Sandro Fontana
Existe uma boa quantidade de
espíritas que acredita que o espiritismo
está completo, possuindo informações e conhecimentos suficientes para todos
nós, basta apenas colocar isso em prática ou ler sobre eles. Bom, isso não
deixa de ser verdade, ao menos para a grande maioria da população, mas apenas
no que se refere à parte moral/ religiosa, uma vez que o segmento científico do
espiritismo ainda requer muitas respostas para coisas mais simples.
Dentre as várias lacunas que o
espiritismo possui (ou ainda carece de respostas exatas), está a comunicação
mediúnica entre vivos em estado de vigília (acordado). Se, de um lado há
aqueles que acreditam ter a resposta já consagrada para este fato, por outro há
aqueles que ainda questionam a certeza sobre isso.
Recentemente foi publicado no
Jornal de Estudos Espiritas (JEE) um trabalho bibliográfico onde o autor, Paulo
Neto[2],
explora em detalhes a Codificação e trabalhos de outros autores (i.e Ernesto
Bozzano), defendendo a ideia de que não é possível ocorrer uma comunicação
entre vivos estando eles em estado “acordado”.
Se houvesse apenas este estudo
publicado sobre o tema, então seria algo bem aceito, principalmente frente às
citações e argumentos explorados pelo autor. Ocorre que um grupo de
pesquisadores espíritas do IPCE (Instituto de Pesquisas em Ciência Espirita)
resolveu testar isso na prática e os resultados iniciais apontam para algo
contrário ao concluído por Paulo Neto (2015).
O estudo do IPCE ainda está numa
fase inicial onde se está aprimorando o método e testando experimentos
objetivos. Uma pesquisa desse porte requer médiuns com elevado nível mediúnico
e isso não é tão comum assim no meio espirita geral, portanto os resultados
finais desse projeto ainda devem demorar um pouco para serem publicados.
Numa análise minha sobre o tema,
avaliando o posicionamento de Kardec e outros materiais complementares, entendo
que o resultado seria inconclusivo até o presente momento, isto é, com o que
temos de dados e fatos é prematuro optar por uma ou outra opção como
verdadeira.
No entanto fui buscar, no meio
cientifico-aberto, artigos e pesquisas que pudessem colaborar para um melhor
entendimento sobre essa questão.
Os melhores estudos estão no
campo da parapsicologia, embora ainda haja centenas de estudos da telepatia que
impactam diretamente sobre essa “lacuna”, afinal, telepatia não deixa de ser
uma comunicação entre espíritos encarnados, não?
Os experimentos telepáticos, sem
sombra de dúvida, sinalizariam um resultado diferente ao proposto por Paulo
Neto e isso implica em boa parte da Codificação também, haja visto que há
momentos em que Kardec opta que a comunicação possa ocorrer, mas não em estado
de vigília.
Ao longo de muitos anos pesquisadores
de diversas áreas estudaram e vem estudando a comunicação mente-a-mente entre
humanos, e isso vai desde enviar um símbolo de A para B, como também, por
enviar sinalizações ou informações mais completas e abstratas. Tudo isso ocorre
de forma consciente, ou seja, tanto o indivíduo emissor (A), quando o receptor
(B) estão acordados.
A questão, no entanto, é bem
mais complexa do que se parece. Temos alguns experimentos do passado, relatado
por Paulo Neto, que apontam a dormência do indivíduo evocado, no entanto o
modus operandi utilizado para tais casos é diferente do utilizado nos
experimentos telepáticos.
Na telepatia (estudos Ganzfeld),
inicialmente, se utilizava questões objetivas, podendo quantificar os
resultados, já os estudos mediúnicos eram mais abrangentes e difíceis de
mensurar, e olha que posso afirmar que muitos deles ficaram a desejar sobre a
certeza da real comunicação, me refiro a determinados controles, tais como
vazamento de informação, objetividade nas respostas etc..
Mas o que há de diferença entre
ambos os casos? A principal diferença é a forma como se atua na experimentação.
Nos casos mediúnicos se utilizava um médium em uma sessão e se fazia a evocação
do espírito do encarnado. William Stead (médium inglês) relatou em um de seus livros
(Cartas de Julia), que executou diversos experimentos, sem aviso aos
encarnados, de que evocaria seus espíritos para conversar. Os resultados foram
muito impressionantes, inclusive num deles, surgindo uma assinatura igual ao do
encarnado.
Nesses mesmos experimentos de
Stead, vale salientar, que não fica explícita ou clara a dormência do evocado.
Outra diferença, que chama a
atenção, é o fato da inconsciência mesmo durante o momento da evocação, isto é,
os encarnados não sabiam que haviam sido evocados e nem que responderam as
questões. Há casos, em outras experiências, onde houve relato de sonolência e
outros que não, mantendo ainda uma dúvida sobre essa temática de comunicação em
estado de vigília.
Ademais tudo isso, quando Kardec
indaga os espíritos a responderem sobre esse tema, a resposta induz a várias
interpretações, sugerindo a sonolência inclusive, ficando evidente que a pessoa
evocada não conseguiria exercer atividade inteligente ao mesmo tempo em que
responderia ou se utilizaria de um médium para se comunicar.
Nos dias atuais vários
pesquisadores tem aprimorado estudos referentes a telepatia e há alguns deles
de suma importância para essa dúvida espírita. Dean Radin, um pesquisador
dedicado a essa temática, escreve em um de seus livros um importante
experimento que fez onde se utilizou de um EEG (Eletroencefalograma) para
observar os sinais mentais entre transmissor e receptor.
A título de conhecimento geral,
é importante enfatizar que a média de acertos para os experimentos telepáticos
está em torno de 33%, onde o acaso é de 25%. Isso implica, devido a quantidade de
amostragens, que a fenomenologia ocorre de fato, no entanto ainda é muito fraca
e instável, motivo pelo qual os céticos ainda criticam pesadamente essas
evidências, não aceitando assim a existência do fenômeno.
Voltando ao experimento de
Radin, os resultados foram um tanto impressionantes, motivo pelo qual vários
pesquisadores repetiram o método, obtendo resultados muito similares. Mas o que
ocorreu de fato?
Nas sessões ocorreu que, quando
um transmissor (A) enviava uma mensagem ou sinal para um receptor (B) (mesmo
não sendo médium), os sinais de EEG eram comparados e se observou a mesma
sinalização no receptor, mesmo que esse não conscientizasse a informação. Isso
pode parecer algo sem importância aos mais desatentos mas para quem entende e
busca conhecer o fenômeno, isso faz toda a diferença. Vamos entender um pouco
melhor isso.
Imagine uma pessoa sentada numa
sala, na frente de um monitor. Imagine também que sua cabeça está cheia de eletrodos
e alguns médicos estão monitorando suas atividades cerebrais.
Quando uma imagem é exibida no
monitor, seu cérebro reage a elas e gera uma alteração nas ondas cerebrais.
Agora imagine que esse indivíduo
se concentra para enviar o que está presenciando para outra pessoa, em outra
sala, que também esteja com eletrodos monitorando seu cérebro.
O que ocorreu nesses casos é que
o cérebro do receptor demonstrou variações similares de picos de onda no exato
momento em que a mensagem/imagem lhe foi enviada, demonstrando que o fenômeno
ocorre de fato, no entanto nem sempre o receptor conseguia entender/perceber (conscientizar)
o que lhe era enviado.
Isso, no meu entender, traz para
o conhecimento espírita algo muito importante e convergente com relatos de estudos
do passado sobre a comunicação mediúnica entre vivos, uma vez que aponta a
diferença entre o consciente e inconsciente e a relevância disso para uma
efetiva comunicação mediúnica adequada.
Baseado nisso ficam algumas
perguntas:
a) Se o receptor estivesse
em estado alterado de consciência (transe), ele conseguiria conscientizar melhor
a informação enviada?
b) Qual a ligação do
inconsciente com o cérebro em si? O cérebro reagiu/sinalizou o inconsciente?
c) O indivíduo transmissor
enviaria melhor a informação se estivesse dormindo? (evocação por parte do
receptor para saber o que ocorria na tela de um monitor na sala de
experimentação)
Se havia uma lacuna ainda não
respondida adequadamente pelo espiritismo, agora temos outra.
Essa, com certeza, está relacionada
com a primeira mas talvez possa trazer melhor reflexão sobre a temática.
Dentre os fatos abordados nesse
breve artigo, não podemos abdicar de que ambos os casos implicam em comunicação
entre vivos, mesmo se utilizando do termo telepático ou comunicação mediúnica.
Se a essência do espírito reflete mais o inconsciente, então talvez esse seja um
caminho possível a se investigar mais profundamente.
Por outro lado, se o envio de
informação, mesmo que consciente, implique na recepção do inconsciente e exista
a necessidade do envio disso para o estado de vigília, então as “coisas” não
estão tão separadas assim como se pensa.
Os fatos até o momento apontam
para uma inconclusão frente às comunicações mediúnicas em estado de vigília. As
revisões bibliográficas, abundantes pela maioria dos estudiosos espíritas, não
são suficientes para se optar por alguma certeza sobre esse tema (e muitos
outros). Nesses casos apenas pesquisas de campo podem ser adequadas para melhor
responder a essas questões.
[1] Revista Ciência Espírita - Junho/2017
[2] Jornal de
Estudos Espíritas – Volume 3 / 2015 –
Seção 2 – Manifestação de Espírito de Pessoa Viva: é possível em estado de
vigília?
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