Escrevem de Brunswick ao Pays:
Uma camponesa das
cercanias de Lutter acaba de dar à luz uma criança com todas as aparências de
um macaco, pois seu corpo é quase inteiramente coberto de pelos negros e
cerrados, e nem mesmo o rosto está isento dessa estranha vegetação.
Casada há doze anos,
e embora admiravelmente conformada, essa infeliz senhora ainda não deu à luz um
só filho que não fosse acometido de enfermidades mais ou menos horríveis.
Sua filha mais
velha, de dez anos, é completamente corcunda e a fisionomia parece copiada,
traço por traço, da de Polichinelo. Seu segundo filho é um menino de sete anos;
ele é aleijado das pernas. O terceiro, que vai completar cinco anos, é
surdo-mudo e idiota. Enfim a quarta, de dois anos e meio, é completamente cega.
Qual pode ser a
causa desse estranho fenômeno? Eis um ponto que a Ciência deve esclarecer.
O pai é um homem
perfeitamente constituído e tem todas as aparências da mais robusta saúde e
nada pode explicar a espécie de fatalidade que pesa sobre a sua raça.
(Moniteur de 29 de julho de 1864)
“Eis um ponto”, diz o jornal,
“que a Ciência deve esclarecer”. Há muitos outros pontos diante dos quais a
Ciência fica impotente, sem contar os de Morzine e de Poitiers. A razão disto é
muito simples: é que ela se obstina em buscar as causas apenas na matéria, só
levando em conta as leis que conhece. A respeito de certos fenômenos ela está
na posição em que se encontraria se não tivesse saído da física de Aristóteles,
se tivesse desconhecido a lei da gravitação ou a da eletricidade. Por onde
esteve a religião, quando desconhecia a lei do movimento dos astros? Onde estão
ainda hoje os que desconhecem a lei geológica da formação do globo?
Duas forças partilham o mundo: o
Espírito e a matéria.
O Espírito tem as suas leis,
como a matéria tem as dela. Ora, reagindo incessantemente uma sobre a outra,
resulta que certos fenômenos materiais têm como causa a ação do Espírito e que
umas não podem ser perfeitamente compreendidas se as outras não forem levadas
em conta. Fora das leis tangíveis há uma outra que desempenha no mundo um papel
capital: a que estabelece as relações entre o mundo visível e o mundo
invisível. Quando a Ciência reconhecer a existência desta lei, nela encontrará
a solução de uma multidão de fenômenos, contra os quais se choca inutilmente.
As monstruosidades, como todas
as enfermidades congênitas, por certo têm uma causa fisiológica, que é da
alçada da ciência material; mas, supondo que esta venha descobrir o segredo
desses desvios da Natureza, restará sempre o problema da causa primeira e a
conciliação do fato com a justiça de Deus. Se a Ciência disser que isto não lhe
concerne, o mesmo não poderá dizer a religião. Quando a Ciência demonstra a
existência de um fato, incumbe à religião o dever de aí procurar a prova da
soberana sabedoria. Alguma vez já terá ela sondado, do ponto de vista da divina
equidade, o mistério dessas existências anômalas? Dessas fatalidades que
parecem perseguir certas famílias, sem causas atuais conhecidas? Não, porque
sente a sua impotência e se apavora com essas questões perigosas para seus
dogmas absolutos. Até agora tinham aceitado o fato sem ir mais longe; mas hoje
pensam, refletem, querem saber; interrogam a Ciência, que procura nas fibras e
fica muda; interrogam a religião, que responde: Mistério impenetrável!
Pois bem! O Espiritismo vem
desvendar esse mistério e dele fazer sair a deslumbrante justiça de Deus; prova
que essas almas deserdadas desde o nascimento neste mundo já viveram e expiam,
em corpos diferentes, suas faltas passadas. A observação o demonstra e a razão
diz, porquanto não se poderia admitir que fossem castigadas ao sair das mãos do
Criador, quando ainda nada haviam feito.
Tudo bem, dirão, para o ser que
nasce assim. Mas, e os pais? Essa mãe que dá à luz seres desgraçados? Que é
privada da alegria de ter um único filho que lhe faça honra e que possa mostrar
com orgulho? A isto responde o Espiritismo: Justiça de Deus, expiação, provação
para sua ternura materna, pois é uma prova bem grande só ver em torno de si,
pequenos monstros, em vez de crianças graciosas. E acrescenta: Não há uma só
infração às leis de Deus que, mais cedo ou mais tarde, não tenha suas funestas consequências,
na Terra ou no mundo dos Espíritos, nesta ou numa vida seguinte. Pela mesma
razão, não há uma só vicissitude da vida que não seja a consequência e a
punição de uma falta passada, e assim será para cada um, enquanto não se tiver
arrependido, expiado e reparado o mal que fez; retorna à Terra para expiar e
reparar; cabe a ele melhorar-se bastante para a ela não mais voltar como
condenado. Muitas vezes Deus se serve daquele que é punido para punir outros; é
assim que os Espíritos dessas crianças, como punição, devendo encarnar em
corpos disformes, são, sem o saber, instrumentos de expiação para a mãe que os
deu à luz. Essa justiça distributiva, proporcionada à duração do mal, é
preferível à das penas eternas, irremissíveis, que fecham a todos, e para
sempre, o caminho do arrependimento e da reparação.
Lido o fato acima na Sociedade
Espírita de Paris, como assunto de estudo filosófico, um Espírito deu a
seguinte explicação:
(Sociedade de Paris, 29 de julho de 1864)
Se pudésseis ver as forças ocultas que fazem mover o vosso mundo,
compreenderíeis como tudo se encadeia, das menores às maiores coisas;
compreenderíeis, sobretudo, a ligação íntima que existe entre o mundo físico e
o mundo moral, esta grande lei da Natureza; veríeis a multidão de inteligências
que presidem a todos os fatos e os utilizam para que sirvam à realização dos
propósitos do Criador. Suponde-vos um instante ante uma colmeia, cujas abelhas
fossem invisíveis; o trabalho que veríeis realizar-se diariamente vos causaria
admiração e, talvez, exclamásseis: Singular efeito do acaso! Pois bem! Realmente
estais em presença de um ateliê imenso, conduzido por inumeráveis legiões de
operários, para vós invisíveis, dos quais uns não passam de trabalhadores
manuais, que obedecem e executam, enquanto outros comandam e dirigem, cada um
em sua esfera de ação, proporcionada ao seu desenvolvimento e ao seu
adiantamento e, assim, pouco a pouco, até a vontade suprema, que tudo
impulsiona.
Assim se explica a ação da Divindade nos mais insignificantes detalhes.
Como os soberanos temporais, Deus tem seus ministros, e estes, agentes
subalternos, engrenagens secundárias do grande governo do Universo. Se, num
país bem administrado, o último casebre sente os efeitos da sabedoria e da
solicitude do chefe de Estado, como não deve a infinita sabedoria do Altíssimo
estender-se aos menores detalhes da Criação!
Não creiais, pois, que essa mulher, de que acabais de falar, seja
vítima do acaso ou de uma cega fatalidade. Não; o que lhe acontece tem sua
razão de ser – ficai bem convencidos. Ela é castigada em seu orgulho; desprezou
os fracos e os enfermos; foi dura para com os seres caídos em desgraça, dos
quais desviava os olhos com repulsa, em vez de envolvê-los num olhar de
comiseração; envaideceu-se da beleza física de seus filhos, à custa de mães
menos favorecidas; mostrava-os com orgulho, porque aos seus olhos a beleza do
corpo tinha mais valor que a beleza da alma; assim, neles desenvolveu vícios,
que lhes retardaram o avanço, em vez de desenvolver as qualidades do coração. É
por isso que Deus permitiu que, em sua existência atual, ela só tivesse filhos disformes,
a fim de que a ternura maternal a ajudasse a vencer sua repugnância pelos
infelizes. Para ela isto é uma punição e um meio de adiantamento; mas nessa
própria punição brilham, ao mesmo tempo, a justiça e a bondade de Deus, que castiga
com uma das mãos, mas incessantemente dá ao culpado, com a outra, os meios de
se resgatar.
Um
Espírito protetor
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