Pablo Nogueira
Sam Parnia[2]
Intrigado com essas histórias,
Parnia bolou um projeto para testar a veracidade delas. Em 1997, conseguiu a
autorização do Hospital Geral de Southampton, onde trabalha como cardiologista,
para emplacar a pesquisa. A ideia era conversar com todos os sobreviventes de
paradas cardíacas do hospital, durante um ano, para saber se haviam passado por
algum momento lúcido durante a morte clínica. E o principal: o médico instalou
150 placas pelo hospital, com sinais, textos e desenhos virados para cima,
posicionadas de tal maneira que apenas alguém localizado no teto poderia ler.
Assim, caso um paciente contasse o que havia na placa, a experiência fora do
corpo (EQM) estaria comprovada.
Parnia contou com a ajuda do
mais célebre entre todos os que estudam o além, o neurologista Peter Fenwick. O
inglês é o homem que tornou as EQMs assunto de mesa de almoço de domingo pelo
mundo.
Dr. Parnia quer colocar placas
com mensagens para espíritos em hospitais do mundo todo. Objetivo: provar que a
alma existe.
Fenwick era cético até 1985,
quando, durante seu trabalho no hospital Maudsley, em Londres, teve que atender
um paciente que demonstrava ansiedade extrema. O homem contou que durante uma
cirurgia de cateterismo sofreu uma parada cardíaca. Enquanto os médicos
tentavam ressuscitá-lo, sentiu-se puxado para fora do corpo e, do teto do
quarto, pôde observar a movimentação. De repente, percebeu que estava de volta
à cama do hospital. A experiência fora tão marcante que desencadeou a crise de
ansiedade. “Até ter essa conversa, achava que essas coisas só aconteciam na
Califórnia”, brincou o médico (o estado americano sempre foi a capital mundial do
consumo de alucinógenos).
Mesmo não acreditando em
experiências de quase morte, Fenwick começou a buscar mais relatos. Conseguiu
algumas dezenas, como o do inglês Derrick Scull. Major aposentado do exército,
pai de dois filhos e funcionário de uma respeitada empresa de advocacia, tinha
todas as credenciais de uma pessoa centrada e nada mística quando passou por
uma experiência que mudou suas crenças. Em 1978 ele sofreu um enfarte e, após
ter recebido os primeiros socorros, foi deixado numa cama de UTI. Durante a
parada cardíaca, sentiu-se sair do corpo. Do canto esquerdo do teto, pôs-se a
observar o próprio corpo, e reparou que estava vestido com um robe e uma
máscara contra contaminação. Ao mesmo tempo, foi capaz de enxergar a esposa
falando com a enfermeira, e percebeu que ela estava vestida com um tailleur
vermelho. Depois, encontrou-se de novo deitado na cama. Percebeu que a esposa
havia entrado na UTI e que ela estava vestindo a mesma roupa que ele havia
visto “de cima”. Fenwick apresentou esses relatos num documentário da BBC em
1988. E a partir dali os elementos mais comuns das EQMs, como a sensação de
sair do corpo, entraram para o folclore moderno.
Parnia também colecionou
histórias que pacientes lhe contavam, como a de uma mulher que, enquanto estava
na forma de fantasma no teto da sala de cirurgia, viu o médico esbarrar num
carrinho com instrumentos cirúrgicos, fazendo-o deslizar pela sala e se chocar
contra uma parede. No dia seguinte, quando contou a ele sobre os incidentes com
o carrinho, ele achou que alguma das enfermeiras tinha contado a história à
paciente. Segundo ela, não tinha.
Naquela mesma época, outros
médicos tocavam projetos parecidos com os de Parnia. Na Holanda, o
cardiologista Pim van Lommel também estudava histórias assim. Lommel conheceu a
de um homem que, em estado de coma profundo e com uma parada cardíaca no meio
do processo, viu de fora do corpo a enfermeira retirar a dentadura dele e
colocá-la em um carrinho especial. Uma semana depois, em fase de recuperação,
ele voltou ao hospital e reconheceu uma das enfermeiras. Lembrou-se de que fora
ela quem tinha retirado seus dentes e os colocado em um carrinho, com garrafas
em cima e uma gaveta embaixo. Para a surpresa da enfermeira, apesar do coma, o
paciente descreveu com detalhes a sala e as pessoas que participaram da
operação.
Seja como for, isso são só
relatos. Acredita quem quer. Justamente por isso, Parnia e Fenwick resolveram
dar um passo adiante da simples coleta de casos e partiram para a experiência
com placas.
Mas os resultados não foram
animadores. A dupla registrou 63 ressuscitações, mas nenhum desses pacientes
disse ter viajado para fora do corpo. Então as placas ficaram à toa, sem
leitores em potencial.
Outro lado
Para os céticos, o resultado não
poderia ser outro, mesmo que houvesse uma EQM. A maior parte dos pesquisadores
entende que elas não passam de uma confusão cerebral. No momento de uma parada
cardíaca, a perda de oxigênio faz com que a massa cinzenta deixe de distinguir
realidade e fantasia. Ela entra em pane. Balançada pela desordem, recorre à
memória de curto prazo para compreender a situação. Então se depara com cenas
que acabou de registrar, como a própria sala de cirurgia. A partir daí, tenta
reconstruir o que está supostamente acontecendo naquele momento. Imagina o
atendimento médico, a sala de operação. Então a memória nos prega uma peça.
Todas as nossas lembranças registram uma visão panorâmica, como uma imagem de
filme, em terceira pessoa, criando a sensação de estarmos fora do próprio corpo
– quando você se lembra de um momento do passado, não visualiza exatamente o
que os seus olhos registraram; enxerga o seu corpo na cena. Do lado de fora.
Você se vê de costas, de lado, de frente… O cérebro é um diretor de cinema. E o
seu corpo, o protagonista.
Portanto, em meio à confusão de
uma parada cardíaca, a mente enxerga todas as recordações (e recriações)
recentes como imagens do presente. Atribui a elas o rótulo de “realidade”. É
por isso que os pacientes relatariam as cenas de ressuscitação como se estivessem
no teto do hospital. A experiência fora do corpo seria apenas um modelo de
memória do cérebro – só que tomado como real.
Alguns pacientes contam detalhes
específicos, como o caso da mulher que viu o médico se atrapalhar com o
carrinho cirúrgico. Susan, porém, acredita que nesses casos a audição estaria
ainda em funcionamento – já que é o último dos sentidos a ser perdido ‒, e a
mente seria capaz de criar aquela imagem visual.
Os pesquisadores que defendem a
“distinção entre mente e cérebro”, no entanto, não veem grande coerência nessas
teorias. Alegam que, naqueles instantes de morte, os aparelhos de
eletroencefalograma não deixam dúvida: não há atividade cerebral. No entanto,
outros três estudos feitos no século 21 questionam a ideia de total “desligamento”
do cérebro. Sugerem que as máquinas monitoram, principalmente, a atividade na
superfície do órgão. O monitor mostra a linha reta, mas outras partes mais
internas podem estar em atividade. É o caso do lobo temporal, o “núcleo” do
cérebro.
Um experimento em especial
parece sugestivo. Os voluntários receberam estímulos elétricos na região do
cérebro conhecida como giro angular direito, que é parte do lobo temporal. Com
uma certa intensidade de estimulação, os voluntários disseram se sentir “como
se estivessem afundando na cama”. Estímulos mais fortes produziram relatos como
“estou acima do meu corpo e o vejo estendido” – é que essa parte do cérebro é a
responsável por delimitar a percepção sobre onde termina e corpo e onde começa
o mundo exterior. Nos primeiros instantes de parada cardíaca, então, essa
região continua ligada, só que em parafuso. Daí para ela agir como nos
experimentos em que está sob uma descarga forte de impulsos elétricos é um
pulo.
Mas Sam Parnia, apesar de não
ser brasileiro, não desiste nunca. Ele preparou uma experiência bem maior para
caçar seus fantasmas. O inglês agora trabalha para recrutar hospitais pelo
mundo todo que topem instalar placas pelo prédio ou apenas permitir entrevistas
com os sobreviventes de paradas cardíacas.
Alexander
Moreira-Almeida[3]
Essa é a pesquisa que Alexander
Moreira-Almeida está fazendo com ele. O brasileiro é o braço direito de Parnia
por aqui. Três hospitais aceitaram a parceria (Santa Casa, Hospital
Universitário e Monte Sinai, todos de Juiz de Fora, a cidade de Alexander). [ver
“Estudo inédito no país avalia relatos
de quase-morte”, publicado neste blog em 25/08/2016]
Aos 6 anos, a menina reconheceu
um parente: o cunhado que tivera em uma vida passada.
Fenwick também está nessa: acertou
parcerias com hospitais do Reino Unido, da França e da Austrália. “Esperamos
conseguir compilar 1 500 relatos de EQMs. Se alguns pacientes conseguirem
relatar o texto das placas, poderemos demonstrar que a mente e o cérebro são
coisas distintas”, diz. Por “distinção entre mente e cérebro” entenda uma
consciência que existe independentemente do corpo. Mas é só um jargão. Na rua
as pessoas chamam isso de “espírito”, “alma”, “fantasma.”
O jargão também serviu para
batizar o primeiro evento brasileiro dedicado às pesquisas sobre o além, o “I
Simpósio Internacional Explorando as Fronteiras da Relação Mente e Cérebro”, em
(de novo) Juiz de Fora. Foi um ciclo de palestras em 2010 que reuniu 9
cientistas da área, entre eles Fenwick e Alexander. Na pauta, relatos de
experiências transcendentais, como as que você viu aqui, filosofia e
surrealidades da física quântica (que até tem seu lado ”espírita”: partículas
aparecem e desaparecem do nada no mundo subatômico, por exemplo, mas isso é
ciência tradicional mesmo).
Bem mais fora do comum, porém, é
outro assunto que estava na pauta do seminário: as pesquisas com reencarnação.
Como vocês, um dos maiores especialistas nessa área, que também esteve no
simpósio: Erlendur Haraldsson, do Departamento de Psicologia da Universidade da
Islândia.
[2] Cardiologista da Universidade de Southampton,
Inglaterra - Coordena a maior pesquisa da história sobre a existência de
espíritos.
[3] Psiquiatra da Universidade Federal de Juiz de Fora -
Pesquisa experiências de quase morte e curandeiros mediúnicos.
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