Fóssil encontrado na Etiópia põe em xeque teorias sobre evolução da
espécie humana
Giuliana Viggiano
A face de uma das espécies de
hominídeos mais antigas da história foi revelada graças à descoberta de um
crânio de 3,8 milhões de anos na Etiópia. O espécime pode ajudar a trazer mais
informações sobre os primeiros membros da árvore evolutiva humana, e pode mudar
a percepção atual sobre o assunto.
O fóssil pertence ao hominídeo
antigo Australopithecus anamensis,
considerado o ancestral direto da espécie Australopithecus
afarensis — da qual pertence Lucy, esqueleto encontrado em 1974 que ficou
famoso em todo o mundo. Segundo especialistas, esses humanos ancestrais
começavam a andar sobre duas pernas, mas ainda tinham rostos salientes
distintamente semelhantes a macacos, mandíbulas destacadas e cérebros pequenos.
"Até agora, A. anamensis era conhecido apenas por
ossos parciais da mandíbula superior e inferior, dentes isolados, uma pequena
parte do cérebro e alguns ossos dos membros", escreveram os responsáveis
pela descoberta na revista “Nature”. É por isso que esses hominídeos não são
tão conhecidos como Lucy, mesmo sendo mais velhos – têm entre 4,2 e 3,9 milhões
de anos, enquanto Lucy data de 3,4 milhões de anos atrás.
O estudo
O crânio foi encontrado por
arqueólogos do projeto Woranso-Mille, que realiza pesquisas de campo na região
central de Afar, na Etiópia, desde 2004. O programa coletou mais de 12,6 mil
amostras fósseis, representando 85 espécies de mamíferos.
Desses, cerca de 230 artefatos pertenceram
a hominídeos e datam de mais de 3,8 milhões a 3 milhões de anos. Mesmo assim, a
descoberta foi uma surpresa para os pesquisadores. "Não pude acreditar nos
meus olhos quando avistei o resto do crânio. Foi um momento eureka e um sonho
tornado realidade", disse Yohannes Haile-Selassie, um dos especialistas,
em comunicado.
Com 3,8 milhões de anos, o objeto
ilustra o intervalo de tempo entre os 4,1 e 3,6 milhões de anos atrás, quando o
A. anamensis deu origem ao A. afarensis. Sendo assim, juntamente
com outros fósseis descobertos antes, a análise do crânio permitiu concluir que
as espécies coexistiram por aproximadamente 100 mil anos.
Essa sobreposição temporal
desafia a ideia amplamente aceita de anagênese – a transição linear entre esses
dois Australopitecos. "Esse é um divisor de águas na nossa compreensão da
evolução humana durante o Plioceno", pontuou Haile-Selassie.
Para outros antropólogos,
contudo, essa sugestão ainda não é conclusiva. De acordo com William Kimbel, da
Universidade Estadual do Arizona nos Estados Unidos, não se pode ter certeza de
que o osso é de um A. afarensis.
"É difícil afirmar que esse espécime fragmentário pertence à afarensis e
não à própria anamensis", ele disse ao portal New Scientist.
Como só se tem conhecimento de
um outro crânio da espécie para compará-lo, não é possível saber o quão
variável a espécie era. "Isso não significa que eles estejam errados, mas
precisamos de mais fósseis", acrescentou Kimbel.
Além disso, recentemente o A. afarensis, que aparece no registro
fóssil até pelo menos 3 milhões de anos atrás, tem sido considerado um
candidato provável a originar à linhagem Homo. Mesmo assim, a tese de que
várias linhagens diferentes coexistiram torna essa hipótese muito menos certa,
segundo os pesquisadores.
“Provavelmente uma pequena
população de A. anamensis se isolou
da população principal, passou por grandes mudanças e, com o tempo, se
distinguiu das espécies-mães de A.
anamensis", ponderou Haile-Selassie, segundo o Smithsonian.
"Provavelmente foi assim que A.
afarensis apareceu".
Sobre o assunto, a colega de
pesquisa do especialista, Stephanie Melillo, do Instituto Max Planck de
Antropologia Evolucionária, concorda. "Ter várias espécies ancestrais
candidatas no tempo e no lugar certos torna mais difícil determinar o que deu
origem ao Homo", ela afirmou ao “The Guardian”.
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