Stephen Dowling - Da BBC Future
Ilustração de criança dormindo Direito,
de imagem Emmanuel Lafont[2]
Não ser capaz de lembrar de
todos os sonhos é importante para não fazer confusão com a realidade
Estou do lado de fora da minha
escola na infância, perto do portão principal e do estacionamento dos
professores. É um dia ensolarado e estou cercado por quase uma centena de
colegas.
Tenho a impressão de que alguns
professores estão por perto, mas minha atenção está voltada para dois adultos,
que não reconheço. Consigo ver um em detalhes ‒ da brilhantina no cabelo às
lentes douradas dos óculos escuros.
Ele segura um dispositivo que
emite um grito estridente. Caio de joelhos botando as mãos nos ouvidos. Meus
colegas de escola fazem o mesmo. O homem ri loucamente.
Tive esse sonho há quase 40
anos, mas consigo lembrar os detalhes como se fosse ontem. Mas se me pedirem
para contar o que sonhei no início desta semana, me dá um branco.
Se tenho sonhado ‒ e a biologia
sugere que provavelmente sim ‒, nada permaneceu tempo suficiente no meu cérebro
acordado.
Para muitos de nós, sonhos são
uma presença quase intangível. Se tivermos sorte, conseguimos nos lembrar
brevemente ao acordar; mesmo quem é capaz de recordar com riqueza de detalhes
sonhos passados, pode despertar certos dias com quase nenhuma memória do que
sonhou.
No entanto, há algumas razões
pelas quais isso acontece. A resposta para o porquê de sonharmos ‒ e se
conseguimos nos lembrar dos sonhos ‒ está enraizada na biologia dos nossos
corpos adormecidos e do nosso subconsciente.
O sono é mais complicado do que
se imagina. Quando está em repouso, nosso cérebro passa por uma montanha-russa
de estados mentais, com algumas partes repletas de atividade mental.
O sonho está mais associado à
fase do sono conhecida como Movimento Rápido dos Olhos (REM, na sigla em
inglês). Às vezes, o REM também é chamado de sono dessincronizado, uma vez que
pode imitar alguns sinais de quando estamos acordados.
Durante essa fase, os olhos se
movem rapidamente, há alterações na respiração e na circulação, e o corpo entra
em um estado de paralisia, conhecido como atonia. Acontece em ondas de 90
minutos durante o sono, e é nesse estágio que nosso cérebro tende a sonhar.
Há um fluxo extra de sangue para
partes cruciais do nosso cérebro durante o REM: o córtex, que preenche nossos
sonhos com seu conteúdo, e o sistema límbico, que processa nosso estado
emocional.
Nossos cérebros passam por uma
verdadeira montanha-russa enquanto dormimos
Enquanto estamos neste estado de
sono ideal para sonhar, há uma intensa atividade nessa região.
O lóbulo frontal, no entanto,
responsável pelo nosso senso crítico, fica em repouso. Isso significa que
costumamos aceitar cegamente o que está acontecendo nas narrativas muitas vezes
sem sentido dos sonhos até acordar.
Mais confuso, menos
memorável
O problema é que, quanto mais
confusos são os sonhos, mais difícil é para nós retê-los. Sonhos que têm uma
estrutura mais clara são muito mais fáceis de lembrar, afirmou Deirdre Barrett,
professora de Psicologia da Universidade Harvard, em artigo recente publicado
no site Gizmodo.
Mas existe um componente químico
crucial para garantir que as imagens dos sonhos sejam retidas: a noradrenalina.
Este é um hormônio que estimula o corpo e a mente a agirem ‒ e seus níveis são
naturalmente mais baixos durante o sono profundo.
Francesca Siclari, médica
pesquisadora do sono no Hospital Universitário de Lausanne, na Suíça, diz que
há uma fronteira clara entre nossos estados de sono e de vigília ‒ e isso não é
por acaso.
Provavelmente é uma coisa boa que a vida nos sonhos seja completamente
diferente da vida acordado, diz ela. Acho
que se lembrássemos de todos os detalhes, começaríamos a confundir as coisas
com o que está acontecendo de fato na vida real.
Segundo ela, pessoas que sofrem
de distúrbios do sono, como narcolepsia, podem ter dificuldade de diferenciar a
vida de quando estão acordadas e dormindo, e isso pode deixá-las confusas e
constrangidas.
Há também pessoas que se lembram muito bem dos sonhos e começam a
exportar essas lembranças para o seu dia a dia.
Não é por acaso que os sonhos de
que mais lembramos são provenientes de certos períodos do nosso ciclo de sono,
influenciados pelas substâncias químicas que circulam em nossos corpos
adormecidos.
Muitas vezes somos
surpreendidos pelo toque do despertador, o que dificulta lembrar dos sonhos
Normalmente, os sonhos mais vívidos acontecem no sono REM, que é quando
os níveis de noradrenalina estão baixos no cérebro, diz ela.
Podemos estar sonhando pouco
antes de despertar ‒ mas nossas rotinas matinais acabam nos impedindo de
lembrar.
Muitas vezes acordamos
sobressaltados com o despertador, o que provoca um pico em nossos níveis de
noradrenalina ‒ e, consequentemente, dificulta a retenção dos sonhos.
Quando alguém me pergunta por que não consegue se lembrar dos sonhos,
eu digo que é porque adormece rápido demais, dorme profundamente e acorda com o
despertador, diz Robert Stickgold, pesquisador do sono em Harvard.
E a reação das pessoas geralmente é: 'Como você sabe disso?'
Stickgold explica que muitas
pessoas lembram de sonhos do início do sono, quando a mente começa a vagar e as
imagens oníricas aparecem, ou seja, quando estão meio adormecidas e acordadas ‒
um processo chamado "sonho hipnagógico".
Ele conta que realizou um estudo
há alguns anos, em que estudantes em um laboratório foram acordados logo após
começarem a entrar nesse estado.
Todos se lembravam de ter sonhado.
Este estágio acontece nos primeiros cinco ou dez minutos depois de
adormecer. Se você pegar no sono rápido ‒ como sempre desejamos ‒, não vai se
lembrar de nada dessa parte do seu ciclo de sono.
Como guardar sonhos?
E se você quiser fazer algo para
lembrar dos sonhos? Obviamente, o sono de cada pessoa é diferente, mas há
algumas dicas gerais que podem ajudar.
Os sonhos são incrivelmente frágeis quando acordamos, e realmente não
temos uma resposta para isso, afirma Stickgold.
Se você é o tipo de pessoa que pula da cama e começa o dia
imediatamente, não vai se lembrar dos seus sonhos. Quando você está dormindo em
um sábado ou domingo de manhã, é um excelente momento para lembrar dos sonhos.
O que eu digo aos meus alunos nas aulas é: quando você acordar, tente
ficar quieto ‒ não abra sequer os olhos. Tente 'flutuar' e, ao mesmo tempo,
lembrar do que sonhou. O que você faz é rever os sonhos quando entra no estado
de vigília e se lembrar deles como qualquer outra memória.
Há outras maneiras ainda mais
certeiras de lembrar dos sonhos, acrescenta Stickgold.
Eu digo às pessoas para beberem três copos grandes de água antes de
deitar. Não três copos de cerveja, porque o álcool prejudica a fase REM, mas de
água. Você acordará três ou quatro vezes durante a noite, e tenderá a acordar
ao fim de um ciclo natural de sono REM.
Há também outro conselho
oferecido por alguns pesquisadores do sono ‒ se você simplesmente repetir para
si mesmo quando vai dormir que quer lembrar dos seus sonhos, isso significa que
você vai acordar se lembrando deles.
Stickgold dá risada:
Funciona mesmo. Se você fizer isso, realmente vai se lembrar de mais
sonhos, é como dizer 'não há lugar como a nossa casa' (uma referência ao livro
O Mágico de Oz)! Realmente funciona.
[2] Este artigo contém ilustrações originais, de autoria de
Emmanuel Lafont, artista argentino que atualmente trabalha na Espanha. Ele é
representado por Yusto / Giner e pela 6a Galeria D'art. O site dele é www.emmanuellafont.com .
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