Alexandre Mota
Não te esqueças da fome que devora
Teus irmãos agonizando entre riquezas
Não te esqueças
Dos abutres guerreiros
Que dividem o tempo em guerra e paz para o banquete metálico dos
lucros.
Ouve, ouve ao longe
Sacudindo continentes e oceanos,
O soluço do mundo
Ouve o coro
Não dos anjos celestes nimbados de luz
Mas dos anjos terrenos famintos e sujos
Fenecendo como flores na lama
Ouve o clamor dos povos esgotados
Ouve o urro dos irmãos convertidos em chacais
E atira-te
Atira-te
Atira-te
a construir sobre o sangue e as lágrimas
certo
sereno
firme
seguro
confiante
como o ferreiro que conhece o poder do martelo
o ritmo da forja
José Herculano Pires (Cântico de Libertação, livro Argila)
Quem sabe responder quantos
conflitos armados estão em andamento no mundo, desde guerras civis até
conflitos entre países? Quantas pessoas foram retiradas de suas casas devido a
esses conflitos, os chamados refugiados?
Quantos lares foram abandonados
devido à violência social e doméstica, quantas pessoas estão abrigadas, de
favor, na casa de parentes ou vagando pelas ruas?
Quantos miseráveis, que vivem
abaixo da linha da pobreza, são cooptados pelas organizações criminosas, desde
aqueles levados à prostituição àqueles levados a se tornarem soldados do crime,
desumanizados, já que o medo é o que mantém o poder nesse meio?
Quantos estão escravizados pelo
mundo afora, privados de direitos e subtraídos de sua dignidade, vivendo em
condições duras e tratados como animais?
Quantos vivem sem saber o porquê
vivem e caem em depressão por sentirem medo da dureza do mundo e quantos outros
se seduzem pelas promessas de uma vida fácil e de extremos para não pensar no
dia de amanhã?
Quantos se encontram em meio a
pobreza e sabem que de lá não sairão por não terem acesso a saúde, educação e,
muitas vezes, nem a um endereço? Esses que sabem que o subemprego e a
sobrevivência básica e sofrida é o legado que receberam de seus pais e o que
deixarão para seus filhos.
A resposta a qualquer uma das
perguntas acima é dezenas de milhões, podendo chegar a bilhão em uma ou outra.
Nada disso pode ser considerado
natural!
Sem entrar em discussões
filosóficas e político-econômicas, mantendo-se somente em O Livro dos Espíritos, que não deixa de ser um bom guia filosófico
e sócio-político-econômico, no capítulo
IX – Leis da Igualdade, fica claro que não é possível viver sob a égide
dessas injustiças, não há narrativa que sustente que alguns possam viver bem,
outros remediados e outros tantos na miséria.
Quanto mais miserável, mais
vulnerável é a pessoa às mazelas da vida contemporânea. O Brasil, por exemplo,
é carente de garantias de cidadania. Em 2015 segundo o Banco Mundial, contava
com cerca de 46 milhões de pessoas (22,1% da população total) vivendo abaixo da
linha da pobreza.
Fato é que 46 milhões de pessoas
é muita gente, porém, os brasileiros bem de vida e os remediados conseguem
deixar essa gente toda invisível. O foco da atual discussão sócio econômica no
país se centra na produção e nos agentes do desenvolvimento econômico (portanto
da vontade daqueles que detêm o poder econômico). Eles têm como verdade que o
apoio à produção e aos empresários, que querem crescer e criar empregos, é que
trará riqueza a todos (desde que atendam às regras deles). Uma narrativa que
nunca foi eficaz e perene em nenhum lugar do mundo, principalmente em países
jovens, como o Brasil, e com setor industrial pequeno e de baixo valor
agregado.
O Brasil é um país injusto,
desigual e está longe de se apresentar como um vanguardista na luta a favor da
igualdade. Operamos mais na área da contemporização dos efeitos da
desigualdade, com muito empenho na área assistencial, ainda que essa
compensação deva ser feita de alguma forma. Ficar só nisso é como se precisássemos
dos miseráveis para sermos melhores. Como se nossa evolução dependesse da ação
assistencial que a miséria deles nos proporciona. Infelizmente muitos espíritas
acreditam nisso.
Em tempos de final de ano, de
inspiração de tempos melhores, da presença viva na lembrança da figura e do
exemplo de Jesus, de sua rebeldia, é importante que reflitamos para além de nós
e pensemos na e para a sociedade em geral naquilo que temos que mudar em nossas
vidas e nas instituições, nas escolas, na via pública e assim por diante. A
Terra não é um campo imutável de provas e expiações. Se a sociedade avança e,
por exemplo, passa a considerar a escravidão uma condição desumana, extinguindo
essa prática, a expiação que a experiência da escravidão proporcionava vai
buscar outras formas para se manifestar ou mudamos o padrão da expiação para a
reparação. Portanto a expiação não depende da manutenção da escravidão na
Terra. Nem da pobreza ou qualquer tipo de desigualdade.
Nossa responsabilidade como
espíritos encarnados na Terra é lutar pela igualdade de condições para todos. O
espiritismo, antes de qualquer elucubração sobre nossa sorte após a morte, nos
fala sobre como viver. Destacam-se nesse viver o amor, a justiça (faça aos
outros o que quer que façam a ti), o livre-arbítrio (atitudes e escolhas), e a
fraternidade (somos todos iguais).
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