(Bordeaux, novembro de 1861)
O Sr. Girard de Codemberg,
antigo aluno da Escola Politécnica, é autor de um livro intitulado: O Mundo
Espiritual, ou ciência cristã de comunicar intimamente com as potências
celestes e as almas felizes[2].
Essa obra contém comunicações excêntricas que denotam manifesta obsessão e cuja
publicação os espíritas sérios lamentam profundamente. O autor morreu em
novembro de 1858 e foi evocado na Sociedade de Paris em 14 de fevereiro de
1859.
Pode-se ver o resultado dessa
evocação na Revista Espírita do mês de abril de 1859. A evocação que se segue
foi feita em Bordeaux, em novembro de 1861; a coincidência das duas evocações é
digna de nota.
1. Poderíeis responder a algumas perguntas que desejo
fazer?
– É um dever.
2. Qual a vossa posição no mundo dos Espíritos?
– Feliz,
relativamente à vida que levava na Terra, porquanto ali eu não via o mundo
espiritual senão através do nevoeiro dos meus pensamentos, ao passo que agora
vejo desdobrar-se à minha frente a grandeza e a magnificência das obras de
Deus.
3. Numa passagem de vossa obra, que tenho em mãos,
dissestes: “Perguntam à mesa o nome do meu anjo-da-guarda que, conforme a
crença americana, é apenas uma alma feliz, tendo vivido nossa vida terrena e
que, por conseguinte, deve ter um nome na sociedade humana.” Essa crença,
dizeis, é uma heresia. Que pensais hoje dessa heresia?
– Disse-vos que
tinha visto mal, porque, inexperiente na prática do Espiritismo, aceitei como
verdades os princípios que me eram ditados por Espíritos levianos e impostores.
Mas, em presença de verdadeiros e sinceros espíritas que aqui se acham reunidos
nesta noite, confesso que o anjo-da-guarda, ou Espírito protetor, outra coisa
não é senão o Espírito que chegou ao progresso moral e intelectual pelas
diversas fases percorridas em suas encarnações nos diferentes mundos, e que a
reencarnação, que eu negava, é a mais sublime e a maior prova da justiça de
nosso Pai, que está no céu, e que não quer a nossa perda, mas a nossa
felicidade.
4. Em vossa obra falais igualmente do purgatório. Que
significado quisestes dar a essa palavra?
– Eu pensava, com
razão, que os homens não podiam alcançar a felicidade sem se purificarem das
máculas que a vida material sempre deixa no Espírito. Mas o purgatório, cujo temor
me dava uma fé cega, em vez de ser um abismo de fogo, como eu o imaginava, não
era senão os mundos inferiores, em cujo número está a Terra, onde todas as
misérias a que está sujeita a humanidade se manifestam de mil e uma maneiras.
Não está aí a explicação da palavra purgare?
5. Também dizeis que vosso anjo-da-guarda respondeu, a
propósito do jejum: “O jejum é o complemento da vida cristã e a ele te deves
submeter.” Que pensais disto agora?
– O complemento da
vida cristã! E os judeus, os muçulmanos, que também jejuam! O jejum não é
apropriado exclusivamente à vida cristã; entretanto, algumas vezes é útil, naquilo
que pode enfraquecer o corpo e acalmar as revoltas da carne. Crede-me, mais
vale uma vida simples e frugal do que todos os jejuns feitos com vistas a dar
espetáculo aos homens, mas que em nada corrigem vossas inclinações e tendências
para o mal. Vejo que exigis de mim uma retratação completa de meus escritos. Eu
vo-la devo, porque alguns fanáticos, que não fazem parte da época em que
escrevi, têm uma fé cega naquilo que publiquei como a exata verdade. Não sou
punido por isso, porque atuava de boa-fé e escrevia sob a influência temerosa
das lições dos primeiros anos, às quais não podia subtrair a vontade de pensar
e agir; mas, crede, será muito restrito o número dos que abandonarão o caminho
traçado pelo Sr. Allan Kardec para seguir o meu. São pessoas com as quais não
se deve contar muito, marcadas pelo anjo da libertação para serem arrastadas no
turbilhão renovador que deve transformar a sociedade. Sim, meus amigos, sede
espíritas. É Gérard de Codemberg que vos convida a tomardes lugar no grande
banquete fraterno, porquanto vós sois e nós somos todos irmãos, e a reencarnação
nos torna solidários, apertando entre nós os laços da fraternidade em Deus.
Observação – Este
pensamento de que os homens serão expulsos e enviados a mundos inferiores, caso
não aproveitem os avisos de Deus no grande movimento que deve operar a
renovação da Humanidade, opondo-lhe obstáculos, acha-se hoje reproduzido por
todos os lados nas comunicações dos Espíritos. Dá-se o mesmo com este outro:
chegamos ao momento desta transformação, cujos sintomas já se fazem sentir.
Quanto ao que atribui ao Espiritismo a base dessa transformação, é universal.
Tal coincidência tem algo de característico. – A. K.
6. Dissestes ter evocado a santa Virgem Maria e que dela
recebestes conselhos. Essa manifestação foi real?
– Quantos dentre vós
vos julgais inspirados por ela e sois enganados! Sede vós mesmos vossos e meus
juízes.
7. Ao dirigirdes à Virgem a pergunta: – “Há, pelo menos,
na sorte das almas punidas, a esperança conservada por vários teólogos da
gradação das penas?” –, dissestes ter sido esta a sua resposta: “As penas
eternas não têm gradação; são todas as mesmas e as chamas são os seus ministros”.
Qual a vossa opinião a respeito?
– As penas
infligidas aos Espíritos maus são reais, mas não eternas. Testemunham os vossos
pais e amigos, que acorrem diariamente ao vosso apelo e que vos dão, sob todas
as formas, ensinamentos que apenas confirmam a verdade.
8. Alguém da
assistência pergunta se o fogo queima fisicamente ou moralmente.
– Fogo moral.
Em seguida o Espírito continua espontaneamente:
Caros irmãos em
Espiritismo, sois os escolhidos de Deus para a sua santa propagação. Mais feliz
que eu, um Espírito em missão na vossa Terra vos traçou o caminho, no qual deveis
entrar com passo firme e determinado. Sede dóceis; nada temais: é o caminho do progresso
e da moralidade da raça humana. Para mim, que apenas havia delineado a obra que
vosso mestre vos traçou, porque me faltava coragem para me afastar do caminho
batido, tenho a incumbência de vos guiar à situação de Espírito, na estrada boa
e segura onde entrastes. Poderei, assim, reparar o mal que cometi por
ignorância e ajudar com minhas frágeis faculdades a grande reforma da
sociedade. Não vos inquieteis com os irmãos que se afastam de vossas crenças.
Ao contrário, agi de maneira que não mais se misturem ao rebanho dos
verdadeiros crentes, pois são ovelhas sarnentas e deveis evitar o contágio.
Adeus. Voltarei com este médium. Até logo.
Girard de Codemberg
Nota –
Consultados quanto à identidade do Espírito, nossos guias responderam: “Sim,
meus amigos, ele sofre por ver o mal que causa a doutrina errônea que publicou.
Mas já havia expiado esse erro na Terra, porque era obsidiado e a doença que o matou
foi fruto da obsessão”.
LA BRUYÈRE
(Sociedade de
Bordeaux – Médium: Sra. Cazemajoux)
1. Evocação.
– Eis-me aqui.
2. Nossa evocação vos dá prazer?
– Sim, já que
pouquíssimos de vós pensam neste pobre Espírito zombador.
3. Qual a vossa posição no mundo espírita?
– Feliz.
4. Que pensais da geração dos homens que vivem atualmente
na Terra?
– Penso que não
progrediram muito em moralidade, pois se vivesse entre eles eu poderia aplicar
os meus Caracteres com a mesma verdade que os assinalou quando eu vivia. Encontro
os meus glutões, os meus egoístas, os meus orgulhosos na mesma situação em que
os deixei quando morri.
5. Vossos Caracteres gozam de merecida reputação. Qual a
vossa opinião atual sobre as vossas obras?
– Penso que não
tinham o mérito que lhes atribuís, porquanto teriam produzido outro resultado.
Mas acho que nem todos os que as leem se comparam a qualquer daqueles retratos,
embora a maioria seja de surpreendente verdade. Tendes todos uma pequena dose
de amor-próprio, suficiente para aplicar ao próximo os vossos defeitos pessoais
e jamais vos reconheceis quando sois pintados com traços verídicos.
6. Acabastes de dizer que os Caracteres poderiam ser hoje
aplicados com a mesma verdade. Então não achais os homens mais adiantados?
– Em geral a
inteligência avançou, mas a melhora não deu um passo. Se Molière e eu ainda
pudéssemos escrever, não faríamos outra coisa, senão aquilo que fizemos:
trabalhos inúteis, que vos advertiriam sem vos corrigir. O Espiritismo será
mais feliz. Pouco a pouco vos conformareis à sua doutrina e reformareis os vícios
que em vida vos chamamos a atenção.
7. Pensais que a Humanidade ainda seja rebelde às advertências
que lhe são dadas pelos Espíritos encarnados em missão na Terra e pelos
Espíritos que os vêm ajudar?
– Não; a época do
progresso e da renovação da Terra e de seus habitantes chegou. É por isso que
os Espíritos bons vêm prestar-vos o seu concurso. Disse-vos bastante esta
noite, mas prepararei um dos meus Caracteres para daqui a alguns dias.
8. Vossos Caracteres não podem ser aplicados também a
alguns Espíritos errantes, movidos por idênticos sentimentos?
– A todos os que
ainda têm, no estado de Espírito, essas mesmas paixões que em vida os
dominavam. Perdoai-me a franqueza, mas, quando me chamardes, eu vos direi as
coisas sem fineza e sem rodeios.
Jean de La Bruyère
[1] Revista Espírita – Abril/1862 – Allan Kardec
[2] N. do T.: No original: Le Monde spirituel, ou Science
chrétienne de communiquer intimement avec les puissances célestes et les âmes
heureuses.
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