Richard Simonetti
As almas que devam unir-se
estão, desde suas origens, predestinadas a essa união e cada um de nós tem,
nalguma parte do Universo, sua metade, a que fatalmente um dia se reunirá?
Resp.: Não; não há união particular e fatal, de duas almas. A união que há é a
de todos os Espíritos, mas em graus diversos, segundo a categoria que ocupam,
isto é, segundo a perfeição que tenham adquirido. Quanto mais perfeitos, tanto
mais unidos. Da discórdia nascem todos os males dos humanos; da concórdia
resulta a completa felicidade. (questão nº 298 do Livro dos Espíritos)
Principalmente os jovens,
iniciantes na arte de amar, sonham encontrar essa “metade”, alimentando ternos
anseios de uma convivência perfeita, de um afeto sem fim, marcados por imensa
ternura e imorredoura ventura.
Quase todos encontram seu par.
Raros concretizam seus sonhos, porque a Terra é um planeta de expiação e
provas, onde a maioria dos casamentos representa o cumprimento de reajuste
assumidos perante a Espiritualidade.
Por isso, passadas as primeiras
emoções, quando os cônjuges enfrentam as realidades do dia-a-dia, os problemas
relacionados com a educação dos filhos, as dificuldades financeiras e,
sobretudo, o confronto de duas personalidades distintas, com suas limitações,
ansiedades, viciações, angústias e desajustes, não tardam em desconfiar que a
suposta “alma gêmea” é apenas uma “algema”, cerceados que se sentem em sua
liberdade, frustrados em suas aspirações.
Muitos casam-se arrebatados de
amor, que logo acaba diante dos atritos e dificuldades do matrimônio. Julgando
que erraram na escolha, alimentam secreto desejo de um novo encontro, na eterna
procura da alma afim.
Muitas vezes, rompem os
compromissos conjugais e partem, decididos, reiniciando a procura. E encontram
novas algemas, eternizando suas angústias e gerando problemas que se sucedem, a
envolver principalmente os filhos, vítimas indefesas dessas uniões passageiras.
O sucesso no casamento implica
em compreender que não há metades eternas que se buscam para completar-se, como
na alegoria platônica.
Há Espíritos que conseguem uma
convivência fraterna, com o empenho por ajustarem-se às Leis Divinas, superando
seus desajustes íntimos, suas deficiências e fragilidades.
Um coração amargurado, um
caráter agressivo, uma vocação para o ressentimento, um comportamento
impertinente – tudo isso azeda o casamento. Então, existe um engano de
perspectiva, um equívoco generalizado. As pessoas estão esperando que o
casamento dê certo para que sejam felizes, quando é imperioso serem felizes
para que o casamento dê certo.
A felicidade, por sua vez, não
repousa em alguém, no que possa nos oferecer ou fazer, mas, essencialmente, nos
valores que conseguimos desenvolver em nós mesmos, em nosso universo interior.
Somente assim poderemos contribuir de forma decisiva para um casamento bem
sucedido.
Fundamental, nesse particular,
que nos detenhamos na definição do amor, o principal agente das uniões
conjugais. O amor legítimo não é uma flecha de Cupido que nos atinge. Não é uma
fonte que brota, borbulhante. Não é mera chama arrebatadora, como destaca a
bela mas equivocada imagem poética de Vinícius de Morais: “Que não seja
imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure”. Muito mais
que chama de atração passageira, o amor pede os valores da convivência para que
se desenvolva e consolide.
Cônjuges que se querem bem, que
se amam de verdade, são aqueles que atravessaram juntos as tempestades da
existência, relevando um ao outro as falhas, cultivando compreensão, respeito e
boa vontade. Assim, a “algema” de hoje poderá ser a “alma gêmea” de amanhã,
mesmo porque o objetivo maior do casamento é a harmonização dos Espíritos que
se unem para experiências na Terra. Hoje desencontrados, atritados, talvez até
inimigos de outras vidas. Amanhã amigos! Amantes de verdade!
É lamentável quando os casais se
separam, adiando a própria edificação.
O mesmo podemos dizer quando
alguém proclama que suporta o cônjuge por fidelidade à religião ou aos filhos.
Na avaliação de nossas
experiências terrestres, quando regressarmos ao Plano Espiritual, uma das
medidas ponderáveis, a ver se aproveitamos a experiência humana, diz respeito à
convivência com as pessoas, principalmente no lar.
Voltamos para o Além levando
rancores, ódios, mágoas, ressentimentos? Deixamos inimigos e inimizades?
Perdemos tempo, complicando o futuro.
Harmonizamo-nos com os
familiares? Edificamos a fraternidade legítima? Construímos as bases de um
entendimento cristão com o semelhante? Ótimo. Teremos realmente valorizado a
jornada terrestre, habilitando-nos a estágios em regiões felizes, habitadas por
almas afins, gêmeas na virtude, na sabedoria, no empenho por cumprir as leis de
Deus.
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