Escrevem-nos de Montauban:
"Passou-se nestes dias um fato
interessante em nossa cidade, que impressionou diversamente a população. Um
pregador protestante, o Sr. Rewile, capelão do rei da Holanda, num discurso pronunciado
perante duas mil pessoas, revelou-se claramente partidário das ideias novas.
Sentimo-nos felizes ao ouvir, pela primeira vez, estas sublimes verdades
proclamadas do alto de um púlpito cristão, e desenvolvidas com um talento e uma
eloquência excepcionais. Por mais que se tenha saído bem, os fanáticos se apressaram
em conferir-lhe o título de anticristo. Lamento não poder transmitir o sermão
inteiro, mas vou tentar analisar algumas de suas passagens.
O orador tinha tomado por texto:
“Não vim destruir a lei e os profetas, mas dar-lhes cumprimento. Amai-vos de
todo o vosso coração, de toda a vossa alma, de todo o vosso entendimento, e ao
vosso próximo como vós mesmos”.
Conforme o Sr. Rewile, a missão
do Cristo entre os homens foi uma missão de caridade e de espiritualidade; sua doutrina
parecia, pois, estar em oposição à dos judeus, cujo princípio era a
“observância estrita da lei”, princípio que engendraria o egoísmo. Mas a
expressão dar cumprimento explica essa
aparente contradição, porque significa completar, tornar mais perfeita. Ora,
substituir o egoísmo pela caridade e o culto da matéria pela espiritualidade,
era dar cumprimento, completar a lei.
Em vão o Cristo tentou fazer
essa nação romper as cadeias da matéria, elevando o seu pensamento e fazendo-a
encarar seu destino de mais alto; jamais pôde ela compreender a profundeza de sua
moral. Assim, quando ele quis atacar os abusos de toda sorte, as práticas
exteriores e abrandar os rigores da lei mosaica, foi acusado e covardemente
condenado. Os judeus esperavam um Messias conquistador que, armado de um cetro
de ferro, lhes desse em partilha o poder temporal, e não compreendiam o que
havia de grande, de sublime naquele que, com um fraco caniço na mão, vinha
trazer à Humanidade, como penhor de sua força espiritual, a lei do amor e da
caridade.
Mas os desígnios de Deus sempre se realizam, a
despeito de todas as resistências. Se os judeus, como obreiros de má vontade,
recusaram-se a trabalhar na vinha, nem por isso a Humanidade marchou e marchará
menos, arrastando em sua passagem tudo o que constitui obstáculo para chegar ao
progresso.
A Igreja cristã, sob pena de
decadência, deve seguir esta marcha ascendente, porque a Humanidade não foi feita para a Igreja, mas a Igreja para a
Humanidade. Infeliz de quem resistir, pois será pulverizado pela mão do
progresso. O progresso não foi feito para responder pelo futuro?
Que os filhos do século
dezenove, contrariamente à conduta dos judeus antigos, compreendam e realizem
sua obra! Já não experimentam esse tremor involuntário, que agita todas as inteligências
de escol e que as impele espontaneamente para a conquista das ideias
espiritualistas, única garantia de felicidade para a Humanidade? Por que, sem
espiritualidade, há apenas a matéria, e sem liberdade não há apenas escravidão?
Por que, pois, resistir por mais tempo a
esses nobres impulsos da alma e atribuir ao demônio esses novos sinais dos
tempos modernos? Por que, antes, não ver aí as inspirações dos mensageiros
celestes de um Deus de amor e de caridade, anunciando-nos a renovação da
Humanidade?
Que a Igreja cristã volte ao
espírito. Com efeito, que é a Igreja sem o espírito, senão um cadáver,
verdadeiro cadáver na acepção da palavra?... Quem tiver ouvidos que ouça! A
verdadeira Igreja, nestes dias críticos, tem o direito de contar com seus
filhos...
Vamos, de pé e à obra! Que cada
um cumpra o seu dever. Deus o quer! Deus o quer!
Se o Cristo veio para dar
cumprimento, isto é, para completar a lei pela prática do amor de Deus e dos
homens, é que considerava esse preceito como resumindo a perfeição humana. A lei
de amor de Deus e dos homens é, como ensina o próprio Cristo, uma lei de
primeira ordem, à qual estão subordinadas todas as outras. É necessário, pois,
praticá-la na sua mais larga acepção, a fim de se aproximar dele e, consequentemente,
de Deus, do qual foi a mais alta expressão na Terra. Para amar a Deus é preciso
amar a verdade, o belo, o bem; sentir-se transportado interiormente para esses
atributos da perfeição moral; mas é preciso também amar a seus irmãos, seus
semelhantes, em quem Deus se reflete no que há de verdadeiro, de belo, de bem.
Por que o Cristo amou a
Humanidade até dar a vida por ela? Porque sendo também a mais alta expressão da
perfeição humana, sentiu no mais alto grau os efeitos dessa lei de amor de Deus
e dos homens, e a praticou de maneira sublime... Praticar a caridade, amar, é
marchar a passos largos no caminho da verdade, do belo, do bem; é ir a Deus!
Amar é viver; é ira para a imortalidade!"
Segundo o que me foi relatado, o
Sr. Rewile teria abordado com sucesso a questão das manifestações, nas duas conferências
dadas aos alunos da Faculdade. Teria respondido vitoriosamente a todas as
objeções. Lamento não ter podido ouvi-lo nesta circunstância tão interessante.
Observação – Bem
tinham dito os Espíritos que o Espiritismo iria encontrar defensores nas
próprias fileiras de seus adversários. Um tal discurso na boca de um ministro
da religião, e pronunciado do alto do púlpito, é um acontecimento grave.
Esperemos ver outros, porque o exemplo da coragem de opinião
é contagioso. As ideias novas também não tardarão a encontrar campeões
confessos na alta ciência, na literatura e na imprensa; aí já desfrutam de mais
simpatia do que se pensa. Só o primeiro passo é que custa. Até hoje pode
dizer-se que, com exceção dos órgãos especiais do Espiritismo, que não se
dirigem à massa do público indiferente, só os nossos adversários tiveram a
palavra, e Deus sabe se a usaram! Agora a luta começa. Que dirão quando virem
nomes justamente honrados e estimados saírem de suas fileiras, empunhando
abertamente a bandeira da doutrina? Está dito que tudo se cumprirá.
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