terça-feira, 30 de junho de 2020

A LEI HUMANA[1]


INSTRUÇÃO DO ESPÍRITO BONNAMY, PAI



A lei humana, como todas as coisas, está submetida ao progresso; progresso lento, insensível, mas constante.
Por mais admiráveis que sejam, para certas pessoas, as legislações antigas dos gregos e dos romanos, são muito inferiores às que governam as populações adiantadas de vossa época!

Com efeito, que vemos na origem de todos os povos?
– Um código de usos e costumes tirando a sua sanção da força e tendo por motor o mais absoluto egoísmo.
Qual o objetivo de todos os legisladores primitivos?
– Destruir o mal e seus instrumentos, para maior paz da sociedade.
Preocupam-se com o criminoso?
– Não.
Ferem-no para corrigi-lo e lhe mostrar a necessidade de uma conduta mais moderada em relação aos seus concidadãos? Têm em vista o seu melhoramento?
– De modo algum; é exclusivamente para preservar a sociedade de seus ataques, sociedade egoísta, que rejeita impiedosamente de seu seio tudo quanto possa perturbar a sua tranquilidade. Assim, todas as repressões são excessivas e a morte é, geralmente, a pena mais aplicada.

Isto é concebível quando se considera a ligação íntima que existe entre a lei e o princípio religioso. Ambos avançam concordes para um objetivo único, amparando-se mutuamente.

Consagra a religião os prazeres materiais e todas as satisfações dos sentidos?
‒ A lei dura e excessiva fere o criminoso para livrar a sociedade de um hóspede importuno.
A religião se transforma, consagra a vida da alma e sua independência da matéria?
‒ Ela reage imediatamente sobre a legislação, demonstra-lhe a responsabilidade que lhe incumbe, no futuro, do violador da lei. Daí a assistência do ministro, seja qual for, nos últimos momentos do condenado. Ainda o ferem, mas já se preocupam com este ser que não morre inteiramente com o seu corpo, e cuja parte espiritual vai receber o castigo que os homens infligiram ao elemento material.

Na Idade Média e desde a era cristã, a legislação recebe do princípio religioso uma influência cada vez mais notável. Ela perde pouco de sua crueldade, mas seus móveis, ainda absolutos e cruéis, mudaram completamente de direção.
Assim como a ciência, a filosofia e a política, a jurisprudência tem suas revoluções, que não se devem operar senão lentamente, para serem aceitas pela generalidade dos seres a quem interessam. Uma nova instituição, para dar frutos, não deve ser imposta. A arte do legislador é preparar os espíritos de maneira a fazê-la desejar e considerar como um benefício... Todo inovador, por melhores que sejam as boas intenções que o animem, por mais louváveis os seus desígnios, será considerado como um déspota, cujo jugo é preciso sacudir, se quiser impor-se, ainda mesmo que por benefícios.  
Por seu princípio, o homem é essencialmente livre e quer aceitar sem constrangimento. Daí as dificuldades que encontram os homens muito avançados para o seu tempo; daí as perseguições com que são esmagados. Vivendo no futuro, com um século ou dois de avanço sobre a massa de seus contemporâneos, não podem senão fracassar e quebrar-se contra a rotina refratária.
Na Idade Média, portanto, já se preocupavam com o futuro do criminoso. Pensavam em sua alma e, para levá-la ao arrependimento, amedrontavam-na com os castigos do inferno, com as chamas eternas que, por um arrastamento culposo, lhe infligiria um Deus infinitamente justo e infinitamente bom!
Não podendo elevar-se à altura de Deus, os homens, para se engrandecer, o rebaixavam às suas mesquinhas proporções! Inquietavam-se com o futuro do criminoso! Pensavam em sua alma, não por ela própria, mas em virtude de uma nova transformação do egoísmo, que consistia em pôr a consciência em repouso, reconciliando o pecador com o seu Deus.
Pouco a pouco, no coração e no pensamento de um pequeno número, a iniquidade de semelhante sistema pareceu evidente. Eminentes espíritos tentaram modificações prematuras, mas que, no entanto, deram fruto, estabelecendo precedentes sobre os quais se baseia a transformação que hoje se realiza em todas as coisas.
Sem dúvida por muito tempo ainda, a lei será repressiva e castigará os culpados. Ainda não chegamos ao momento em que só a consciência da falta será o mais cruel castigo de quem a cometeu. Mas, como vedes todos os dias, as penas se abrandam; tem-se em vista a moralização do ser; criam-se instituições para preparar a sua renovação moral; tornam a sua desonra útil a si próprio e à sociedade. O criminoso não será mais a fera a ser expurgada do mundo a qualquer preço; será a criança extraviada cujo raciocínio, falseado pelas más paixões e pela influência de um meio perverso, deve ser corrigido!
Ah! O magistrado e o juiz não são os únicos responsáveis e os únicos a agir neste caso. Todo homem de coração, príncipe, senador, jornalista, romancista, legislador, professor e artesão, todos devem pôr a mão na obra e trazer o seu óbolo para a regeneração da Humanidade.
A pena de morte, vestígio infamante da crueldade antiga, desaparecerá pela força das coisas. A repressão, necessária no estado atual, abrandar-se-á paulatinamente e, em algumas gerações, a única condenação, a colocação fora da lei de um ser inteligente, será o último grau da infâmia, até que, de transformação em transformação, a consciência de cada um fique como único juiz e carrasco do criminoso.
E a quem se deverá todo esse trabalho? Ao Espiritismo que, desde o começo do mundo, age por suas revelações sucessivas, como mosaísmo, cristianismo e espiritismo propriamente dito! Por toda parte, em cada período, sua benéfica influência brilha a todos os olhos, e ainda há seres bastante cegos para não o reconhecer, bastante interessados para derrubá-lo e negar a sua existência! Ah! Esses devem ser lamentados, porque lutam contra uma força invencível: o dedo de Deus!

Bonnamy, pai (Médium: Sr. Desliens)




[1] Revista Espírita – Março/1866 – Allan Kardec

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