Allan Kardec
Como podemos avaliar a liberdade
do Espírito durante o sono?
‒ Pelos sonhos.
Sabeis que, quando o corpo repousa, o Espírito dispõe de mais faculdades que no
estado de vigília. Tem a lembrança do passado e às vezes a previsão do futuro;
adquire mais poder e pode entrar em comunicação com os outros Espíritos, seja
deste mundo, seja de outro. Frequentemente dizes: "Tive um sonho bizarro,
um sonho horrível, mas que não tem nenhuma verossimilhança". Enganas-te. É
quase sempre uma lembrança de lugares e de coisas que viste ou que verás numa
outra existência ou em outra ocasião. O corpo estando adormecido, o Espírito
trata de quebrar as suas cadeias para investigar no passado ou no futuro.
Pobres homens, que
conheceis tão pouco dos mais ordinários fenômenos da vida! Acreditais ser muito
sábios, e as coisas mais vulgares vos embaraçam. A esta pergunta de todas as
crianças: "O que é que fazemos quando dormimos; o que são os sonhos?"
Ficais sem resposta.
O sono liberta
parcialmente a alma do corpo. Quando o homem dorme, momentaneamente se encontra
no estado em que estará de maneira permanente após a morte. Os Espíritos que
logo se desprendem da matéria, ao morrerem, tiveram sonhos inteligentes. Esses
Espíritos, quando dormem, procuram a sociedade dos que lhes são superiores:
viajam, conversam e se instruem com eles; trabalham mesmo em obras que
encontram concluídas, ao morrer. Destes fatos deveis aprender, uma vez mais, a
não ter medo da morte, pois morreis todos os dias, segundo a expressão de um
santo. Isto, para os Espíritos elevados; pois a massa dos homens que, com a
morte, devem permanecer longas horas nessa perturbação, nessa incerteza de que
vos têm falado, vão, seja a mundos inferiores à Terra, onde antigas afeições os
chamam, seja à procura de prazeres talvez ainda mais baixos do que possuíam
aqui; vão beber doutrinas ainda mais vis, mais ignóbeis, mais nocivas do que as
que professavam entre vós. E o que engendra a simpatia na Terra não é outra
coisa senão o fato de nos sentirmos, ao acordar, ligados pelo coração àqueles
com quem acabamos de passar oito ou nove horas de felicidade ou de prazer. O
que explica também as antipatias invencíveis é que sentimos, no fundo do
coração, que essas pessoas têm uma consciência diversa da nossa, porque as
conhecemos sem jamais as ter visto. É ainda o que explica a indiferença, pois
não procuramos fazer novos amigos quando sabemos ter os que nos amam e nos
querem. Numa palavra: o sono influi mais do que pensais, sobre a vossa vida.
Por efeito do sono,
os Espíritos encarnados estão sempre em relação com o mundo dos Espíritos, e é
isso o que faz que os Espíritos superiores consintam, sem muita repulsa, em
encarnar-se entre vós. Deus quis que, durante o seu contato com o vício,
pudessem eles retemperar-se na fonte do bem, para não falirem, eles que vinham
instruir os outros. O sono é a porta que Deus lhes abriu para o contato com os
seus amigos do céu; é o recreio após o trabalho, enquanto esperam o grande
livramento, a libertação final, que deve restituí-los ao seu verdadeiro meio.
O sonho é a
lembrança do que o vosso Espírito viu durante o sono; mas observai que nem
sempre sonhais, porque nem sempre vos lembrais daquilo que vistes, ou de tudo o
que vistes. Isso porque não tendes a vossa alma em todo o seu desenvolvimento;
frequentemente não vos resta mais do que a lembrança da perturbação que acompanha
a vossa partida e a vossa volta, a que se junta a lembrança do que fizestes ou
do que vos preocupa no estado de vigília. Sem isto, como explicaríeis esses
sonhos absurdos, a que estão sujeitos tanto os mais sábios quanto os mais
simples? Os maus Espíritos também se servem dos sonhos para atormentar as almas
fracas e pusilânimes.
De resto, vereis
dentro em pouco desenvolver-se uma outra espécie de sonhos; uma espécie tão
antiga como a que conheceis, mas que ignorais. O sonho de Joana, o sonho de Jacó,
o sonho dos profetas judeus e de alguns adivinhos indianos: esse sonho é a
lembrança da alma inteiramente liberta do corpo, a recordação dessa segunda
vida de que há pouco eu vos falava.
Procurai distinguir
bem essas duas espécies de sonhos, entre aqueles de que vos lembrardes; sem
isso, cairíeis em contradições e em erros que seriam funestos para a vossa fé.
Os
sonhos são o produto da emancipação da alma, que se torna mais independente
pela suspensão da vida ativa e de relação. Daí uma espécie de clarividência
indefinida, que se estende aos lugares, os mais distantes ou que jamais se viu,
e algumas vezes mesmo a outros mundos. Daí também a lembrança que retraça na
memória os acontecimentos verificados na existência presente ou nas existências
anteriores. A extravagância das imagens referentes ao que se passa ou se passou
em mundos desconhecidos, entremeadas de coisas do mundo atual, formam esses
conjuntos bizarros e confusos que parecem não ter nem senso, nem nexo.
A
incoerência dos sonhos ainda se explica pelas lacunas decorrentes da lembrança
incompleta do que nos apareceu no sonho. Tal como um relato ao qual se tivessem
truncado frases ou partes de frases ao acaso: os fragmentos restantes, sendo
reunidos, perderiam toda significação racional. (Allan Kardec)
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