terça-feira, 8 de outubro de 2019

O TABACO E A LOUCURA[1]



Lê-se no Siècle de 15 de abril de 1865:
Os casos de paralisia e de alienação mental aumentam na França, em razão direta da produção do imposto sobre o tabaco.
De 1812 a 1832, os recursos trazidos ao orçamento pelo imposto sobre o tabaco elevaram-se a 28 milhões, e os hospícios de alienados contavam 8.000 dementes. Hoje, a cifra do imposto alcança 180 milhões e contam-se 44.000 alienados ou paralíticos nos hospitais especializados.
Esses paralelos, fornecidos pelo Sr. Jolly na última sessão da Academia de Ciências, devem fazer refletir os amantes dos vapores nicotinizados. O Sr. Jolly terminou seu estudo por esta frase ameaçadora para a geração atual: “O emprego imoderado do tabaco, sobretudo do cachimbo, ocasiona uma debilidade no cérebro e na medula espinhal, de onde resulta a loucura”.
Se ainda fosse preciso refutar, depois de tudo quanto foi dito, as alegações dos que pretendem que o Espiritismo entulha as casas de alienados, as cifras forneceriam um argumento sem réplica, porque não só repousam sobre um fato material e um princípio científico lógico, mas constatam que o crescimento do número de alienados remonta a mais de vinte anos antes que se cogitasse do Espiritismo. Ora, não é lógico admitir que o efeito tenha precedido a causa. Os espíritas não estão preservados das causas materiais que podem perturbar o cérebro, como dos acidentes capazes de quebrar braços e pernas. Não é, pois, de admirar que haja espíritas entre os loucos. Mas, ao lado das causas materiais, há causas morais; é contra estas que os espíritas têm um poderoso preservativo em suas crenças. Desse modo, se um dia for possível ter uma estatística exata, conscienciosa e feita sem prevenção, dos casos de loucura devidos a causas morais, ver-se-á incontestavelmente o seu número diminuir com o desenvolvimento do Espiritismo. Diminuirá também o número dos casos ocasionados pelos excessos e abuso de bebidas alcoólicas, mas não impedirá a febre ardente, acompanhada de delírio, e muitas outras causas de distúrbios da razão.
É notório que tais homens de letras de renome morram loucos em conseqüência do uso imoderado do absinto, cujos efeitos deletérios sobre o cérebro e a medula espinhal estão hoje demonstrados. Se esses homens se tivessem ocupado do Espiritismo, não teriam deixado de responsabilizar a doutrina por isto. Quanto a nós, não tememos afirmar que se dela se tivessem ocupado seriamente, teriam sido mais moderados em tudo, e não se teriam expostos a essas tristes conseqüências da intemperança. Um paralelo semelhante ao que faz o Dr. Jolly poderia, talvez com tanta ou mais razão, ser feita entre a proporção de alienados e o consumo de absinto.
Mas eis uma outra causa posta em evidência pelo Siècle de 21 de abril, no fato seguinte:
Lê-se no Droit: “Joséphine-Sophie D..., de dezenove anos, operária polidora de metais, reside com os pais na Rua Bourbon-Villeneuve. Dedica-se com ardor incrível à leitura de romances que encerram as publicações ditas populares, de cinco centavos. Os sentimentos exagerados, os caracteres escandalosos, os acontecimentos inverossímeis, de que geralmente essas obras estão cheias, influem de maneira deplorável sobre sua inteligência.
Ela se julgava chamada aos mais altos destinos. Seus pais, embora numa posição um tanto difícil tinham feito todos os sacrifícios possíveis para lhe dar instrução; entretanto, não passavam aos seus olhos de pobres criaturas, incapazes de compreendê-la e de se elevarem até a esfera a que ela aspirava.
Desde há muito tempo Sophie D... entregava-se a esses pensamentos romanescos. Vendo, enfim, que nenhum ser espiritual se ocupava dela e que sua vida devia transcorrer, como a das outras operárias, em meio ao trabalho e aos cuidados da família, resolveu pôr fim aos seus dias, por certo na expectativa de que seus sonhos se realizariam num outro mundo.
Ontem pela manhã, como se admirassem de não a ver aparecer à hora em que devia se dirigir ao trabalho, sua jovem irmã foi chamá-la. Abrindo a porta foi tomada de uma agitação nervosa, ao ver a irmã enforcada: pendurara-se no gancho que guarnecia a trave da cama. Chamou os pais, que acorreram e se apressaram em cortar a corda; contudo, todas as tentativas para chamar a filha à vida foram infrutíferas.
Eis, pois, um caso de loucura e de suicídio causado por aqueles mesmos que acusam o Espiritismo de entupir as casas de alienados. Os romances podem, pois, exaltar a imaginação a tal ponto que a razão fique perturbada? Poder-se-ia citar bom número de casos semelhantes, sem contar os loucos produzidos pelo temor do diabo sobre os espíritos fracos. Mas surgiu o Espiritismo e cada um se apressou em dele fazer o bode expiatório de suas próprias faltas.




[1] Revista Espírita – Maio/1865 – Allan Kardec

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