quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

A síndrome da super memória (HSAM) e sua base espiritual[1]

              “(O Espírito) pode lembrar-se dos mais minuciosos pormenores e incidentes, assim relativos aos fatos, como até aos seus pensamentos. Não o faz, porém, quando não tenha utilidade.” (O Livro dos Espíritos, A. Kardec, questão # 306a).

Ilustração de Gustave Doré (Wikipédia) para o "Le Petit Poucet" de Charles Perrault em "Histoires ou Contes du Temps passé: Les Contes de ma Mère l'Oye” (1697)

Ademir Xavier


 Artigos acadêmicos promovidos por textos de divulgação na internet refs.(1,2,3) relatam o reconhecimento recente de uma "nova" anomalia psicológica: a "Memória Autobiográfica Altamente Superior", em inglês HSAM ou "Highly Superior Autobiographical Memory" (também chamado "Hipertimesia").
Essa anomalia é caracterizada pela capacidade de alguns indivíduos ‒ a estatística de casos reportados é de 60 no mundo ‒ de se lembrarem de forma bastante detalhada de eventos da sua vida. Um dos casos que chama a atenção é o de Rebecca Sharrock, que se lembra de quando era bebê e de acontecimentos de sua primeira infância, embora não tenha lembranças intrauterinas. Outro é o de Markie Pasternak (2). "Leva certo tempo para se lembrar", comenta Markie, que se recorda de eventos com precisão de uma hora. "Eu não decoro as coisas", ela diz, "não é assim que funciona, eu tenho que ver as coisas, estar lá, tenho que viver, do contrário, aquilo não me afeta" (2).
Tais relatos são muitas vezes tomados com ceticismo, afinal, nossas memórias são eventos privados, que não podem ser "comprovados" externamente. Com a raridade dos casos, há céticos obtusos (os "neuro céticos") que consideram todos fraudes. Para eles essas memórias são baseadas em registros obsessivos em agendas de papel... De uma forma ou de outra, os poucos casos de super memória hoje fazem parte de material de pesquisa realizada no "Centro de Neurobiologia da Memória e do Aprendizado" da UC Irvine (4). De acordo com a descrição desse centro de pesquisa, responsável pelo registro e classificação da síndrome de forma pioneira em 2006 (5):
Indivíduos que tem HSAM têm uma habilidade superior de se lembrar de detalhes específicos de eventos autobibliográficos, gastam uma grande quantidade de tempo lembrando de seu passado e têm uma compreensão detalhada do calendários e de suas características. (4)
O indivíduo não só consegue dizer qual o dia da semana a que se refere determinada data (sem nenhum tipo de cálculo, apenas de "memória da data" mesmo), mas também se lembra em detalhes do que fez ou sofreu naquele dia específico. De acordo com testes feitos na instituição, indivíduos com HSAM não demonstram habilidade superior em testes padrão de memória em comparação a pessoas consideradas "normais". Há também indícios de que a capacidade extraordinária de se lembrar de detalhes do passado seja um empecilho à realização de atividades do dia a dia, mas, ao que parece, portadores dessa capacidade apreciam ser exatamente como são.
A que podemos atribuir essa capacidade? Para a ciência desprovida da ideia de espírito imortal, a HSAM deve ser atribuída a alguma anomalia neuronal importante ‒ possivelmente herdada (dai a crença em uma base genética) e rastreável por meio de exames (com os de imagem por ressonância magnética). Segundo a página da ref.(4), algumas evidências observadas do cérebro indicam "regiões ou redes neurais específicas que se distinguem de grupos de controle, embora esse trabalho ainda seja bastante preliminar" (veja, sobre isso a ref.(6)). A cautela se justifica, já que o estudo foi feito com base em apenas um indivíduo e variações anatômicas do cérebro tendem a ocorrer de forma distribuída na população. Ou seja, pode ser o caso de que por mera chance aquele indivíduo que mostra HSAM tem também um cérebro algo diferente anatomicamente.
 
A HSAM e sua base no espírito
Independente da explicação materialista, chama a atenção a um espírita com alguma leitura de O Livro dos Espíritos (LE), de A. Kardec, as claras bases espirituais dessa nova capacidade. Basta para isso lembrar a questão #306 e # 306a:
306. O Espírito se lembra, pormenorizadamente, de todos os acontecimentos de sua vida? Apreende o conjunto deles de um golpe de vista retrospectivo?
‒ Lembra-se das coisas, de conformidade com as consequências que delas resultaram para o estado em que se encontra como Espírito errante. Bem compreendes, no entanto, que muitas circunstâncias haverá de sua vida a que não ligará importância alguma e das quais nem sequer procurará recordar-se.
a) Mas, se o quisesse, poderia lembrar-se delas?
‒ Pode lembrar-se dos mais minuciosos pormenores e incidentes, assim relativos aos fatos, como até aos seus pensamentos. Não o faz, porém, quando não tenha utilidade.
As respostas dadas pelos Espíritos também afirmam que o espírito se interessa pelas lembranças que tenham impacto em sua vida maior, principalmente as de vidas anteriores. Não é que o Espírito não tenha a capacidade de se lembrar, mas sim que, a medida que evolui, atribui menos importância aos pequenos fatos do dia a dia que em nada ajudariam ao seu progresso:
308. O Espírito se recorda de todas as existências que precederam a que acaba de ter?
Todo o seu passado se lhe desdobra à vista, quais a um viajor os trechos do caminho que percorreu. Mas, como já dissemos, não se recorda de modo absoluto de todos os seus atos. Lembra-se destes na medida da influência que tiveram na criação do seu estado atual. Quanto às primeiras existências, as que se podem considerar a infância do Espírito, essas se perdem no vago e desaparecem na noite do esquecimento.
É compreensível que as lembranças das primeiras existências tenham se perdido, uma vez que a própria estrutura corpórea era menos aprimorada, de forma que concluímos que, quanto mais evoluído o Espírito, tanto maior será sua capacidade de reter, na memória, pequenos fatos. É provável que a condição da HSAM reflita uma modificação corporal recente (afinal o corpo também está evoluindo) que leve a disseminação dessa capacidade na população em um futuro ainda distante (e então a Hipertimesia será "epidêmica"...).
Na figura acima, esta imagem simboliza o funcionamento da memória. Lembrar-se significa jogar luz e "ver de novo", através da lanterna do espírito, nas memórias do passado que são registradas de forma perene na mente imortal. Dai que a falta da luz não significa que não há memórias, mas que essas jazem na escuridão criada pelo corpo físico (leia-se "cérebro") como uma restrição imposta ao espírito encarnado. 
Também chama a atenção as desvantagens da HSAM, que nos remetem à importância do esquecimento dos fatos passados, uma necessidade que o Espiritismo também foi pioneiro em identificar. Sobre isso, a ref.(7) de J. Marshall, publicada na revista "New Scientist" parece validar essa relevante lição espírita ao afirmar que o "esquecimento é a chave para uma mente saudável". Certamente é, se tais fatos anteriores prejudicarem nosso progresso espiritual, exatamente como previram os Espíritos no LE.  
Não há dúvidas para nós de que a HSAM se acha estabelecida no espírito imortal e o cérebro é apenas a interface que permite registrar tais fatos a partir do mundo material externo (ver Fig. acima). Se ele os registra, é ele também que os oculta em grande parte da visão interna pela qual o espírito se lembra e retém em sua memória "espiritual" todos esses acontecimentos. Ainda que, no estado encarnado, ele não se lembre de um fato porque passou ‒ seja na presente existência, mas, principalmente, nas passadas ‒ isso não implica que ele não o guarde, retido nas camadas mais profundas de sua memória extrafísica.
Para leitores interessados em publicações acadêmicas sobre o assunto, recomendamos a leitura de (5) a (7).
 
 
Referências:
1 - A mulher que lembra de como era ser um bebê:
 2 - Only 60 People in the World Have This Insanely Powerful Memory:
3 - TV24. Esta mulher lembra-se de tudo o que viveu desde que nasceu:
4 - Center for the Neurobiology of Learning and Memory, C CNLM Ayala School of Biological Sciences. Highly Superior Autobiographical Memory:
5 - Parker, E. S., Cahill, L., & McGaugh, J. L. (2006). A case of unusual autobiographical remembering. Neurocase, 12(1), 35-49.
6 - LePort, A. K., Mattfeld, A. T., Dickinson-Anson, H., Fallon, J. H., Stark, C. E., Kruggel, F., ... & McGaugh, J. L. (2012). Behavioral and neuroanatomical investigation of highly superior autobiographical memory (HSAM). Neurobiology of learning and memory, 98(1), 78-92.
7 - Marshall, J. (2008). Forgetfulness is Key to a Healthy Mind. New Scientist Magazine, (2643). Ver:




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