Adriana Machado
Quando não sabemos onde jogar o
lixo que produzimos em nossa casa, ficamos por um bom tempo com ele armazenado.
Se formos proativos, buscaremos saber logo onde poderemos depositá-lo, mas se
afirmarmos que não temos tempo, acabaremos ficando com ele até que cheire mal e
nos incomode.
Essa visão não é muito diferente
daquilo que produzimos e armazenamos dentro de nós.
Quantas vezes, quando sentimos
algo, seja bom ou não tão bom, escondemos embaixo das nossas desculpas de
ocupados e não nos detemos em descobrir onde e como melhor descartamos tais
sentimentos? Quantas vezes, levamos esse lixo para cima e para baixo sem nos
atrevermos a questionarmo-nos sobre o que, onde e como achamos que é o melhor
jeito de descartá-lo[2]
?!
Se vocês observaram acima, eu
disse para descartarmos bons ou não tão bons sentimentos... Mas, então, o que
isso significa? Não seriam somente os ruins que deveríamos jogá-los fora?
Vamos explicar. Qualquer
sentimento que portarmos nos trará uma consequência em nosso mundo íntimo e se
não compreendermos o que cada um representa efetivamente para nós, poderemos
nos prejudicar ao armazená-los em nossos corações.
Vou contar-lhes uma história que
li nas redes sociais, da qual o autor eu desconheço:
Um professor pediu
aos alunos que levassem uma sacola com batatas para a sala de aula. Disse-lhes
que separassem uma batata para cada pessoa que os magoara ou de alguma forma os
fizera sofrer. Depois disso que escrevessem o nome de cada pessoa em cada
batata e as colocassem dentro da sacola.
Eles começaram a
pensar, e foram lembrando e escrevendo uma a uma as pessoas que os tinham
magoado... Algumas sacolas ficaram muito pesadas! A tarefa seguinte consistia
em, durante uma semana, carregar consigo a sacola com as batatas para onde quer
que fossem. Com o tempo as batatas foram se estragando e era um incômodo
carregar a sacola o tempo todo e ainda sentir seu mau cheiro. Além disso, a
preocupação em não a esquecer em algum lugar fazia com que deixassem de prestar
atenção em outras coisas que eram importantes para eles.
Quando damos
importância aos problemas não resolvidos ou às promessas não cumpridas, nossos
pensamentos enchem-se de mágoa, aumentando o stress e roubando nossa alegria.
Perdoar e deixar
estes sentimentos irem embora é a única forma de trazer de volta a paz e a
calma.
Jogue fora as suas
"batatas"!
Bem, vocês poderiam pensar, mas
esse exemplo só fala das coisas ruins que carregamos!
Sim, é verdade, mas agora sigam
comigo em minha reflexão: se houve algum sentimento entre essas pessoas
(mágoas, raivas...), ele foi construído, na maioria das vezes, depois de uma
construção boa, um laço emocional entre elas. Então, quando pensamos que
surgiram sentimentos negativos que nos atolam ao peso que eles produzem, antes
houve a construção de algo bom, palpável, real.
Então, usando do exemplo acima
exposto, as batatas que carregavam os nomes de quem nos magoou e nos fez “mal”,
antes, serviriam para nos alimentar, nos dar prazer, se as tivéssemos preparado
ao nosso gosto.
Quando nominamos as “batatas”,
compreendemos que elas já faziam parte de nossa vida, elas já eram nossas
conhecidas e já nos influenciavam com suas ações e pensamentos. Senão, não nos
incomodaríamos com elas.
Mas, vocês poderiam pensar que
existem muitas pessoas que não conhecemos pessoalmente, e, mesmo assim,
gostamos ou não delas. Sim, mas não podemos esquecer que, de alguma forma, para
que produzamos o “lixo”, tendo-as (essas pessoas) como partícipes nesta
construção, as ações delas já estão influenciando diretamente na nossa vida,
por isso, reagimos, positiva ou negativamente.
Por exemplo, podemos citar as
mais comuns:
² pessoas
públicas, como políticos e artistas, por suas ações e ideias, podem nos
influenciar, ou a quem amamos, para um caminho tortuoso; a mergulhar em vícios
ou valores deturpados; somente com o uso do poder que detém, trazer mudanças
significativas em toda a nossa estrutura familiar;
² criminosos,
seja qual for o delito que cometam, nos levam a viver no medo e nos aprisionar
em nossos próprios lares; a nos sentirmos agredidos ao sermos alvo de suas
ações criminosas; a nos escandalizar quando atuam contra os nossos valores
individuais ou coletivos, mesmo quando o alvo não é quem amamos, mas poderia
ser...
² dentre
outros...
Tudo isso nos incomoda e até
revolta, fazendo com que sintamos algo não tão bom em relação às ações delas (e
não contra elas). Se sentirmos contra elas, foi porque personificamos nelas o
que não gostamos em suas ações.
Por outro lado, porém, se
pensamos em (a) quem amamos e que nos magoam, ou (b) amamos e nos fazem bem...
... é fácil entendermos, no
exemplo, que (a) esse peso deva ser jogado fora através do perdão, da
compreensão de que as pessoas só poderão dar aquilo que têm e que somos nós a
determinar como iremos interpretar cada situação por nós vivenciada, não é?
Mas, no segundo caso (b), as que
amamos e nos fazem bem, qual peso que carregaríamos? O da exacerbação deste
mesmo amor. Mesmo que elas nada tenham feito “contra” nós, se não equilibramos
o nosso amor, começaremos a criar sentimentos que nos escravizarão e nos
tornarão insatisfeitos com aquela relação. Então, mesmo amando e sendo amados,
poderemos carregar batatas podres e viver na insatisfação sem perceber, através
do ciúmes, da possessividade, da superproteção...
Carregaremos um lixo que está
transfigurado como algo valioso, que não poderemos viver sem ele. É não
analisarmos com cuidado aquilo que já nos incomoda, mas, por ser importante,
nem analisamos o que estamos sentindo porque não queremos nos livrar dele.
Está na hora de, sabendo o que
não nos faz bem, termos coragem para enfrentar tais sentimentos e, se não forem
mesmo saudáveis, usarmos dos seus respectivos antídotos para superá-los.
São instrumentos adequados para
nos colocarmos aptos a descartar aquilo (a e b) que já não nos serve mais:
²
o perdão e
²
o autoperdão;
²
o autoamor;
²
a autopreservação; e,
²
o autoconhecimento.
Se antes, aquele “lixo” nos foi
útil, agora, utilizando-nos destas ferramentas, perceberemos que ele deixou de
ser.
Assim, deixaremos de produzi-lo
(lixo) e se o fizermos em um momento de invigilância, teremos condições de o
descartarmos em um lugar apropriado sem produzirmos grandes mazelas ao nosso
ser.
[2] Usarei neste artigo as expressões “jogar fora”,
“descartar”, em razão da história que nele foi incluída, mas vamos sempre nos
lembrar de que não há onde depositarmos nossos sentimentos equivocados, e sim
transformá-los, reciclá-los em sentimentos que nos consolam e impulsionam.
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