 15 de maio de 1866
Não faltam exemplos de suicídio entre os animais.
Como foi dito acima, o cão que se deixa morrer de inanição
pelo pesar de haver perdido o dono, comete um verdadeiro suicídio. O escorpião,
cercado por carvões em brasa, vendo que dali não pode sair, mata-se. É uma
analogia a mais a constatar entre o espírito do homem e o dos animais.
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