terça-feira, 18 de maio de 2021

A CLAREZA[1]

 

Diógenes


Allan Kardec

 

(Sociedade de Paris, 5 de janeiro de 1866 – Médium: Sr. Leymarie)

 

Conceder-me-íeis hospitalidade para a vossa primeira sessão de 1866? Abraçando-o fraternalmente, desejo vos apresentar votos amigos; que possais ter muitas satisfações morais, muita vontade e caridade perseverante.

Neste século de luz, o que mais falta é clareza! Os semissábios, os papões da imprensa, fizeram valentemente o trabalho da aranha, para obscurecer, por meio de um tecido supostamente liberal, tudo o que é claro, tudo que aclara.

Caros espíritas, encontrastes em todas as camadas sociais esta força de raciocínio que é a marca da inteligência dos seres bem-sucedidos? Ao contrário, não tendes a certeza de que a grande maioria de vossos irmãos apodrece numa ignorância malsã? Por toda parte as heresias e as más ações! As boas intenções, viciadas em seu princípio, caem uma a uma, semelhantes a esses belos frutos, cujo cerne um verme rói e o vento lança por terra. A clareza nos argumentos, no saber, acaso teria escolhido domicílio nas academias, entre os filósofos, os jornalistas ou os panfletários?... Ao que parece, poder-se-ia duvidar, vendo-os, a exemplo de Diógenes, de lanterna à mão, procurar uma verdade em pleno sol.

Luz, claridade, sois a essência de todo movimento inteligente! Logo inundareis com os vossos raios benfazejos os mais obscuros refolhos desta pobre Humanidade; sois vós que tirareis do lamaçal tantos terrícolas pasmados, embrutecidos, espíritos infelizes que devem ser purificados pela instrução, pela liberdade e, sobretudo, pela consciência de seu valor espiritual. A luz expulsará as lágrimas, as penas, os sombrios desesperos, a negação das coisas divinas, todas as más vontades! Sitiando o materialismo, ela o forçará a não mais se abrigar por trás dessa barreira factícia, carcomida, de onde arremessa desajeitadamente suas flechas sobre tudo quanto não é obras sua.

Mas as máscaras serão arrancadas e então saberemos se os prazeres, a fortuna e o sensualismo são mesmo os emblemas da vida e da liberdade. A clareza é útil em tudo e a todos; no embrião como no homem é preciso luz! Sem ela tudo marcha às cegas e, às apalpadelas, a alma busca a alma.

Que se faça uma noite eterna! Logo as coisas harmoniosas desaparecerão de vosso globo, as flores estiolar-se-ão, as grandes árvores serão destruídas; os insetos, a Natureza inteira não mais darão esses mil ruídos, a eterna canção de Deus! Os regatos banharão barrancos desolados; o frio terá tudo mumificado, a vida terá desaparecido!...

É o mesmo para o Espírito. Se fizerdes noite em seu redor, ele ficará doente; o frio petrificará suas tendências divinas; o homem, como na Idade Média, entorpecer-se-á, semelhante em sua alma às solidões selvagens e desoladas das regiões boreais!

É por isto, espíritas, que vos deveis a todas as clarezas. Mas antes de aconselhar e ensinar, começai primeiro por esclarecer os menores recônditos de vossa alma. Quando, bastante depurados para nada temer, puderdes elevar a voz, o olhar, o gesto, fareis uma guerra implacável à sombra, à tristeza, à ausência de vida; ensinareis as grandes leis espíritas aos irmãos que nada sabem do papel que Deus lhes assinala.

1866, possas tu, para os anos por vir, ser esta estrela luminosa, que conduzia os reis magos para a manjedoura de uma humilde criança do povo. Eles vinham render homenagem à encarnação que devia representar, no mais vasto sentido, o Espírito de Verdade, esta luz benfeitora que transformou a Humanidade. Por esse menino tudo foi realizado! É bem ele que eterniza a graça e a simplicidade, a caridade, a benevolência, o amor e a liberdade.

O Espiritismo, estrela luminosa que também é, deve rasgar, como o fez aquela há dezoito séculos, o véu sombrio dos séculos de ferro, conduzir os terrícolas à conquista das verdades prometidas. Saberá ele bem se desvencilhar das tempestades que nos prometem as evoluções humanas e as resistências desesperadas da ciência em apuros? É o que vós todos, meus amigos, e nós, vossos irmãos da erraticidade, somos chamados a melhor acusar, inundando este ano com as claridades conquistadas.

Trabalhar com este objetivo é ser adepto do Menino de Belém, é ser filho de Deus, de quem emanam toda luz e toda clareza.

Sonnez



[1] Revista Espírita – Fevereiro/1867 – Allan Kardec

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