Pergunta – Duas
almas, criadas simples e ignorantes, que não conhecem o bem, nem o mal, vêm à
Terra. Se, numa primeira existência, uma seguir o caminho do bem, e a outra o
do mal, já que, de certo modo, é o acaso que as conduz, elas não merecem castigo
nem recompensa. Essa primeira viagem terrestre não deve ter servido senão para
dar a cada uma delas a consciência de sua existência, consciência que antes não
tinham. Para ser lógico, seria preciso admitir que as punições e as recompensas
só começariam a ser infligidas ou concedidas a partir da segunda encarnação,
quando os Espíritos já soubessem distinguir entre o bem e o mal, experiência
que lhes faltaria por ocasião de sua criação, mas que adquiririam por meio de
sua primeira encarnação. Tal opinião tem fundamento?
Resposta – Embora
esta pergunta já esteja resolvida pela Doutrina Espírita, vamos respondê-la,
para a instrução de todos.
Ignoramos absolutamente em que
condições se dão as primeiras encarnações da alma; é um desses princípios das
coisas que estão nos segredos de Deus. Apenas sabemos que são criadas simples e
ignorantes, tendo todas, assim, o mesmo ponto de partida, o que é conforme à
justiça; o que sabemos ainda é que o livre-arbítrio só se desenvolve pouco a
pouco e após numerosas evoluções na vida corpórea. Não é, pois, nem após a
primeira, nem depois da segunda encarnação que a alma tem consciência bastante clara
de si mesma, para ser responsável por seus atos; não é senão após a centésima,
talvez após a milésima. Dá-se o mesmo com a criança, que não goza da plenitude
de suas faculdades, nem um, nem dois dias após o nascimento, mas depois de
anos. E, ainda, quando a alma goza do livre-arbítrio, a responsabilidade cresce
em razão do desenvolvimento de sua inteligência; é assim, por exemplo, que um
selvagem que come os seus semelhantes é menos castigado que o homem civilizado,
que comete uma simples injustiça. Sem dúvida os nossos selvagens estão muito
atrasados em relação a nós e, no entanto, já se acham bem longe de seu ponto de
partida. Durante longos períodos, a alma encarnada é submetida à influência
exclusiva dos instintos de conservação; pouco a pouco esses instintos se
transformam em instintos inteligentes ou, melhor dizendo, se equilibram com a
inteligência; mais tarde, e sempre gradualmente, a inteligência domina os
instintos. Só então é que começa a séria responsabilidade.
Além disso, o autor da pergunta
comete dois erros graves: o primeiro é o de admitir que o acaso decida pelo bom
ou mau caminho que o Espírito segue em seu princípio. Se houvesse acaso ou
fatalidade, toda responsabilidade seria injusta. Como dissemos, o Espírito fica
num estado inconsciente durante numerosas encarnações; a luz da inteligência
não se faz senão aos poucos e a responsabilidade real só começa quando o
Espírito age livremente e com conhecimento de causa.
O segundo erro é o de admitir
que as primeiras encarnações humanas ocorrem na Terra. A Terra já foi, mas não
é mais, um mundo primitivo; os mais atrasados seres humanos encontrados em sua
superfície já se despojaram das primeiras fraldas da encarnação e os nossos
selvagens estão em progresso, comparativamente ao que eram antes que seu
Espírito viesse encarnar neste globo. Que se julgue agora o número de
existências necessárias a esses selvagens para transpor todos os degraus que os
separam da mais adiantada civilização; todos esses degraus intermediários se
acham na Terra sem solução de continuidade e se pode segui-los observando as
nuances que distinguem os diferentes povos; só o começo e o fim aí não se
encontram; para nós o começo se perde nas profundezas do passado, que não nos é
dado penetrar. Aliás, isto pouco importa, pois tal conhecimento em nada nos
adiantaria. Não somos perfeitos, eis o que é positivo; sabemos que nossas
imperfeições são o único obstáculo à nossa felicidade futura; portanto,
estudemo-nos, a fim de nos aperfeiçoarmos. No ponto em que estamos a
inteligência está bastante desenvolvida para permitir ao homem julgar
sensatamente o bem e o mal, e é também deste ponto que a sua responsabilidade é
mais seriamente empenhada, já que não mais se pode dizer o que dizia Jesus: “Perdoai-lhes, Senhor, porque não sabem o
que fazem”.
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