Nosso colega, o Sr. Delanne,
transmitiu-nos o relato seguinte, a propósito da evocação de sua esposa, que
estava viva e ficara em Paris, durante viagem que ele fez:
...Em 11 de dezembro
último, estando em Lille, evoquei o Espírito de minha esposa às onze e meia da
noite. Ela me disse que uma de suas parentas casualmente havia dormido com ela.
Esse fato me deixou
em dúvida e não acreditei na sua possibilidade; entretanto, dois dias depois
recebi uma carta de minha mulher confirmando a realidade. Remeto a minha
entrevista que, posto nada contenha de particular, oferece uma prova de
identidade.
1. Estais aí, querida amiga?
– Sim, meu grande (Era o seu termo favorito).
2. Vês os objetos que me cercam?
– Vejo-os bem. Sinto-me feliz por estar perto de ti.
Espero que estejas bem agasalhado. (Eram 11 e meia; eu chegava de Arras; não
havia aquecimento no quarto; estava vestido com meu casaco de viagem e nem
mesmo tinha tirado o cachecol).
3. Estás contente por ter vindo sem o corpo?
– Sim, meu amigo. Agradeço-te por isto. Tenho o corpo
fluídico, o perispírito.
4. És tu que me fazes escrever? Onde te encontras?
– Perto de ti; certamente tua mão tem dificuldade em
mover-se.
5. Estás bem adormecida?
– Não, ainda não muito bem.
6. Teu corpo te retém?
– Sim, sinto que me retém. Meu corpo está um pouco
adoentado, mas o Espírito não sofre.
7. Durante o dia tiveste a intuição de que eu te evocaria esta
noite?
– Não; todavia não posso definir o que me dizia que eu te
veria. (Neste instante tive um acesso de tosse). Tu tosses sempre, amigo;
cuida-te um pouco.
8. Podes ver meu perispírito?
– Não; só posso distinguir o teu corpo material.
9. Tu te sentes mais livre e melhor do que com o corpo?
– Sim, porque não sofro mais. (Numa carta posterior fiquei
sabendo que ela estava indisposta).
10. Vês Espíritos ao meu redor?
– Não; e, contudo, gostaria de vê-los.
11. Tens medo de ficar só em casa?
– Adélia está comigo. (Esta criatura, uma de nossas parentas,
jamais dorme em nossa casa; só a vemos raramente).
12. Como é que Adélia está contigo? Dormiu contigo?
– Sim, por acaso.
13. És tu mesma quem falas, esposa querida?
– Sim, amigo; sou eu mesma.
14. Vês bem claro aqui?
– Sim; tudo irradia melhor que tua fraca luz. (Eu só
dispunha de uma vela, num grande quarto).
15. Tu te comunicas por intuição ou mecanicamente?
– Atuo mais particularmente sobre o teu cérebro, que está
apto a receber mais facilmente; apesar disso, dirijo, ao mesmo tempo, tua mão.
16. Como podes ver que meu cérebro é apto a receber as
comunicações espíritas?
– É pelo desenvolvimento que teus órgãos adquiriram há
pouco tempo, o que prova que foi preciso... (Neste instante soa meia-noite e o
Espírito pára).
17. Ouves o som do pêndulo?
– Sim. Fiquei impressionada com esse som anormal; é
semelhante à música celeste, que ouvi no sonho que te contei. (Com efeito,
pouco tempo antes de minha partida, ela havia tido um sonho maravilhoso, no
qual ouvira uma harmonia singular. Sem dúvida naquele momento eu não pensava no
sonho, que havia esquecido completamente; portanto, não podia ser reflexo de
meu pensamento, uma vez que dele ninguém mais tinha conhecimento. Estando só
naquela ocasião, vi nessa revelação espontânea uma nova prova da identidade do
Espírito de minha mulher. O Espírito termina a frase começada acima)
...muita força em
tão pouco tempo.
18. Queres que eu evoque meu anjo-da-guarda para controlar
tua identidade? Isto te incomodaria?
– Podes fazê-lo.
19. [Ao meu anjo-da-guarda] – É mesmo o Espírito de minha
mulher que acaba de me falar?
– É tua esposa que te fala e está satisfeita por te ver.
20. [À minha esposa] – Viste meu anjo-da-guarda?
– Sim; é resplandecente de luz. Apenas apareceu e
desapareceu.
21. Ele te viu?
– Sim, olhou-me com olhos de celeste clemência; e eu,
confusa, prosternei-me. Adeus, meu grande, sou forçada a deixar-te.
Observação – Se
esse controle se tivesse limitado à resposta do anjo-da-guarda, teria sido
insuficiente, pois implicaria, por sua vez, em controlar a identidade do
anjo-da-guarda, levando-se em conta que um Espírito enganador poderia ter
usurpado o nome. Nada há nessa simples afirmação que revele sua qualidade.
Em casos semelhantes é sempre preferível fazer o controle
por um médium estranho que não estivesse sob a mesma influência; evocar ele
próprio um Espírito para controlar outro nem sempre oferece garantia
suficiente, sobretudo se se pede permissão ao suspeito. No caso em questão,
encontramos a prova na descrição que o Espírito faz do anjo-da-guarda; um
Espírito enganador não poderia ter tomado aquele aspecto celeste. Aliás,
reconhece-se em todas as suas respostas um cunho de verdade que a fraude seria
incapaz de simular.
(Sessão da noite
seguinte)
22. Estás aí?
– Sim. Vou dizer o que te preocupa: Adélia. Pois bem! Ela
realmente dormiu comigo, eu te juro.
23. Teu corpo está melhor?
– Sim. Não era nada.
24. Hoje vês Espíritos perto de ti?
– Ainda nada vejo, mas pressinto alguém, pois estou muito
inquieta por estar só.
25. Ora, boa amiga, e talvez melhores.
– Sim; é o que vou fazer. Dize comigo: “Meu Deus, grande e
justo, abençoai-nos, absolvei-nos de nossas iniquidades; fazei graças aos
filhos que vos amam; dignai-vos inspirar-lhes as vossas virtudes e
concedei-lhes a graça insigne de um dia serem contados entre os eleitos. Que a
dor terrestre nada lhes pareça em comparação com a felicidade que reservais aos
que vos amam sinceramente. Absolvei-nos, Senhor, e continuai a nos prodigalizar
os vossos benefícios pela intercessão divina da mais pura e angélica Santa
Maria, mãe dos pecadores e a misericórdia encarnada”.
Observação –
Improvisada pelo Espírito, esta prece é de tocante simplicidade. O Sr. Delanne
não conhecia o fato relativo a Adélia
senão pelo que havia dito o Espírito de sua esposa, e era tal fato que
inspirava dúvidas. Tendo-lhe escrito a respeito, recebeu a seguinte resposta:
...De fato Adélia
veio ontem à tarde, por acaso.
Convidei-a a ficar,
não por medo, de que me rio, mas para tê-la comigo. Bem vês que ela ficou e
dormiu comigo. Fiquei um tanto perturbada estas duas noites; sentia um certo
mal-estar, do qual não me dava conta perfeitamente; era como se força
invencível me forçasse a dormir; estava como que aniquilada. Mas estou tão
feliz por ter ido a ti!...”
[1] Revista Espírita – Janeiro/1863 – Allan Kardec
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