terça-feira, 7 de maio de 2019

Estudos Morais UMA FAMÍLIA DE MONSTROS[1]





Escrevem de Brunswick ao Pays:
Uma camponesa das cercanias de Lutter acaba de dar à luz uma criança com todas as aparências de um macaco, pois seu corpo é quase inteiramente coberto de pelos negros e cerrados, e nem mesmo o rosto está isento dessa estranha vegetação.
Casada há doze anos, e embora admiravelmente conformada, essa infeliz senhora ainda não deu à luz um só filho que não fosse acometido de enfermidades mais ou menos horríveis.
Sua filha mais velha, de dez anos, é completamente corcunda e a fisionomia parece copiada, traço por traço, da de Polichinelo. Seu segundo filho é um menino de sete anos; ele é aleijado das pernas. O terceiro, que vai completar cinco anos, é surdo-mudo e idiota. Enfim a quarta, de dois anos e meio, é completamente cega.
Qual pode ser a causa desse estranho fenômeno? Eis um ponto que a Ciência deve esclarecer.
O pai é um homem perfeitamente constituído e tem todas as aparências da mais robusta saúde e nada pode explicar a espécie de fatalidade que pesa sobre a sua raça.

(Moniteur de 29 de julho de 1864)

“Eis um ponto”, diz o jornal, “que a Ciência deve esclarecer”. Há muitos outros pontos diante dos quais a Ciência fica impotente, sem contar os de Morzine e de Poitiers. A razão disto é muito simples: é que ela se obstina em buscar as causas apenas na matéria, só levando em conta as leis que conhece. A respeito de certos fenômenos ela está na posição em que se encontraria se não tivesse saído da física de Aristóteles, se tivesse desconhecido a lei da gravitação ou a da eletricidade. Por onde esteve a religião, quando desconhecia a lei do movimento dos astros? Onde estão ainda hoje os que desconhecem a lei geológica da formação do globo?
Duas forças partilham o mundo: o Espírito e a matéria.
O Espírito tem as suas leis, como a matéria tem as dela. Ora, reagindo incessantemente uma sobre a outra, resulta que certos fenômenos materiais têm como causa a ação do Espírito e que umas não podem ser perfeitamente compreendidas se as outras não forem levadas em conta. Fora das leis tangíveis há uma outra que desempenha no mundo um papel capital: a que estabelece as relações entre o mundo visível e o mundo invisível. Quando a Ciência reconhecer a existência desta lei, nela encontrará a solução de uma multidão de fenômenos, contra os quais se choca inutilmente.
As monstruosidades, como todas as enfermidades congênitas, por certo têm uma causa fisiológica, que é da alçada da ciência material; mas, supondo que esta venha descobrir o segredo desses desvios da Natureza, restará sempre o problema da causa primeira e a conciliação do fato com a justiça de Deus. Se a Ciência disser que isto não lhe concerne, o mesmo não poderá dizer a religião. Quando a Ciência demonstra a existência de um fato, incumbe à religião o dever de aí procurar a prova da soberana sabedoria. Alguma vez já terá ela sondado, do ponto de vista da divina equidade, o mistério dessas existências anômalas? Dessas fatalidades que parecem perseguir certas famílias, sem causas atuais conhecidas? Não, porque sente a sua impotência e se apavora com essas questões perigosas para seus dogmas absolutos. Até agora tinham aceitado o fato sem ir mais longe; mas hoje pensam, refletem, querem saber; interrogam a Ciência, que procura nas fibras e fica muda; interrogam a religião, que responde: Mistério impenetrável!
Pois bem! O Espiritismo vem desvendar esse mistério e dele fazer sair a deslumbrante justiça de Deus; prova que essas almas deserdadas desde o nascimento neste mundo já viveram e expiam, em corpos diferentes, suas faltas passadas. A observação o demonstra e a razão diz, porquanto não se poderia admitir que fossem castigadas ao sair das mãos do Criador, quando ainda nada haviam feito.
Tudo bem, dirão, para o ser que nasce assim. Mas, e os pais? Essa mãe que dá à luz seres desgraçados? Que é privada da alegria de ter um único filho que lhe faça honra e que possa mostrar com orgulho? A isto responde o Espiritismo: Justiça de Deus, expiação, provação para sua ternura materna, pois é uma prova bem grande só ver em torno de si, pequenos monstros, em vez de crianças graciosas. E acrescenta: Não há uma só infração às leis de Deus que, mais cedo ou mais tarde, não tenha suas funestas consequências, na Terra ou no mundo dos Espíritos, nesta ou numa vida seguinte. Pela mesma razão, não há uma só vicissitude da vida que não seja a consequência e a punição de uma falta passada, e assim será para cada um, enquanto não se tiver arrependido, expiado e reparado o mal que fez; retorna à Terra para expiar e reparar; cabe a ele melhorar-se bastante para a ela não mais voltar como condenado. Muitas vezes Deus se serve daquele que é punido para punir outros; é assim que os Espíritos dessas crianças, como punição, devendo encarnar em corpos disformes, são, sem o saber, instrumentos de expiação para a mãe que os deu à luz. Essa justiça distributiva, proporcionada à duração do mal, é preferível à das penas eternas, irremissíveis, que fecham a todos, e para sempre, o caminho do arrependimento e da reparação.
Lido o fato acima na Sociedade Espírita de Paris, como assunto de estudo filosófico, um Espírito deu a seguinte explicação:

 (Sociedade de Paris, 29 de julho de 1864)
Se pudésseis ver as forças ocultas que fazem mover o vosso mundo, compreenderíeis como tudo se encadeia, das menores às maiores coisas; compreenderíeis, sobretudo, a ligação íntima que existe entre o mundo físico e o mundo moral, esta grande lei da Natureza; veríeis a multidão de inteligências que presidem a todos os fatos e os utilizam para que sirvam à realização dos propósitos do Criador. Suponde-vos um instante ante uma colmeia, cujas abelhas fossem invisíveis; o trabalho que veríeis realizar-se diariamente vos causaria admiração e, talvez, exclamásseis: Singular efeito do acaso! Pois bem! Realmente estais em presença de um ateliê imenso, conduzido por inumeráveis legiões de operários, para vós invisíveis, dos quais uns não passam de trabalhadores manuais, que obedecem e executam, enquanto outros comandam e dirigem, cada um em sua esfera de ação, proporcionada ao seu desenvolvimento e ao seu adiantamento e, assim, pouco a pouco, até a vontade suprema, que tudo impulsiona.
Assim se explica a ação da Divindade nos mais insignificantes detalhes. Como os soberanos temporais, Deus tem seus ministros, e estes, agentes subalternos, engrenagens secundárias do grande governo do Universo. Se, num país bem administrado, o último casebre sente os efeitos da sabedoria e da solicitude do chefe de Estado, como não deve a infinita sabedoria do Altíssimo estender-se aos menores detalhes da Criação!
Não creiais, pois, que essa mulher, de que acabais de falar, seja vítima do acaso ou de uma cega fatalidade. Não; o que lhe acontece tem sua razão de ser – ficai bem convencidos. Ela é castigada em seu orgulho; desprezou os fracos e os enfermos; foi dura para com os seres caídos em desgraça, dos quais desviava os olhos com repulsa, em vez de envolvê-los num olhar de comiseração; envaideceu-se da beleza física de seus filhos, à custa de mães menos favorecidas; mostrava-os com orgulho, porque aos seus olhos a beleza do corpo tinha mais valor que a beleza da alma; assim, neles desenvolveu vícios, que lhes retardaram o avanço, em vez de desenvolver as qualidades do coração. É por isso que Deus permitiu que, em sua existência atual, ela só tivesse filhos disformes, a fim de que a ternura maternal a ajudasse a vencer sua repugnância pelos infelizes. Para ela isto é uma punição e um meio de adiantamento; mas nessa própria punição brilham, ao mesmo tempo, a justiça e a bondade de Deus, que castiga com uma das mãos, mas incessantemente dá ao culpado, com a outra, os meios de se resgatar.
Um Espírito protetor



[1] Revista Espírita – Setembro/1864 – Allan Kardec

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