Lucas Berlanza Corrêa - 29/05/2017
Desde que a Internet e as mídias sociais
estabeleceram a grande transformação que produziram no encurtamento das
distâncias e na proliferação das informações e das opiniões, uma mesma receita
se tem repetido. Volta e meia, um adepto de alguma religião tradicional,
notadamente o Catolicismo ou o Protestantismo, faz uso de seu espaço e sua
liberdade na Internet para tecer críticas ao Espiritismo. Diz que somos vítimas
incautas de Satã, que estamos navegando no engano ou, ainda, que não somos
cristãos.
Algumas das impropriedades
argumentativas desse tipo de crítico de Facebook – sem nenhum demérito a
críticos de Facebook, que este que ora escreve também, de certo modo, por vezes
é um – já foram examinadas por diversos autores espíritas, com maior ou menor profundidade.
Não é este o meu ponto aqui. O que realmente me angustia são as reações
afobadas de alguns navegantes espíritas que, velejando pelos mares da Internet
pelas bordas dos perfis desses religiosos, resolvem se manifestar para rebater
seus argumentos. Vê-se então um desfilar de mares de Caps Lock “SOMOS CRISTÃOS
SIM”, “VÁ ESTUDAR”, “VOCÊ NÃO SABE DE NADA”. Ou indicações de leitura que
passam bem longe de Allan Kardec: “Por que perder tempo nos atacando? Seja
menos fundamentalista, leia Zibia Gasparetto e aprenda o que é Espiritismo”.
O escritor e dramaturgo Nelson
Rodrigues, ao descrever o brasileiro, falava de nosso “complexo de vira-latas”,
que nos levaria a espezinhar todas as características e elementos da nossa
nacionalidade, julgados inferiores aos das demais. O mesmo complexo, contudo,
nos levaria a eventualmente agir com fanfarronice perante a mais sutil crítica,
o mais leve ataque, que nos feriria o ego. Complexado, o brasileiro reagiria à
crítica de maneira estouvada, sem pensar.
Não é, naturalmente, a
identidade nacional que pretendo apontar aqui; mas fenômeno similar parece
ocorrer com os espíritas brasileiros, em sua maneira de se relacionarem com a
própria doutrina. Revelando pouca penetração no conteúdo das obras fundamentais
e apegados a certos lugares-comuns superficiais ou frases feitas – “cadê seu
amor e caridade”, “não critique o que não conhece”, ou até “você está
obsidiado” -, reagem aos referidos comentários de quem professa outras
correntes de pensar com uma presunção que só pode passar por infantil.
Muitos desses adeptos de outras
religiões contestam os poucos frutos ainda produzidos pelo Espiritismo como
movimento social, o que se dá, temos convicção disso, pela complexidade da
materialização de sua proposta sintética de conhecimento – mascarada pela sua
linguagem didática –, pela sua juventude – um movimento que nasceu em 1857 não
pode receber a mesma cobrança que outros que já contam mais de um ou dois
milênios – e pelos ERROS HISTÓRICOS DOS ESPÍRITAS. Todos esses fatos são realidades
que precisamos combater com mergulho sério e dedicado nas páginas kardecianas,
e não com demonstrações lamentáveis de fanfarronice. Essa pequenez social, que
em nada reflete a grandeza de nossa doutrina, parece ser sentida no âmago pelos
adeptos empolgados, a ponto de darem vazão a esse tipo de reação precipitada às
investidas dos polemistas de outros credos.
A despeito de não ter conhecido
a Internet, ainda aqui Allan Kardec é nossa bússola. O notável texto da Revista
Espírita de 1858, “Polêmica espírita”, deve aí servir de freio aos
precipitados. “Perguntaram-nos muitas vezes por que não respondíamos, em nossa
revista, aos ataques de certas folhas contra o Espiritismo em geral, contra os
seus partidários e por vezes mesmo contra nós. Cremos que em certos casos é o
silêncio a melhor resposta”. E ainda: “Jamais daremos satisfação aos amantes de
escândalos”. Se a única intenção e o único aprofundamento que se pode obter com
a diatribe é censurar a moral ou as qualidades daquele que nos ataca e ataca a
nossa doutrina; se a crítica é demonstrativa de falta de aprofundamento no
assunto, emitida por ignorância e leviandade; e/ou se, além do mais, o próprio
espírita não tem embasamento doutrinário ou filosófico para refutar o veneno do
“post” que o tirou do sério, melhor seria que se contivesse.
Qual é a polêmica que devemos
aceitar travar, então, se há alguma? Quando devemos reagir aos que criticam o
Espiritismo? Quando nos for possível fazer “a discussão séria dos princípios
que professamos. Contudo, aqui também deve ser feita uma distinção. Se se trata
apenas de ataques gerais, dirigidos contra a doutrina, sem um fim determinado,
além do de criticar, e se partem de pessoas que rejeitam sistematicamente tudo
quanto não compreendem, não merecem a nossa atenção”. Mais para o final do
artigo, Kardec comenta que essa polêmica será útil por “ocorrer entre gente
séria, que se respeita o bastante para não perder o decoro. Podemos pensar de
modo diverso sem diminuirmos a estima recíproca”. Essa polêmica o próprio Kardec
diz sustentar “diariamente” na Revista, “através das respostas ou das
refutações coletivas que publicamos a propósito deste ou daquele artigo”.
Perguntas e objeções podem constituir “outros tantos assuntos de estudo, de que
nos aproveitamos pessoalmente”.
Não é, portanto, que os
espíritas nos devamos calar quando as mais violentas imprecações são feitas à
doutrina que tanto nos consola e esclarece. É que precisamos saber como e
quando responder. Frases berradas em linguagem virtual, exigências de que o
“crítico ignorante” vá estudar ou insinuações de que está sob a influência dos
maus Espíritos – quem não está? – são invariavelmente inúteis e
contraproducentes. Já me manifestei e continuarei me manifestando em favor da
organização de uma “apologética” espírita, ou seja, da articulação de
argumentos e informações para rebater ataques mais generalizados ou
fundamentados dos adversários “ideológicos” do Espiritismo. Kardec fazia isso,
não há por que não fazermos, e mais que isso, aproveitarmos tal exercício para
estudarmos por nós mesmos e qualificarmos a nossa imersão na dimensão
conceitual e cultural do Espiritismo. Parece-me, inclusive, que isso é
fundamental para o êxito da missão doutrinária na Terra.
Ocorre que precisa ser assim, não na base da
irracionalidade, que nos faz passar por indignos de atenção – e não devemos
querer isso, não por querermos ser obcecados pela adesão de prosélitos em
massa, mas porque queremos mobilizar socialmente o Espiritismo com o mínimo da
seriedade com que ele foi originalmente apresentado. Isso não se fará com
chilique de rede social.
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