Prof. Beat Christen - ETH - 10/06/2020
Neste artigo de opinião, o
professor Beat Christen, da Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça,
discute as oportunidades e as necessárias cautelas no desenvolvimento da
biologia sintética e dos organismos vivos projetados pelo homem.
Seres vivos
sintéticos
Toda criatura viva na terra tem
pais, avós, bisavós e assim por diante - representando uma linhagem
ininterrupta de ancestralidade desde os primeiros organismos que viveram aqui,
bilhões de anos atrás.
Em breve teremos formas de vida
que não têm essa linhagem direta. Os primeiros desses organismos sintéticos
serão bactérias. Bioengenheiros usarão os computadores para desenvolver essas
bactérias e adaptá-las especificamente para aplicações na medicina, indústria
ou agricultura. Com a ajuda de sintetizadores de DNA, eles construirão os
genomas dessas bactérias do zero, para produzir formas de vida artificiais.
Eu não estou falando de
organismos nos quais apenas genes individuais foram alterados - uma técnica que
tem sido aplicada em biotecnologia e melhoramento de culturas há décadas, e que
as tesouras de genes CRISPR de hoje tornaram muito simples. Não, quero dizer
organismos para os quais os bioengenheiros literalmente desenvolveram o genoma
do zero, para que possam sintetizá-lo em laboratório.
Essas formas de vida
artificiais, sem mãe ou pai, podem parecer ficção científica, mas estou
convencido de que, em breve, elas serão uma realidade. Os requisitos
científicos e técnicos necessários para a fabricação desses organismos já estão
aí.
Avanços tecnológicos
Por um lado, podemos nos basear
nas realizações de várias décadas de pesquisa em biologia molecular e de
sistemas. Atualmente, entendemos os "diagramas da vida" com um grande
grau de detalhe. Os bancos de dados digitais armazenam mais de 200.000
sequências de genomas de uma ampla gama de organismos, fornecendo acesso a
diversos planos de construção molecular. Combinando ou modificando de modo
criativo as funções genéticas conhecidas, os bioengenheiros podem desenvolver
microrganismos com características novas e úteis.
Além disso, há apenas alguns
anos, sintetizar genomas inteiros de microrganismos do zero ainda consumia
muito tempo e implicava um feito enorme - e financeiramente desencorajador.
Hoje, graças aos algoritmos de computador, é possível simplificar os genomas
para que eles sejam mais fáceis de se produzir. Os métodos de síntese de DNA
também se tornaram muito mais eficientes graças aos avanços tecnológicos. Os
bioengenheiros hoje são capazes de imprimir moléculas de DNA rápida e
precisamente, diretamente sobre um chip de silício.
Esses avanços em breve
permitirão aos bioengenheiros projetar um genoma na prancheta, implantá-lo em
envelopes celulares e, assim, desenvolver microrganismos para novas aplicações
úteis.
Amplas áreas de
aplicação
Esses organismos oferecem muitas
oportunidades - particularmente na medicina e na fabricação biotecnológica de
agentes terapêuticos. Permitam-me destacar apenas alguns exemplos: Um é a
produção de vacinas - desenvolver e fabricar uma vacina é uma corrida contra o
tempo - não apenas para a gripe sazonal, mas especialmente para surtos de
doenças emergentes, como estamos enfrentando atualmente com a pandemia de
coronavírus.
Bactérias artificiais podem ser
usadas como um novo tipo de vacina: É concebível produzir bactérias que sejam
completamente inofensivas ao corpo humano, mas carreguem fragmentos de
patógenos em sua superfície. Esses organismos poderiam ensinar o sistema
imunológico a reconhecer eficientemente os patógenos e se defender contra eles.
Essa abordagem é significativamente mais rápida e barata do que a produção
convencional e cara de vacinas à base de proteínas.
Como um segundo exemplo,
bactérias artificiais podem servir como organismos de produção. Eles poderiam
simplificar a fabricação biotecnológica de ingredientes ativos e permitiriam a
produção de compostos químicos mais complexos. Os processos convencionais de
produção química, que são baseados principalmente em combustíveis fósseis,
podem ser transformados em processos de fabricação biotecnológica sustentável.
Um terceiro caso de uso é o
diagnóstico e a terapia baseados em células. Um exemplo disso são as células
bacterianas que detectam células cancerígenas no corpo humano e as atacam
diretamente produzindo substâncias ativas. As bactérias artificiais também
podem fabricar metabólitos importantes no trato digestivo dos pacientes para
tratar distúrbios metabólicos.
Finalmente, eu gostaria de
abordar a agricultura, que atualmente enfrenta grandes desafios globais, como
segurança alimentar, sustentabilidade e adequação às mudanças climáticas. Uma
abordagem promissora para superar esses desafios é o desenvolvimento de
micróbios artificiais para o solo que protejam as mudas ou produzam
fertilizantes diretamente do nitrogênio no ar.
Discussão e
regulamentação são necessárias
Juntamente com as grandes
oportunidades, a nova tecnologia implica um risco de uso indevido.
Como cientistas, nós devemos
reconhecer toda a extensão do impacto que essa tecnologia poderia ter e
abordá-lo com visão de futuro e responsabilidade.
Também precisamos iniciar um
diálogo abrangente com todas as partes interessadas. Os conjuntos de
regulamentos nacionais e internacionais atuais sobre a fabricação e o comércio
de DNA sintético devem ser ampliados.
Por fim, deve ser nosso objetivo
empregar organismos artificiais para o benefício da sociedade como um todo,
mantendo ao mínimo o risco de uso indevido.
Cabe a nós cientistas, assim
como aos tomadores de decisão e legisladores, garantir que essa tecnologia seja
usada, e com permissão para ser usada, para produzir o maior benefício possível
à sociedade.
Bibliografia:
Artigo: Chemical
synthesis rewriting of a bacterial genome to achieve design flexibility and
biological functionality
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