Mariana
Alvim ‒ Da BBC Brasil em São Paulo
Experimente digitar, em campos
de buscas das redes sociais, combinações de palavras como "tempo",
"passando rápido" ou "voando". Você provavelmente vai
encontrar um mural de mensagens denunciando uma sentida aceleração do tempo ‒ e
entre elas pode estar até uma postagem sua ou de um amigo.
Esta sensação parece ser tamanha
que vem ganhando novas frentes de estudo pelo mundo, da história à
neurociência. Em outubro, por exemplo, aconteceu na França a primeira
conferência da Timing Research Forum ‒ um grupo multidisciplinar e
internacional que pesquisa o tempo e sua percepção, criado em 2016.
No Brasil, há também um
laboratório dedicado a estudos sobre o tempo e a cognição, na Universidade
Federal do ABC (UFABC). E, neste ano que se aproxima do fim, o Prêmio Nobel de
Medicina laureou três cientistas que se debruçaram sobre os mecanismos
moleculares que ditam os ciclos circadianos ‒ aquilo que costumamos chamar de
relógio biológico.
As tecnologias podem estar
contribuindo para a sensação de que o tempo está acelerado? O tempo passa
rápido quando estamos nos divertindo? Qual é o lugar do aumento da longevidade
nessa equação?
Para responder a essas
perguntas, a BBC Brasil conversou com pesquisadores das ciências naturais e
sociais que vêm se dedicando ao tema. Spoiler: a percepção do tempo é um
fenômeno altamente complexo, indo muito além da aparente ordem dos relógios e
calendários que avançam em sintonia. É também ainda cercado por mistérios. Mas,
sim, em geral o tempo voa quando estamos nos divertindo ‒ a questão é que nossa
percepção sobre o tempo é uma quando falamos da vivência momentânea, e outra
quando criamos uma memória sobre ela.
Se para você as badaladas dos
sinos de Natal soam quase como um alarme, entenda como os fatores abaixo podem
estar influenciando a sua percepção sobre o tempo.
1. O 'paradoxo das
férias': nossa percepção do tempo é uma quando estamos vivendo uma experiência,
e outra quando lembramos dela.
No campo de estudo sobre a
percepção do tempo, há algo chamado de "paradoxo das férias" ‒ a
percepção em um dado momento de que o tempo está passando rápido mas, quando
lembrado em retrospectiva, esse período parece longo, como quando estamos de
férias.
O contrário também é verdadeiro.
Pense em estar em uma fila de banco: ali, naquele momento, o tempo parece
passar devagar mas, quando lembrado, pode parecer que nem existiu.
Em geral, essas duas situações
podem ser explicadas por dois tipos de leitura que fazemos sobre o tempo: a
percepção momentânea e o julgamento retroativo. Isso já foi apontado também
pelo psicólogo Daniel Kahneman ao diferenciar o "eu da experiência"
do "eu da lembrança".
"Na percepção do momento em
si, o julgamento depende muito de quanta atenção você está dando para a
passagem do tempo. Já quando esse momento passa, parecem mais longos os
períodos em que houve uma sucessão de vários eventos diferentes", explicou
à BBC Brasil André Cravo, coordenador do Laboratório de Cognição Humana da
UFABC.
Para o pesquisador, tal
dualidade revela a complexidade da percepção do tempo ‒ um processo que combina
memórias, emoções, expectativas e sentidos.
"Quando falamos de tempo,
esbarramos em muitos processos cognitivos. De qualquer forma, o que quer que o
cérebro esteja fazendo não há nada parecido como um relógio", diz Cravo,
destacando que nossa "escala" diante do tempo vai desde os
milissegundos necessários para escutar um som às variações diárias de nosso
relógio biológico.
Um exemplo clássico neste debate
é o do acidente de carro, onde sobreviventes costumam relatar que sentiram como
se o tempo tivesse desacelerado. Para verificar se pessoas em situação de medo
realmente passam por uma experiência de câmera lenta, cientistas da
universidade americana Baylor College of Medicine in Houston fizeram
voluntários saltarem com relógios em queda livre. Nesses relógios, eram
exibidos números em uma sequência cada vez mais acelerada. No teste idealizado
pelos cientistas, se a percepção do tempo durante uma situação de adrenalina
realmente virasse uma câmera lenta, os voluntários poderiam identificar mais
números no relógio do que em uma situação normal.
Isso não aconteceu. Por outro
lado, os participantes estimaram seu tempo de queda como 36% mais longo do que
o de outros voluntários. Para os pesquisadores, isso indicou que a sensação da
maior duração não acontecia devido a uma experiência de câmera lenta, mas a
como esta memória era registrada.
"De uma forma, eventos
assustadores estão associados a memórias mais ricas e densas. E quanto mais
memórias você tem de um evento, mais você acha que ele durou", explicou em
um comunicado à imprensa o neurocientista David Eagleman.
Claudia Hammond, psicóloga e
autora do livro “Time Warped: Unlocking the Mysteries of Time Perception”
("Tempo distorcido: decodificando os mistérios da percepção do tempo",
em tradução livre; sem versão em português), diz que a riqueza das experiências
também vale para memórias positivas.
"Você pode manipular isso,
sentindo o tempo passar mais devagar ao preenchê-lo com coisas interessantes e
variadas. Mesmo que isto signifique fazer um caminho diferente para o trabalho
ou buscar coisas novas a cada semana", sugeriu Hammond em entrevista à BBC
Brasil.
"Acho interessante que as
pessoas normalmente fiquem chateadas com a sensação de que o tempo está
passando rápido. Mas se você olha para as situações nas quais se sente que o
tempo está passando devagar, elas normalmente são negativas: estão associadas à
depressão, solidão, rejeição, doenças... Então, de alguma forma, se o tempo
parece estar passando rápido, é um sinal de que você tem uma vida ocupada e
interessante".
2. O tempo acelera
conforme envelhecemos?
No projeto "Time", uma
interface na internet criada pelo designer Maximilian Kiener, uma linha do
tempo brinca com a relação entre a nossa idade e o tempo que temos pela frente
(confira aqui[2]).
Tal medida é atribuída ao filósofo Paul Janet.
"Quando você tem quatro
semanas de vida, uma semana é um quarto de sua vida", diz o site.
"Quando você tiver 50 anos, um ano será 1/50 da sua vida".
Com o aumento da longevidade,
tal ideia teria implicações ainda maiores ‒ no mundo, a expectativa de vida
passou de 52 anos em 1960 para 70 em 2010; no Brasil, a evolução foi dos 48
para 73 anos no período. Seguindo a lógica da proporcionalidade, tempo seria
como dinheiro.
"Dinheiro e tempo são ambos
guardados e gastos. Alguns dizem que tempo é dinheiro. Quanto mais dinheiro há
no mercado, menos valor ele tem. Igualmente, quanto mais tempo você viveu, mais
curtos parecem os anos", diz o projeto.
Hammond, no entanto, faz ressalvas
à proporcionalidade como explicação para a percepção do tempo. Para ela, tal
cálculo não leva em conta como experimentamos ‒ com nossa atenção e emoção, por
exemplo ‒ a passagem do tempo.
"A idade é muito
importante, mas a proporcionalidade não é a explicação de o que de fato está
acontecendo. O que acontece é que nos lembramos melhor de coisas que
aconteceram entre os 15 e 25 anos. É nesta fase que estamos construindo nossas
identidades e que experimentando várias coisas pela primeira vez. Essas experiências
nos marcam e fazem esses períodos parecerem mais longos", aponta a
pesquisadora.
Para além destes primeiros
marcos, uma série de estudos, com desenhos variados, já buscou avaliar
diferenças na percepção do tempo entre vários grupos etários. Mas conclusões
consistentes ainda parecem estar distantes.
3. Celulares e telas
- lentes importantes na percepção do tempo, mas ainda pouco conhecidas
Se há ainda muito a ser
descoberto sobre a percepção do tempo, o uso de aparelhos como celulares,
computadores e televisões adiciona mais uma incógnita à equação. Isso não quer
dizer, porém, que o que se sabe sobre a riqueza das experiências e das
lembranças não possa ser útil.
"Coisas que distraem a
gente alteram a percepção do tempo. Na internet, é muito comum você perder a
noção do tempo, que parece passar mais rápido. Mas isso é uma coisa rotineira,
que não marca tanto nas suas lembranças posteriores", aponta Cravo.
Hammond também destaca o fato de
perdermos o controle do tempo diante das tecnologias, mas acredita que elas
podem, de alguma forma, estar contribuindo com o reforço das memórias.
"Nestas plataformas,
estamos mantendo registros de nossas memórias. O Facebook, por exemplo, de
alguma maneira faz uma curadoria de suas memórias. Pergunto-me se este tipo de
coisa pode eventualmente mudar a forma como percebemos o tempo", questiona
a psicóloga.
4. A sociedade em que
habitamos: o papel da modernidade na sensação de aceleração
Em algum nível, a cultura também
influencia a nossa percepção do tempo. Foi o que mostrou um estudo publicado em
abril deste ano, no qual cientistas fizeram testes com pessoas que falam
espanhol, sueco ou ambas as línguas. No espanhol, assim como no grego, o tempo
é referido por meio de vocabulário que remete ao volume (grande ou pequeno); já
no sueco e inglês, o vocabulário remete a distâncias (longo e curto). Assim,
diante de telas exibindo imagens explorando volumes e distâncias, os
participantes fizeram estimativas de tempo diferentes de acordo com a língua
que falam.
Rodrigo Turin, professor de
História na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), vem se
dedicando ao estudo da percepção do tempo na contemporaneidade. Segundo ele, a
modernidade trouxe, com transformações sociais e tecnológicas, a aceleração do
tempo como uma experiência histórica. Isto pode ser exemplificado com o
surgimento do telégrafo e do trem a vapor ‒ "encurtadores" do tempo e
do espaço ‒, com a centralidade dos relógios mecânicos e com a sensação de
"vertigem" diante de rupturas políticas e sociais como a Revolução
Francesa.
"O conceito de 'revolução',
inclusive, só ganha seu sentido moderno quando passa a expressar justamente a
busca voluntária pela aceleração do tempo, promovendo transformações rápidas e
radicais. Fazer a revolução é acelerar a história. Toda a estética moderna,
pautada na ideia de vanguarda, enraíza-se igualmente na busca incessante pelo
'novo', em permanente ruptura com o passado", escreveu por e-mail à BBC
Brasil o historiador.
"Essa aceleração das
sociedades modernas sempre era orientada por alguma finalidade. Conceitos como
o de 'progresso', cunhado no final do século 18, indicavam esse sentido de
melhoria promovido pela aceleração do tempo. Basta lembrar o caso, aqui no
Brasil, do lema de Juscelino Kubitschek, '50 anos em 5', com todo seu otimismo."
"A diferença dessa
aceleração vivenciada desde o século 18 até meados do século 20, e a nossa
aceleração contemporânea, parece estar, justamente, no esvaziamento dessa
perspectiva otimista. A crise climática, a escassez de recursos naturais, todas
as catástrofes produzidas pela ideia de progresso levaram a uma descrença em
relação ao futuro como um horizonte de redenção da humanidade. Hoje, a ideia de
avançar 50 anos em 5 provavelmente iria causar nas pessoas mais temor do que
felicidade", aponta o historiador.
Para ele, o desconforto
contemporâneo diante do tempo ‒ chegando ao extremo do "tempo real",
"uma sucessão acelerada de 'agoras'" ‒ tem efeitos como o aumento nos
casos de depressão e ansiedade. Segundo a Organização Mundial da Saúde, hoje
cerca de 4% da população mundial vive com depressão. E o número vem crescendo
com o passar dos anos.
Para Turin, esse desconforto
diante do tempo tem levado também a uma nostalgia pelas décadas anteriores.
"Primeiro com os anos 80,
agora já com os 90, resultando naquilo que o escritor argentino Ricardo Piglia
chamou de um 'barateamento do mercado da história'", afirma.
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