Marcelo Henrique Pereira
Inegavelmente, o Espiritismo
possui um caráter consolador. Kardec, mesmo, antes de escrever sua obra
espírita “mais religiosa” – O Evangelho
segundo o Espiritismo – OESE (1864) ‒, já havia, na Revue Spirite, desde 1858, como, também, em O que é o Espiritismo (1859) e Viagem
Espírita em 1862 (1863), destacado a importância do consolo pelo
esclarecimento, dissipando nuvens e afastando explicações míticas ou místicas,
dadas pelas religiões de todos os tempos, sobretudo com foco nas “penas e gozos
terrestres”, isto é, da presente encarnação, e nas “penas e gozos futuros”,
antevendo as situações dos Espíritos no porvir.
Presentemente, em face da
situação de perplexidade, desânimo e até desespero em relação à pandemia deste
ano de 2020, em todo o planeta, vamos buscar um texto que está inserido n’O
evangelho espírita, pontualmente no Capítulo XIII, intitulado “Os infortúnios
ocultos”.
Infortúnios são desditas,
contratempos, adversidades ou infelicidades que os homens experimentam em sua
experiência na carne. Ocultos porque, à vista dos olhos materiais, aqueles que
estejam experimentando o desafio da pandemia, em geral, nada fizeram
conscientemente para estarem suportando os efeitos ou resultados. Isto é, é oculta
(desconhecida) a causa direta para que estejam perpassando as dificuldades
inerentes ao cataclismo instalado no orbe. Ou, como pontua o Codificador no
trecho em destaque, há sofrimentos que não se tornam conhecidos de muitas
pessoas, nos quais as vítimas silenciosamente suportam as dores.
Logo na abertura da mencionada
dissertação, Kardec escreve de próprio punho (itens 4 a 8 do aludido capítulo),
que na ocorrência calamitosa é a caridade que se expressa e avulta, podendo ser
verificados impulsos generosos em grande parte das pessoas (e instituições
sociais). A atenção se volta para os grandes desastres, mas, no âmago das
sociedades e das famílias há desastres menores que podem passar despercebidos.
E o conselho fraternal do professor francês vai no sentido de se descobrir ONDE
estão os que sofrem em silêncio, sem se queixarem ou sem pedir assistência.
O componente principal nestes
dias de pranto e ranger de dentes – remontando aos escritos evangélicos – está
na SOLIDARIEDADE, na fraternidade, na caridade abnegada que muitos,
anonimamente, dispensam aos seus compatriotas, mitigando-lhes dores e
amparando-os no que seja urgente e possível.
Se formos atentos e não nos
deixarmos levar pela “onda de pessimismo” e de contrariedades várias que tomam
de assalto muitas pessoas, que buscam notícias em sites especializados, os que
os recebem por postagens nas redes sociais ou os que acessam aos noticiários
televisivos, diariamente, podemos verificar a divulgação das BOAS AÇÕES que são
comuns neste tempo de penúria e consternação geral.
Aqui, uma idosa confecciona em
sua velha máquina de costura, máscaras caseiras para a proteção dos que não
podem adquiri-las nas farmácias. Ali, um grupo de voluntários se dispõe a
arrecadar mantimentos e produtos de higiene pessoal e limpeza, para entregar no
centro comunitário da periferia. Adiante, o morador de grande condomínio, em
que há muitos idosos e pessoas em debilidade física, se predispõe a pegar-lhes
as listas de compras de gêneros alimentícios e produtos de primeira necessidade,
indo ao mercado e voltando com os suprimentos. Mais além, é a associação de
bairro que abriu uma conta bancária específica para arrecadar donativos para a
localidade municipal em que há o maior número de segregados sociais (pessoas em
grave situação de vulnerabilidade social). E muitos outros exemplos há por aí.
Importa registrar que tal
caridade se assemelha à descrita pelo Homem de Nazaré, seja em relação aos
gestos do Samaritano, seja em sede das ações da viúva e seu óbolo, quando
Kardec registra fato real, da França daqueles dias de penúria, que deixa a
túnica em casa e se veste de forma simples, justamente para não afrontar os
beneficiários do gesto, em face do distanciamento econômico-social, naquele
momento, e, mais ainda, leva consigo a filha menor para que ela presencie o ato
abnegado e angarie, com a experiência do momento, os preciosos valores que,
segundo o Rabi, não quedariam inertes e à mercê dos ratos ou das aves do céu.
Virtudes que sobreviveriam a outras intempéries e direcionariam, também, atos
futuros.
E como a mocinha se inspira na
mãe, tal a força do exemplo, também ela pode, com suas próprias mãos, minorar o
sofrimento alheio. “Quando visitamos os doentes, tu me ajuda a tratá-los” – diz
a mãe à menina-moça que ensaia o ensino-aprendizagem do exemplo. A mulher de
bem – descrita mais à frente, no mesmo OESE, Capítulo XVII, “Sede Perfeitos”,
item 3 (“O homem de bem” – gênero humano e não atributo da masculinidade
física), ali está, plenamente caracterizada e atuante, sem receios nem
titubeações. Por isso, Kardec pontua: “aquela mãe verdadeiramente cristã
prepara a filha para a prática das virtudes que o Cristo ensinou. É espírita
ela? Que importa!”.
Se Erasto, S. Luís ou A Verdade
tivessem algo a dizer, neste momento em que a Humanidade – e o movimento dos
espíritas, em particular – se pergunta sobre os “porquês” da pandemia, suas
causas e consequências (sobretudo as de cunho espiritual), não há qualquer
chancela de “status” a diferenciar os homens. Não se faz, em meio à catástrofe
instalada nos quatro cantos da terra, qualquer pergunta relativa à crença,
religião ou filosofia que adotam.
Aos que atuam, com dedicação, em
relação ao sofrimento alheio NÃO SE PERGUNTA se são espíritas ou não. E,
também, caso haja um bom número de espíritas que não estejam, atualmente,
APENAS, preocupados com seus próprios botões (saúde pessoal e familiar), ou
temerosos ante o “futuro do planeta” (inclusive para compartilhar mensagens
bastante duvidosas, atribuídas a Espíritos, ou para relembrar a falácia mística
da “data limite”, tristemente vinculada a Chico Xavier, que jamais teria se
expressado neste sentido), trabalhando nos “infortúnios ocultos”, eles não
estarão necessitando de NENHUM RECONHECIMENTO. Como Kardec escreve ao final do
item 4, do capítulo em comento, todo aquele que assim age, “não deseja outra
aprovação, além da de Deus e da sua consciência”.
Silêncio, pois! A verdadeira
caridade não ocupa a ribalta!
Fonte: Casa Espírita Nova Era
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