terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Médiuns Curadores[1]




Um oficial de caçadores, espírita de longa data, e um dos numerosos exemplos de reformas morais que o Espiritismo pode operar, transmitiu-nos os seguintes detalhes:
Caro mestre, aproveitamos as longas horas de inverno para nos entregarmos com ardor ao desenvolvimento de nossas faculdades mediúnicas. A tríade do 4º caçador, sempre unido, sempre vivo, inspira-se em seus deveres e ensaia novos esforços.
Sem dúvida desejais conhecer o objeto de nossos trabalhos, a fim de saber se o campo que cultivamos não é estéril. Podereis julgá-lo pelos detalhes seguintes. Desde alguns meses nossos trabalhos têm como meta o estudo dos fluidos. Esse estudo desenvolveu em nós a mediunidade curadora; assim, agora a aplicamos com sucesso. Há alguns dias, uma simples emissão fluídica de cinco minutos com minha mão foi suficiente para tirar uma nevralgia violenta.
Há vinte anos a Sra. P... estava afetada por uma hiperestesia aguda ou exagerada sensibilidade da pele, moléstia que a retinha no quarto há quinze anos. Mora numa pequena cidade vizinha e, tendo ouvido falar de nosso grupo espírita, veio buscar alívio junto de nós. Partiu ao cabo de trinta e cinco dias, completamente curada. Durante esse tempo recebeu diariamente um quarto de hora de emissão fluídica, com o concurso de nossos guias espirituais.
Ao mesmo tempo cuidávamos de um epiléptico, acometido por essa terrível enfermidade há vinte e sete anos. As crises se repetiam quase todas as noites, durante as quais sua mãe passava longas horas à sua cabeceira. Trinta e cinco dias bastaram para esta cura importante; e como aquela mãe estava feliz, levando o filho radicalmente curado! Nós nos revezávamos os três de oito em oito dias. Para a emissão fluídica, ora colocávamos a mão sobre a boca do estômago do doente, ora sobre a nuca, na raiz do pescoço. Cada dia o doente podia constatar uma melhora; nós mesmos, após a evocação e durante o recolhimento, sentíamos o fluido exterior nos invadir, passar em nós e se nos escapar dos dedos esticados e dos braços estendidos para o corpo do paciente que tratávamos.
Neste momento oferecemos os nossos cuidados a um segundo epiléptico; desta vez a moléstia talvez seja mais rebelde, porque é hereditária. O pai deixou nos quatro filhos o germe desta afecção; enfim, com a ajuda de Deus e dos Espíritos bons, esperamos reduzi-la em todos eles.
Caro mestre, reclamamos o socorro de vossas preces e das dos nossos irmãos de Paris. Para nós, esse concurso será um encorajamento e um estímulo aos nossos esforços. Depois, vossos Espíritos bons podem vir em nosso auxílio, tornar o tratamento mais salutar e abreviar a sua duração.
Como bem podeis imaginar, só aceitamos como recompensa – e já deve ser bastante – a satisfação de ter feito o nosso dever e obedecido ao impulso dos Espíritos bons. O verdadeiro amor do próximo traz consigo uma alegria sem mescla e deixa em nós algo de luminoso, que encanta e eleva a alma.
Assim, procuramos, tanto quanto nos permitem nossas imperfeições, compenetrarmo-nos dos deveres do verdadeiro espírita, que mais não são que a aplicação dos preceitos evangélicos.
O Sr. G... de L... deve trazer-nos o seu cunhado, que um Espírito malfazejo subjuga há dois anos. Lamennais, nosso guia espiritual, encarrega-nos do tratamento dessa rebelde obsessão.
Deus nos daria também o poder de expulsar os demônios? Se assim fosse, só teríamos de nos humilhar ante tão grande favor, em vez de nos orgulharmos. Quão maior ainda não seria para nós a obrigação de nos melhorarmos, para testemunhar o nosso reconhecimento e para não perdermos dons tão preciosos!”

Tendo sido lida esta interessante carta na Sociedade Espírita de Paris, na sessão de 18 de dezembro de 1863, um de nossos bons médiuns obteve a respeito, espontaneamente, as duas comunicações seguintes:
Existindo no homem em diferentes graus de desenvolvimento, em todas as épocas a vontade tem servido tanto para curar quanto para aliviar. É lamentável sermos obrigados a constatar que, também, foi a fonte de muitos males, mas é uma das consequências do abuso que, muitas vezes, o ser faz do livre-arbítrio.
A vontade desenvolve o fluido, seja animal, seja espiritual, porque, como sabeis agora, há vários gêneros de magnetismo, em cujo número estão o magnetismo animal e o magnetismo espiritual que, conforme a ocorrência pode pedir apoio ao primeiro. Um outro gênero de magnetismo, muito mais poderoso ainda, é a prece que uma alma pura e desinteressada dirige a Deus.
A vontade muitas vezes foi mal compreendida. Em geral aquele que magnetiza não pensa senão em manifestar sua força fluídica, derramar o seu próprio fluido sobre o paciente submetido aos seus cuidados, sem se preocupar se há ou não uma Providência que se interesse pelo caso tanto ou mais que ele.
Agindo só não pode obter senão o que a sua força, sozinha, pode produzir, ao passo que os médiuns curadores começam por elevar sua alma a Deus e a reconhecer que, por si mesmos, nada podem.
Fazem, por isto mesmo, um ato de humildade, de abnegação; então, confessando-se demasiado fracos, Deus, em sua solicitude, lhes envia poderosos socorros, que o primeiro não pode obter, já que se julga suficiente para a obra empreendida. Deus sempre recompensa a humildade sincera, elevando-a, ao passo que rebaixa o orgulho.
Esse socorro que envia são os Espíritos bons, que vêm penetrar o médium de seu fluido benfazejo, o qual é transmitido ao doente.
Também é por isto que o magnetismo empregado pelos médiuns curadores é tão potente e produz essas curas classificadas de miraculosas, e que são devidas simplesmente à natureza do fluido derramado sobre o médium; enquanto o magnetizador ordinário se esgota, muitas vezes inutilmente, em dar passes, o médium curador infiltra um fluido regenerador pela simples imposição das mãos, graças ao concurso dos Espíritos bons. Mas esse concurso só é concedido à fé sincera e à pureza de intenção.
Mesmer (Médium: Sr. Albert)

Uma palavra sobre os médiuns curadores de que acabais de falar. Estão todos nas mais louváveis disposições; têm a fé que transporta montanhas, o desinteresse que purifica os atos da vida e a humildade que os santifica. Que perseverem na obra de beneficência que empreenderam; que bem se lembrem de que aquele que pratica as leis sagradas ensinadas pelo Espiritismo, aproxima-se constantemente do Criador. Que, ao empregarem sua faculdade, a prece, que é a vontade mais forte, seja sempre o seu guia, o seu ponto de apoio. Em toda a sua existência, o Cristo vos deu a mais irrecusável prova da vontade mais firme; mas era a vontade do bem e não a do orgulho. Quando por vezes dizia: eu quero, a palavra estava cheia de unção; seus apóstolos, que o cercavam, sentiam abrir-se o coração a esta santa palavra. A doçura constante do Cristo, sua submissão à vontade do Pai, sua perfeita abnegação, são os mais belos modelos da vontade que se possa propor para exemplo.
Paulo, apóstolo – Médium: Sr. Albert

Algumas explicações farão compreender facilmente o que se passa nesta circunstância. Sabe-se que o fluido magnético ordinário pode dar a certas substâncias propriedades particulares ativas. Neste caso, age de certo modo como agente químico, modificando o estado molecular dos corpos; nada há, pois, de admirável que possa modificar o estado de certos órgãos; mas igualmente se compreende que sua ação, mais ou menos salutar, deve depender de sua qualidade; daí as expressões “bom ou mau fluido; fluido agradável ou penoso”. Na ação magnética propriamente dita, é o fluido pessoal do magnetizador que é transmitido, e esse fluido, que não é senão o perispírito, sabe-se que participa sempre, mais ou menos, das qualidades materiais do corpo, ao mesmo tempo em que sofre a influência moral do Espírito.
É, pois, impossível que o fluido próprio de um encarnado seja de pureza absoluta, razão por que sua ação curativa é lenta, por vezes nula, por vezes até nociva, porque pode transmitir ao doente princípios mórbidos. Pelo fato de um fluido ser bastante abundante e enérgico para produzir efeitos instantâneos de sono, de catalepsia, de atração ou de repulsão, não se segue absolutamente que tenha as necessárias qualidades para curar; é a força que derruba, e não o bálsamo, que suaviza e restaura; assim, há Espíritos desencarnados de ordem inferior, cujo fluido pode mesmo ser muito maléfico, o que os espíritas a todo instante têm ocasião de constatar. Só nos Espíritos superiores o fluido perispiritual está despojado de todas as impurezas da matéria; está, de certo modo, quintessenciado; por conseguinte, sua ação deve ser mais salutar e mais imediata; é o fluido benfazejo por excelência. Visto que não pode ser encontrado entre os encarnados, nem entre os desencarnados vulgares, faz-se mister pedi-lo aos Espíritos elevados, como se vai procurar em regiões distantes os remédios que não encontramos em nossa terra.
O médium curador pouco emite de seu próprio fluido; sente a corrente do fluido estranho que o penetra e ao qual serve de conduto; é com esse fluido que magnetiza, e aí está o que caracteriza o magnetismo espiritual e o distingue do magnetismo animal: um vem do homem; o outro, dos Espíritos. Como se vê, nada há nisso de maravilhoso, mas um fenômeno resultante de uma lei da Natureza, que não se conhecia.
Para curar pela terapêutica ordinária, não bastam os primeiros medicamentos que surgem; são precisos puros, não avariados ou adulterados, e convenientemente preparados. Pela mesma razão, para curar pela ação fluídica, os fluidos mais depurados são os mais salutares; já que esses fluidos benfazejos são os próprios fluidos dos Espíritos superiores, é o concurso destes últimos que se deve obter. Por isto a prece e a invocação são necessárias. Mas para orar e, sobretudo, orar com fervor, é preciso fé. Para que a prece seja ouvida, é preciso que seja feita com humildade e ditada por um real sentimento de benevolência e de caridade. Ora, não há verdadeira caridade sem devotamento, nem devotamento sem interesse. Sem estas condições o magnetizador, privado da assistência dos Espíritos bons, fica reduzido às suas próprias forças, muitas vezes insuficientes, ao passo que com o concurso deles, elas podem ser centuplicadas em poder e em eficácia. Mas não há licor, por mais puro que seja, que não se altere ao passar por um vaso impuro; dá-se o mesmo com o fluido dos Espíritos superiores, ao passar pelos encarnados. Daí, para os médiuns nos quais se revela essa preciosa faculdade, e que querem vê-la crescer e não se perder, a necessidade de trabalharem o seu melhoramento moral.
Entre o magnetizador e o médium curador há, pois, esta diferença capital: o primeiro magnetiza com o seu próprio fluido, e o segundo com o fluido depurado dos Espíritos; donde se segue que estes últimos dão o seu concurso a quem querem e quando querem; que podem recusá-lo e, por conseguinte, tirar a faculdade daquele que dela abusasse ou a desviasse de seu fim humanitário e caritativo, para dela fazer comércio. Quando Jesus disse aos apóstolos: “Ide! expulsai os demônios, curai os enfermos”, acrescentou: “Dai de graça o que de graça recebestes”.
Os médiuns curadores tendem a multiplicar-se, como anunciaram os Espíritos, e isto em vista de propagar o Espiritismo, pela impressão que esta nova ordem de fenômenos não deixará de produzir nas massas, porquanto não há quem não ligue para a sua saúde, mesmo os maiores incrédulos. Desse modo, quando virem obter com o concurso dos Espíritos o que a Ciência não pode dar, forçoso será convir que há uma força fora do nosso mundo. Assim a Ciência será levada a sair da via exclusivamente material em que ficou até hoje. Quando os magnetizadores antiespiritualistas ou antiespíritas virem que existe um magnetismo mais poderoso que o seu, serão forçados a remontar à verdadeira causa.
Importa, todavia, precaver-se contra o charlatanismo, que não deixará de tentar explorar em proveito próprio esta nova faculdade. Para isto, há um meio muito simples: lembrar-se de que não há charlatanismo desinteressado, e que o desinteresse absoluto, material e moral, é a melhor garantia de sinceridade. Se há uma faculdade dada por Deus com um objetivo santo, sem sombra de dúvida é esta, pois que exige imperiosamente o concurso dos Espíritos superiores, e este não pode ser adquirido pelo charlatanismo. É para que se fique bem edificado quanto à natureza toda especial desta faculdade que nós o descrevemos com alguns detalhes. Embora tenhamos podido constatar-lhe a existência por fatos autênticos, muitos dos quais passados sob os nossos olhos, pode dizer-se que ainda é rara, e só existe parcialmente nos médiuns que a possuem, seja por não terem todas as qualidades requeridas para possui-la em sua plenitude, seja por estar ainda em começo. Eis por que, até hoje, os fatos não tiveram muita repercussão; mas não tardarão a tomar desenvolvimentos capazes de chamar a atenção geral. Dentro de poucos anos ela se revelará nalgumas pessoas predestinadas para isto, com uma força que triunfará de muitas obstinações. Mas não são os únicos fatos que o futuro nos reserva, e pelos quais Deus confundirá os orgulhosos e os convencerá de sua impotência. Os médiuns curadores são um dos mil meios providenciais para atingir este objetivo e acelerar o triunfo do Espiritismo. Compreende-se facilmente que esta qualificação não pode ser conferida aos médiuns escreventes, que obtêm receitas médicas de certos Espíritos.
Não encaramos a mediunidade curadora senão do ponto de vista fenomênico e como meio de propagação, e não como recurso habitual. Em próximo artigo trataremos de sua possível aliança com a Medicina e o magnetismo ordinários.




[1] Revista Espírita – Janeiro/1864 – Allan Kardec

Nenhum comentário:

Postar um comentário