O fato seguinte foi relatado
pela Patrie do mês de abril último:
O proprietário de
uma casa na Rua du Cherche-Midi tinha permitido anteontem que o inquilino se
mudasse sem saldar a conta, mediante reconhecimento da dívida. Mas enquanto carregavam
os móveis o proprietário mudou de ideia e quis ser pago antes da retirada da
mobília. O locatário se desesperava, sua esposa chorava e dois filhos em tenra
idade imitavam a mãe. Um cavalheiro, condecorado com a Legião de Honra, passava
no momento por aquela rua. Parou. Tocado por esse espetáculo desolador,
aproximou-se do infeliz devedor e, tendo-se informado da quantia devida pelo
aluguel, entregou-lhe duas cédulas e desapareceu, acompanhado pelas bênçãos
daquela família, que salvava do desespero.
No mês de julho, o jornal
L’Opinion du Midi, de Nîmes, relatava outro caso do mesmo gênero:
Acaba de passar-se
um fato tão estranho, pelo mistério com que se realizou, quão tocante por seu
objetivo e pela delicadeza do procedimento do seu autor.
Há três dias
anunciamos que um violento incêndio tinha consumido quase completamente a loja
e as oficinas do Sr. Marteau, marceneiro em Nîmes. Contamos a dor desse infeliz
em presença de um sinistro que consumava sua ruína, pois o seguro que fizera
era infinitamente inferior ao valor das mercadorias destruídas.
Soubemos hoje que
três carretas, contendo madeira de diversas qualidades e instrumentos de
trabalho, foram levadas à frente da casa do Sr. Marteau e descarregadas em suas
oficinas, semidevoradas pelas chamas.
O responsável pela
condução das carretas respondeu às interpelações de que era objeto, alegando a
ignorância em que se achava, relativamente ao nome do doador, cuja vontade
executava.
Sustentou não
conhecer a pessoa que o havia comissionado para transportar a madeira e as
ferramentas à casa do Sr. Marteau, e nada saber fora dessa comissão. Retirou-se
após ter descarregado as três viaturas.
A alegria e a
felicidade substituíram no Sr. Marteau o abatimento de que era impossível
tirá-lo desde o dia do incêndio.
Que o generoso
desconhecido, que tão nobremente veio em socorro de um infortúnio que, sem ele,
talvez tivesse sido irreparável, receba aqui os agradecimentos e as bênçãos de
uma família que, desde hoje, lhe deve as mais doces consolações e, talvez, logo
venha a lhe dever a prosperidade.
O coração se tranquiliza quando
lemos fatos semelhantes que, de vez em quando, vêm fazer a contrapartida dos relatos
de crimes e torpezas que os jornais estampam em suas colunas. Fatos como os
acima relatados provam que a virtude não está inteiramente banida da Terra,
como pensam certos pessimistas.
Sem dúvida nela o mal ainda
domina, mas quando se procura na sombra, percebe-se que, sob a erva daninha, há
mais violetas, isto é, maior número de almas boas do que se pensa. Se elas
surgem a intervalos tão espaçados, é que a verdadeira virtude não se põe em evidência,
porque é humilde; contenta-se com os prazeres do coração e a aprovação da
consciência, ao passo que o vício se manifesta afrontosamente, em plena luz;
faz barulho, porque é orgulhoso. O orgulho e a humildade são os dois polos do
coração humano: um atrai todo o bem; o outro, todo o mal; um tem calma; o
outro, tempestade; a consciência é a bússola que indica a rota conducente a
cada um deles.
O benfeitor anônimo, do mesmo
modo que o que não espera a morte para dar aos que nada têm, é,
incontestavelmente, o tipo do homem de bem por excelência; é a personificação
da virtude modesta, aquela que não busca os aplausos dos homens.
Fazer o bem sem ostentação é um
sinal incontestável de grande superioridade moral, porque é preciso uma fé viva
em Deus e no futuro, um alheamento da vida presente e uma identificação com a vida
futura para esperar a aprovação de Deus, bem como renunciar à satisfação
proporcionada pelo testemunho atual dos homens. O favorecido abençoa de coração
a mão generosa e desconhecida que o socorreu, e essa bênção sobe ao céu muito
mais que os aplausos da multidão. Aquele que leva em maior conta o sufrágio dos
homens do que a aprovação de Deus mostra ter mais fé nos homens do que em Deus
e que a vida presente tem mais valor que a vida futura. Se disser o contrário,
age como se não acreditasse no que diz. Entre estes, quantos não fazem um favor
senão com a esperança de que o favorecido venha proclamar o benefício do alto dos
telhados! que em plena luz dão uma grande soma, mas na obscuridade não dariam
uma simples moeda! Eis por que disse Jesus: “Os que fazem o bem com ostentação
já receberam a sua recompensa.” Com efeito, àquele que busca a sua glorificação
na Terra, Deus nada deve; só lhe resta receber o preço de seu orgulho.
Que relação tem isto com o
Espiritismo? Talvez perguntem certos críticos; quantos casos mais divertidos
não contareis do que esta moral enfadonha? (Jugement
de la morale spirite, do Sr. Figuier, IV vol., pág. 369). Tem relação à
medida que o Espiritismo, dando fé inabalável na bondade de Deus e na vida futura,
graças a ele os homens que fizerem o bem pelo bem serão menos raros do que o
são hoje; os jornais terão menos crimes e suicídios a registrar e mais atos da
natureza dos que deram lugar a estas reflexões.
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