segunda-feira, 31 de julho de 2017

LEOPOLDO MACHADO BARBOSA[1]



Nasceu no Arraial de Cepa Forte, hoje Jandaíra, no Estado da Bahia, a 30 de setembro de 1891. Desencarnou na cidade de Nova Iguaçu, Estado do Rio de Janeiro, no dia 22 de agosto de 1957.
Mais conhecido por Leopoldo Machado, era filho do casal Eulélio de Souza Barbosa e Ana Isabel Machado Barbosa.
Iniciou-se na Doutrina Espírita pelas mãos abençoadas do inolvidável apóstolo baiano José Petitinga, lá pelo ano de 1915, tornando-se mais tarde, arauto da fé e do trabalho. Espírito de liderança, Leopoldo Machado foi impulsionado às tarefas do bem e da verdade, vivendo a Doutrina Espírita em toda a sua pujança.
Conheceu a Profa. Marília Ferraz de Almeida com quem se uniu em matrimônio no dia 31 de dezembro de 1927. Dois anos após o casamento, radicou-se na cidade de Nova Iguaçu (RJ), onde iniciou uma tarefa espírita das mais meritórias, junto à sua idolatrada esposa. Integraram-se no Centro Espírita "Fé, Esperança e Caridade", onde tomaram a iniciativa, de construir a sua sede própria. Posteriormente construíram o Albergue Noturno "Allan Kardec" e o "Lar de Jesus", para meninas órfãs e abandonadas.
Em 1930, em arrojada iniciativa, no terreno pedagógico, consagrou-se como legítimo educador na cidade de Nova Iguaçu.
No dia 21 de abril desse mesmo ano, inaugurava o "Colégio Leopoldo", hoje tradicional estabelecimento de ensino, que contou com a colaboração de sua esposa Marília, de sua cunhada Leopoldina Barros e do Almirante Paim Pamplona, ex-presidente da Federação Espírita Brasileira.
Colégio que honra o magistério particular, onde gerações inteiras da bela cidade fluminense e adjacências têm-se plasmado intelectualmente nos cursos primário, ginasial, colegial, técnico, comercial e normal. É atualmente considerado uma das melhores organizações educacionais da baixada fluminense.
Jornalista, professor, escritor, poeta, compositor, pregador e polemista, difundiu a Doutrina Espírita por todos os meios e formas, merecendo o respeito dos adversários da Doutrina e a admiração de todos os confrades. Apologista do "Espiritismo de Vivos", sem fugir à pureza doutrinária, Leopoldo Machado incentivou as novas gerações a pegar no arado com a criação das Mocidades Espíritas e das Escolas Espíritas de Evangelização para Infância impulsionando, também, as Semanas Espíritas, as Tardes Fraternas, os Simpósios, Mesas Redondas e os Congressos Espíritas. Realizou o "milagre" de estar presente em quase todos os movimentos espíritas confraternativos, percorrendo todo o Brasil, exaltando o Evangelho de Jesus e a Doutrina dos Espíritos, como sendo a volta do Cristianismo redivivo, no seu sentido mais puro, como era pregado na Casa do Caminho, logo após o sacrifício de Jesus.
Em 1939, Deolindo Amorim levanta a bandeira do I Congresso Brasileiro de Jornalistas e Escritores Espíritas, o qual contou com o integral apoio de Leopoldo Machado. Outros Congressos e outros movimentos espíritas realizaram-se no intervalo de 1939 a 1948, destacando-se o I Congresso de Mocidades Espíritas do Brasil, de 17 a 23 de julho de 1948. Foi das mais belas e das mais proveitosas realizações espíritas de todos os tempos, no sentido positivo da continuação de suas resoluções.
Pois, até hoje ainda se colhem os frutos sazonados desse Congresso espetacular. O movimento espírita de hoje em quase todo o Brasil, está quase que inteiramente nas mãos dos jovens de 1948 e de jovens que se integraram ao movimento espírita, incentivados pelos frutos daquela magnífica epopeia que teve à frente Leopoldo Machado, Lins de Vasconcelos, J.B. Chagas, Moreira Guimarães, Ruth Santana e tantos outros idealistas.
Nesse mesmo ano Leopoldo Machado tomava parte ativa no Congresso Brasileiro de Unificação, realizado na capital de S.Paulo, de 31 de outubro a 05 de novembro. Em 1949, era convocado ao II Congresso Pan-Americano realizado no Rio de Janeiro e também ao Pacto Áureo. Percebendo a importância desses encontros, para a grandeza da Doutrina Espírita no futuro, dentro de suas possibilidades, esteve sempre presente ajudando de alguma maneira. Os mesmos espíritos que inspiravam o Pacto Áureo inspiraram a "Caravana da Fraternidade", na qual tomaram parte: Leopoldo Machado, Lins de Vasconcelos, Carlos Jordão da Silva, Francisco Spinelli, Ary Casadio e Luiz Burgos Filho, cuja Caravana foi o coroamento do Pacto Áureo, o incentivo unificador na formação do Conselho Federativo Nacional, sob os auspícios da Federação Espírita Brasileira. Ao regresso da "Caravana da Fraternidade", o êxito absoluto, com a adesão dos Estados do Norte e Nordeste do País à unificação do Espiritismo em todo o território nacional. Leopoldo não parava; realizou também a Primeira Festa Nacional do Livro Espírita, em homenagem ao "18 de Abril", data magna de lançamento de "O Livro dos Espíritos", cuja festa tornou-se hábito em todo o Brasil nas comemorações ao "Dia do Livro". Criou o Conselho Consultivo de Mocidades Espíritas, na sede da antiga Liga Espírita do Distrito Federal.
De sua bibliografia constam os seguintes livros, entre profanos e espíritas — "Meus últimos Versos", "Saudades", "Ideias e Iluminação" (poesia); "Prosa de Caliban" e "Consciência" (contos); "Doutrina Inglória", "Julga, Leitor, por ti mesmo", "Sensacional Polêmica", "Pigmeus contra Gigantes" e "Guerra ao Farisaísmo" (polêmicas); "Para o Alto", "Natal dos Cristãos Novos", "Graças sobre Graças", "Caravana da Fraternidade" e "Ide e Pregai" (crônicas); "Teatro Espiritualista" 1ª. e 2ª. séries e "Teatro da Mocidade" (teatro); "Uma Grande Vida" e "Caxias, eminente iguaçuano" (biografias); "Cientismo e Espiritismo" (Doutrina); "Cruzada de Espiritismo de Vivos" e "Observações e Sugestões" (roteiros); "O Espiritismo é Obra de Educação", "Das responsabilidades maiores dos Espíritas no Brasil", "Para a Frente e para o Alto", "Nada lhe é no momento maior" e "Brasil berço da Humanidade" (teses). São esses os seus livros publicados, sem se contar vários outros em manuscritos e inéditos, inclusive a sua "Autobiografia", que estão em poder de sua família, aguardando publicação. Autor da "Canção da Alegria Cristã", de parceria com Oli de Castro, compôs também inúmeras outras melodias espiritualizadas, para a Mocidade e a Infância.
Leopoldo Machado acreditou na força do moço, como mola propulsora para renovação de valores ao movimento espírita; acreditou nos Congressos, nas Semanas Espíritas e nas Confraternizações, como forma de promoção, porque foi o propagandista número um do Espiritismo. Lutou tenazmente para desencastelar muitos espíritas, que só pensavam em termo de suas Instituições, porque acreditava que o Espiritismo é Luz, é o Sol que no futuro próximo iluminará toda a Humanidade.
Lutou pela renovação de valores e de conceitos, sem fugir aos ditames da Codificação Kardequiana, quando o próprio Allan Kardec, afirmou: — "O Espiritismo disse a primeira palavra e jamais dirá a última, porque acompanhará o progresso, para todo o sempre". Ele caracterizou-se pela fé viva de seu idealismo cristão, viveu a Doutrina com todo o seu amor e intrepidez de ânimo; franco, leal, sincero e audaz. Foi essa a figura personalíssima de Leopoldo Machado.




[1] Personagens do Espiritismo - Antônio de Souza Lucena e Paulo Alves Godoy

sábado, 29 de julho de 2017

O ESPÍRITA NO VELÓRIO, CERIMÔNIA DO "ATÉ JÁ", "ATÉ LOGO", "NOS VEREMOS EM BREVE"[1]



Jorge Hessen - jorgehessen@gmail.com


Certa vez, um confrade segredou-me que não permitirá velórios no sepultamento de seus familiares mais próximos, porque é totalmente contra tal tradição mortuária. Não vê lógica doutrinária nesse tipo de cerimonial. Crê que após constatada a desencarnação, em no máximo algumas poucas horas, deveriam ser feitos os preparativos para o sepultamento, sem rituais religiosos.
Busquei esclarecê-lo de que velório ou “velação” não é necessariamente um ritual religioso”, portanto não está associado a religiões, até porque seu início dá-se quando a pessoa está doente e precisa de ser velada, cuidada, vigiada. Pois é! A origem da palavra velar que dá origem a velório vem do latim "vigilare", que dá significado de vigilância. E mais: o termo velar não se refere às "velas", flores, missas, cultos, mas (repito) ao verbo "velar" (de cuidar, zelar).
O dicionarista define o verbo velar como "ficar acordado ao lado de (alguém)", "ficar acordado durante (um tempo)" e ainda "manter-se de guarda, vigia" dentre outras definições. O termo tem uma conotação exata se de fato as pessoas que vão "velar" o falecido, realmente o fazem com atitude de zelo, vigília, respeito e de despedida do corpo que serviu ao espírito durante a experiência que se encerra.
É evidente que velar o defunto é atitude respeitável. No velório devemos orar respeitosamente ao amigo que se despoja do corpo físico, dirigindo-lhe por exemplo (como sugestão) a prece indicada por Allan Kardec contida no cap. XXVIII, item 59 do Evangelho Segundo o Espiritismo, intitulado “Pelos recém-falecidos[2]”. 
Protocolarmente ou não, no velório nos solidarizamos com os parentes e amigos do “morto”, auxiliando no que for preciso, seja ofertando um abraço fraterno ou apenas a presença serena, numa empatia repleta de misericórdia, na base da paciência e do estímulo, da consolação e do amor, como nos instrui Emmanuel[3]. 
Em contrapartida, em muitos casos essa celebração se desviou, e muito, do sentido ético, pois acima das emoções justificáveis por parte dos parentes e amigos, ostenta-se um funeral por despesas excessivas com coroas de flores, santinhos, escapulários, velas que podem ser usados em doações a instituições assistenciais, conforme instrui André Luiz. Ouçamo-lo: Os espíritas devem dispensar, nos funerais, as honrarias materiais exageradas e as encenações, pois considerando que "nem todo Espírito se desliga prontamente do corpo", importa, porém, que lhe enviemos cargas mentais favoráveis de bênçãos e de paz, através da oração sincera, principalmente nos últimos momentos que antecedem ao enterramento ou à cremação. Oferenda de coroas e flores deve transformar-se "em donativos às instituições assistenciais, sem espírito sectário” [4].
Social, moral e espiritualmente, quando comparecemos a um velório exercemos abençoado dever de solidariedade, proporcionando consolação à família. Infelizmente, tendemos a fazê-lo por desencargo de consciência formal, com a presença física, ignorando o decoro espiritual, a exprimir-se no respeito pelo recinto e no esforço de auxiliar o desencarnado com pensamentos elevados.
Ora, o desencarnado precisa de vibrações de harmonia, que só se formam através da prece sincera e de ondas mentais positivas. Em o livro “Conduta Espírita”, o Espírito André Luiz mais uma vez adverte-nos para procedermos corretamente nos velórios, calando anedotário e galhofa em torno da pessoa desencarnada, tanto quanto cochichos impróprios ao pé do corpo inerte. O recém-desencarnado pede, sem palavras, a caridade da prece ou do silêncio que o ajudem a refazer-se. “É importante expulsar de nós quaisquer conversações ociosas, tratos comerciais ou comentários impróprios nos enterros a que comparecermos". Até porque a "solenidade mortuária é ato de respeito e dignidade humana[5]".
Deploravelmente, poucos se dão ao cuidado de conversar baixinho, principalmente no momento da remoção do cadáver do recinto para a “catacumba”, quando se amontoam maior número de pessoas. Temos motivos de sobra para a moderação, cultivemos o silêncio, conversando, se necessário, em voz baixa, de forma edificante.
Podemos fazer referências ao finado com discrição, evitando pressioná-lo com lembranças e emoções passíveis de perturbá-lo, principalmente se forem trágicas as circunstâncias do seu falecimento. Oremos em seu benefício, porque “morre-se” como “se vive”. Se não conseguirmos manter semelhante comportamento, melhor será que nem compareçamos ou nos retiremos do ambiente, evitando alargar o estrepitoso coro de vozes e vibrações desrespeitosas que afligem o recém-desencarnado, até porque o “morrer” nem sempre é o “desencarnar”.


[1] https://gecasadocaminhosv.blogspot.com.br/2017/07/o-espirita-no-velorio-cerimonia-do-ate.html
[2] Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XXVIII, item 59, RJ: Ed. FEB, 1939.
[3] Xavier, Francisco Cândido. Servidores no Além, SP: Editora – IDE, 1989.
[4] Vieira, Waldo. Conduta Espírita, RJ: Ed FEB, 1999.
[5] Idem.

sexta-feira, 28 de julho de 2017

COMECE POR VOCÊ[1]


Redação do Momento Espírita


Para quem tem olhos de ver, em toda parte ensinamentos se fazem presentes.
No túmulo de um bispo anglicano, que está na cripta da Abadia de Westminster, na Praça do Parlamento, em Londres, pode-se ler o seguinte:
Quando eu era jovem, livre, e minha imaginação não tinha limites, eu sonhava em mudar o mundo.
À medida que me tornei mais velho e mais sábio, descobri que o mundo não ia mudar. Reduzi, então, meu campo de visão e resolvi mudar apenas meu país.
Mas acabei achando que isso, também, eu era incapaz de mudar.
Envelhecendo, numa última e desesperada tentativa, decidi mudar apenas minha família, os mais próximos, mas, ai de mim, eles não estavam mais ali.
Agora, no meu leito de morte, de repente percebo: se eu tivesse primeiro me empenhado apenas em mudar a mim mesmo, pelo meu exemplo eu teria mudado minha família.
Com a inspiração da família e encorajado por ela, teria sido capaz de melhorar meu país e, quem sabe, poderia até ter mudado o mundo.
Quase sempre, pensamos e agimos exatamente assim. É comum lermos um trecho do Evangelho e logo pensarmos como aquelas frases seriam muito importantes para alguém da nossa família.
Quando ouvimos uma palestra edificante, que concita ao bem, logo nos vem à mente o pensamento de que seria muito bom se determinada pessoa estivesse ali para ouvir.
Isso faria muito bem para ela! É o que dizemos para nós mesmos.
Como esta informação a poderia modificar, mudar sua forma de agir!
Quando estamos vinculados a uma determinada religião, o pensamento não é diferente.
Ficamos a desejar que nossos parentes, nossos amigos, colegas professem a mesma crença, comunguem dos mesmos ideais.
Por vezes, chegamos a nos tornar um pouco inconvenientes, ou talvez até em demasia, mandando recados, frases escolhidas para os amigos.
Tudo nesse intuito de que eles as leiam, as absorvam e coloquem em prática.
São frases que se referem aos bons costumes, à ética, à moral e quem as recebe, com certeza, pensará também: Seria muito bom que o remetente colocasse em prática essas fórmulas. Ele precisa disso.
Por isso é que o mundo ainda não é esse local especial que tanto ansiamos: um oásis de compreensão, com aragem de paz e fontes cantantes de fraternidade.
Porque cada um de nós deseja, pensa, anseia por mudar o outro. Por fazer que o outro se revista de compreensão, de polidez.
Contudo, o Modelo e Guia da Humanidade estabeleceu que cada um deve dar conta da sua própria administração.
Administração da sua vida, dos seus deveres, da sua missão.
O mundo é a somatória de todos nós, das ações de todos os homens.
Cabe-nos, pois a inadiável decisão de nos propormos à própria melhoria.
E hoje, hoje é o melhor dia para isso. Nem amanhã, nem depois.
Hoje. Comecemos a pensar em que poderemos nos melhorar.
Quem sabe, um gesto de gentileza? Que tal um bom dia? Um obrigado, um sorriso?
 
Pensemos nisso.




quinta-feira, 27 de julho de 2017

PARÁBOLA DO AMIGO IMPORTUNO[1]

 


Se um de vós tiverdes um amigo e fordes procurá-lo à meia-noite e lhe disserdes: Amigo, empresta-me três pães, porque um amigo meu acaba de chegar à minha casa de uma viagem, e nada tenho para lhe oferecer: e se do interior o outro lhe responder: Não me incomodes; a porta está fechada, eu e meus filhos estamos deitados, não posso levantar-me para vos dar, digo-vos: embora não se queira levantar para lhes dar, por ser seu amigo, ao menos por causa da sua importunação se levantará e lhe dará quantos pães precisar. E eu vos digo: Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á. Pois todo o que pede, recebe; o que busca, acha; e ao que bate, abrir-se-lhe-á. Qual de vós é o pai que, se o filho pedir um peixe, lhe dará em vez de um peixe uma serpente? Ou se pedir um ovo, lhe dará um escorpião? Ora se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais o vosso Pai Celestial, que dará um bom Espírito aos que lho pedirem.
(Lucas XI : 5-13)
 
Na Terra vê-se muita maldade, mas ao lado desta distinguem-se muitas ações nobres e generosas, principalmente entre amigos, cujos sentimentos e aptidões constituem laços de união e de simpatia. O homem pode não ser bom para com um adversário, um inimigo, um desconhecido. Mas, quando se trata de um amigo, mesmo dessa amizade que o mundo conhece, sem falar da amizade verdadeira que é coisa rara nesta Terra de enganos e aparências, quando se trata de um amigo ou de um conhecido que nos seja simpático, estamos prontos a servi-lo, seja de dia, seja de noite, seja por ser amigo, seja para não sermos importunados.
De modo que, se um amigo bate à nossa porta à meia-noite para nos pedir três pães, e se temos os três pães, levantamo-nos, servimos ao amigo e voltamos para o nosso leito, para que não aconteça ficar o amigo a bater por meia hora à nossa porta e a repetir por dez ou vinte vezes o pedido de três pães, perturbando o sono e a tranquilidade de nossa família. Com esta alegoria quis mostrar-nos Jesus a necessidade da prece, embora repetidas vezes e a qualquer hora.
Fez-nos ver assim que, sendo Deus todo solícito para com suas criaturas, obrará com mais presteza provendo-nos do que é bom em qualquer lugar em que estejamos e a qualquer momento em que lhe dirijamos o nosso apelo. Sendo a bondade divina infinitamente superior à bondade de qualquer de nossos amigos, se contamos com a resposta favorável destes nas nossas necessidades, claro está que, se crermos em Deus, com mais forte razão deveremos crer na sua bondade e na sua misericórdia.
Jesus, para melhor exaltar a imaginação de seus discípulos e fazer-lhes compreender a ação da prece, após haver-lhes ensinado o modo de orar, julgou de bom alvitre fazer a exposição da parábola começando a comparação com os amigos e concluindo-a com os pães.
Qual e o pai, perguntou o Mestre, capaz de dar uma serpente ao filho que lhe pede um peixe? Qual é o pai capaz de dar um escorpião ao filho que lhe pede um ovo?
E acrescentou: Se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai celestial, que dará um bom Espírito aos que lho pedirem.
Já no tempo de Jesus, mesmo entre seus discípulos, a superstição do Diabo, não raro sufocava a predominância que os Espíritos bons tinham, mormente quando chamados para um ato de caridade ou de ciência.
Os fariseus, como acontece com os sacerdotes de hoje, diziam que todos os fatos extraordinários que a ação de Jesus causava, eram oriundos de Belzebu, príncipe dos demônios, tal como se pode verificar nos versos subsequentes do capítulo que estamos estudando.
Os discípulos, como dissemos, também se achavam impregnados dessa crença blasfema, que haviam herdado de seus pais carnais.
Jesus que veio à Terra para anunciar a Palavra do Deus de amor não podia deixar de combater o erro em que se achavam aqueles que mais tarde teriam de ministrar aos homens a sua Doutrina de Perdão e de Caridade.
A parábola do amigo importuno é, pois, a excelente parábola em que o Espírito bom tem a sua primazia.
É claro que, se o nosso pai é incapaz de nos dar uma serpente quando lhe pedimos um peixe, Deus, que é nosso Pai Espiritual, não nos pode dar um Espírito ignorante, atrasado, quando lhe pedimos um Espírito bom.




[1] Parábolas e Ensinos de Jesus – Cairbar Schutel

quarta-feira, 26 de julho de 2017

O FENÔMENO DE PREVORST[1]

 

Muito tempo antes do começo do meu tratamento, a Sra. Hauffe era de tal forma sonâmbula, que ficamos convencidos de que o seu período de vigília era aparente. Não há dúvida de que ela estava então mais bem acordada que os que a rodeavam, porque aquele estado, ainda que o não considerem assim, era o da mais perfeita vigília. Nele não possuía ela força orgânica e dependia completamente dos outros, dos quais recebia a força pelos olhos e pela extremidade dos dedos. Dizia ela que extraía a vida do ar e das emanações nervosas alheias, sem que os outros nada perdessem. Não obstante, afirmam certas pessoas que se sentiam fracas quando ficavam muito tempo perto dela; experimentavam contrações, tremores, sensação de fraqueza nos olhos, na cavidade epigástrica, que ia até ao delíquio. Ela declarava, aliás, que era nos olhos dos homens vigorosos que hauria forças. Recebia mais por parte de parentes que de estranhos, e quando estava inteiramente enfraquecida era naqueles que encontrava alívio. A vizinhança dos fracos e doentes debilitava-a como as flores que perdessem sua beleza e perecessem nas mesmas circunstâncias. Sustentava-se à custa do ar e mesmo nos grandes frios não podia viver sem uma janela aberta.
Era sensível a quaisquer emanações fluídicas, do que não duvidamos, principalmente das provenientes de metais, plantas, homens e animais. As substâncias imponderáveis, tanto quanto as diferentes cores do prisma, produziam-lhe efeitos sensíveis. Sentia influências elétricas de que não temos a menor consciência. E o que é quase incrível, possuía a noção do sobrenatural ou o conhecimento por inspiração do que um homem houvesse escrito.
Seus olhos brilhavam como um luar espiritual que impressionava imediatamente os que a viam, e em tal estado, era mais um espírito que um habitante deste mundo mortal.
Se quiséssemos compará-la a um ser humano, diríamos que ela estaria nas condições dos que flutuando entre a vida e a morte, mais pertencem ao mundo que vão visitar do que ao mundo que estão por deixar.
Não se trata apenas de uma figura poética, senão da expressão de um fato. Sabemos que no momento da morte os homens têm muitas vezes reflexos do outro mundo e o provam. Vemos que um Espírito deixa incompletamente o corpo antes de destacado definitivamente do invólucro terrestre. Se pudéssemos manter durante anos uma pessoa em estado de morte iminente, obteríamos a imagem fiel do estado da Sra. Hauffe. Não é simples suposição, mas a verdade exata.
Ela achava-se muitas vezes nesse estado em que se tem a faculdade de ver Espíritos, perceber o Espírito fora do corpo, como se ele estivesse envolto em ligeira gaze. E via-se desdobrada. Dizia então:
“Parece que saio de meu corpo e plano acima dele, e faço reflexões sobre ele. Não me traz isto agradáveis pensamentos, pois reconheço que o corpo é meu.
Se minha alma estivesse mais estreitamente ligada à força vital, esta ficaria em união mais íntima com os meus nervos; mas os laços que retêm minha força vital afrouxam-se cada vez mais”.
Parecia de fato que a força vital estava tão debilmente retida pelo sistema nervoso, que o menor movimento bastaria para pô-la em liberdade. Via-se ela então fora do corpo e este perdia toda a noção de peso.
A Sra. Hauffe não recebeu instrução nem notas de habilitação. Não conhecia Línguas, História, Geografia, História Natural, não possuía as noções comuns de seu sexo. Durante longos anos de sofrimento, a Bíblia e o Livro dos Salmos eram o seu único estudo. Incontestável a sua moralidade; piedosa sem hipocrisia; considerava seus longos sofrimentos e estranhas condições como um desígnio de Deus, e exprimia em poesia os seus sentimentos.
Como costumo escrever versos, logo disseram que era eu que lhe comunicava essa faculdade por minha força magnética; ela porém já falava em verso antes de eu conhecê-la e não é sem razão que chamaram Apolo o deus dos médicos, dos poetas e dos profetas. O sonambulismo dá faculdade de profetizar, de curar, de compor poesia. Os antigos fizeram uma justa ideia do sonambulismo e nós o envolvemos em todos os mistérios. Galeno, o grande médico, teve mais êxitos com os sonhos do que com toda a sua ciência médica. Conheço uma camponesa que não sabe escrever, mas que em estado sonambúlico se exprime em verso.
Os erros que o mundo espalhou à conta da Sra. Hauffe são inconcebíveis: nunca vi mais sonora prova do pendor para a calúnia que nesta circunstância. Ela gostava de dizer:
“Eles têm poder sobre meu corpo, nunca porém sobre meu Espírito”. Entretanto, o maior número de pessoas que, por curiosidade, lhe rodeavam o leito, causavam-lhe grandes aborrecimentos. Recebia a todos graciosamente, posto que a fadiga que provocavam lhe ocasionasse muitos sofrimentos; e defendia os que mais a caluniavam. Recebia bem os bons e os maus. Percebia as más intenções, porém não as julgava. Muitos pecadores incrédulos que vinham vê-la emendavam-se e foram levados a crer na vida futura.
Muitos anos antes de ter sido confiada a meus cuidados, a terra, o ar, tudo o que aí respira, sem excetuar a espécie humana, não existia para ela. Aspirava a muito mais do que lhe podiam dar os mortais; queria outros céus, outros alimentos, outra atmosfera que o planeta não lhe podia oferecer. Vivia quase em estado de Espírito e já pertencia ao mundo dos Espíritos. Fazia parte do Além e já estava meio morta.
É extremamente provável que fosse possível, nos primeiros anos de sua doença, por um tratamento hábil, pô-la em um estado que lhe permitisse viver nas condições ordinárias do mundo; mas já no último período era impossível. Entretanto, graças aos nossos cuidados, conseguimos para ela tal melhora que, a despeito dos esforços para envenenar-lhe a existência, ela considerou os anos passados em Weinsberg como os menos penosos de sua vida sonambúlica.
Como dissemos, seu corpo frágil envolvia um Espírito como um véu de gazes. Era pequena; seus traços lembravam o Oriente; tinha os olhos penetrantes e proféticos e a expressão avivada por longos cílios pretos. Flor delicada, vivia dos raios do Sol.
Eschenmayer diz a seu respeito nos Mistérios: “Suas disposições naturais eram doces, amáveis, sérias. Sentia-se sempre conduzida para a contemplação e para a prece. Havia algo de espiritual na expressão dos olhos, sempre claros e brilhantes, apesar do sofrimento; de grande mobilidade durante a conversa, tornavam-se subitamente fixos; e via-se por este sinal, que ela estava em presença de uma de suas estranhas aparições. Em tais condições proferia palavras rápidas.
Quando a vi pela primeira vez, sua vida física não prometia longa duração, e ela abandonara a esperança de alcançar um estado que a pudesse manter no mundo.
Embora nenhuma função estivesse alterada, sua vida era uma tocha que se extinguia, uma presa entre as garras da morte e sua alma só se ligava ao corpo pelo poder magnético.
Nela, alma e espírito pareciam em constante oposição, de tal sorte que a primeira se conservava ligada ao corpo, enquanto o segundo desprendia as asas e voava a outras regiões.
 
Dr. Justinus Kerner
 
Obra: A Vidente de Prevorst
Nota do compilador: Dr. Kerner comenta como era a Vidente de Prevorst. Segundo a Doutrina Espírita, nos estudos relativos à Mediunidade levados a efeito por Kardec e posteriormente por outros estudiosos, a Vidente mantinha-se prostrada o tempo todo justamente por não ter o entendimento de como lidar com a sua Mediunidade. Hoje, seguramente, um médium nas circunstâncias dela, pode levar a vida normalmente, desde que saiba o porquê e de como atuar no seu cotidiano.




terça-feira, 25 de julho de 2017

Quadro da Vida Espírita - 1[1]


 
 
Todos nós, sem exceção, mais cedo ou mais tarde atingiremos o termo fatal da vida; nenhuma força nos poderá subtrair a essa necessidade, eis o que é positivo. As preocupações do mundo muitas vezes nos desviam o pensamento daquilo que se passa além-túmulo; quando, porém, chega o momento supremo, poucos são os que não se perguntam em que se transformarão, pois a ideia de deixar a existência sem possibilidade de retorno tem algo que corta o coração.
Realmente, quem poderia encarar com indiferença a hipótese de uma separação absoluta e eterna de tudo quanto amou? Quem poderia ver sem pavor abrir-se à sua frente o imenso abismo do nada, em que iriam desaparecer para sempre todas as nossas faculdades, todas as nossas esperanças?
Quê! depois de mim o nada; nada mais que o vazio; tudo acabado e sem retorno; mais alguns dias e a minha lembrança se apagará na memória dos que me sobreviverem; em breve não restará nenhum traço de minha passagem na Terra; o próprio bem que fiz será esquecido pelos ingratos a quem obsequiei; e nada compensará tudo isso, nenhuma outra perspectiva a não ser meu corpo sendo roído pelos vermes.
 Este quadro do fim de um materialista, traçado por um Espírito que tinha vivido esses pensamentos, não tem algo de horrível, de glacial? Ensina-nos a religião que não pode ser assim, e a razão no-lo confirma. Mas essa existência futura, vaga e indefinida, nada tem que satisfaça o nosso amor do que é positivo. É isso que gera a dúvida em muitas pessoas. Consideremos que tenhamos uma alma. Mas o que é a nossa alma? Terá uma forma, uma aparência qualquer? É um ser limitado ou indefinido? Dizem uns que é um sopro de Deus; outros que é uma centelha; outros, que é uma parte do grande todo, o princípio da vida e da inteligência. Mas o que significa tudo isso? Diz-se, ainda, que é imaterial. Mas uma coisa imaterial não poderia ter propriedades definidas; para nós isto nada representa. Ensina-nos ainda a religião que seremos felizes ou infelizes, conforme o bem ou o mal que houvermos feito. Mas o que é essa felicidade que nos espera no seio de Deus? Será uma beatitude, uma contemplação eterna, sem outro objetivo além de cantar louvores ao Criador? Serão as chamas do inferno uma realidade ou uma ficção? A própria Igreja o entende nesta última acepção, mas quais são esses sofrimentos? Onde o lugar do suplício?
Em suma, o que se faz e o que se vê nesse mundo que nos espera a todos? Diz-se que ninguém voltou até agora para nos dar informações. Eis aí um erro, e a missão do Espiritismo é precisamente esclarecer-nos sobre esse futuro, fazendo-nos, até certo ponto, tocá-lo e vê-lo, não mais pelo raciocínio, mas pelos fatos. Graças às comunicações espíritas isso já não é uma presunção, uma probabilidade, sobre a qual cada um imagina à vontade, os poetas embelezam com as suas ficções ou semeiam de imagens alegóricas e enganadoras; é a própria realidade que nos aparece, pois são os próprios seres de além-túmulo que nos vêm descrever a sua situação e dizer-nos o que fazem, permitindo-nos, por assim dizer, assistir a todas as peripécias de sua nova vida e mostrando-nos, desse modo, a sorte inevitável que nos aguarda, conforme nossos méritos e deméritos. Haverá nisso algo de antirreligioso? Muito ao contrário, pois os incrédulos nele encontram a fé e os tíbios uma renovação do fervor e da confiança. O Espiritismo é, pois, o mais poderoso auxiliar da religião. Se existe é porque Deus o permite, para reanimar nossas esperanças vacilantes e nos reconduzir à senda do bem, pela perspectiva do futuro que nos aguarda.
As conversas familiares de além-túmulo que publicamos, relatando a situação dos Espíritos que nos falam, dão-nos conta de suas penas, de suas alegrias e ocupações; é o quadro animado da vida espírita e nele podemos encontrar as analogias que nos interessam pela própria variedade dos assuntos tratados. Tentaremos resumir o seu conjunto.
Consideremos, em primeiro lugar, a alma ao deixar este mundo e vejamos o que se passa nessa transmigração. Extinguindo-se as forças vitais, o Espírito se desprende do corpo no momento em que cessa a vida orgânica; mas a separação não é brusca ou instantânea, por vezes começando antes da cessação completa da vida; nem sempre é completa no instante da morte. Já sabemos que entre o Espírito e o corpo há um laço semimaterial que constitui um primeiro envoltório: é esse laço que não se quebra subitamente e, enquanto perdura, fica o Espírito num estado de perturbação comparável ao que acompanha o despertar. Muitas vezes duvida de sua morte; sente que existe, vê-se e não compreende que possa viver sem o corpo, do qual se percebe separado; os laços que ainda o prendem à matéria o tornam acessível a certas sensações, que toma como sensações físicas. Não é senão quando se acha completamente livre que o Espírito se reconhece: até então não percebe a sua situação. Como já o dissemos em outras ocasiões, a duração desse estado de perturbação é muito variável: pode ser de algumas horas como de vários meses, mas é raro que ao cabo de alguns dias o Espírito não se reconheça mais ou menos bem.
Entretanto, como tudo lhe é estranho e desconhecido, falta-lhe um certo tempo para familiarizar-se com a sua nova maneira de perceber as coisas.
É solene o instante em que um deles vê cessar a sua escravização pela ruptura dos laços que o prendiam ao corpo; à sua entrada no mundo dos Espíritos ele é acolhido pelos amigos que o vêm receber, como se voltasse de penosa viagem. Se a travessia foi feliz, isto é, se o tempo de exílio foi empregado de maneira proveitosa para si e o elevou na hierarquia do mundo dos Espíritos, eles o felicitam. Ali reencontra os conhecidos, mistura-se aos que o amam e com ele simpatizam, começando, então, verdadeiramente, para ele, sua nova existência.
O envoltório semimaterial do Espírito constitui uma espécie de corpo de forma definida, limitada e análoga à nossa. Mas esse corpo não tem os nossos órgãos e não pode sentir todas as nossas impressões. Entretanto, percebe tudo quanto percebemos: a luz, os sons, os odores etc.. Por nada terem de material, nem por isso essas sensações deixam de ser menos reais; têm, até, algo de mais claro, de mais preciso, de mais sutil, porque lhe chegam sem intermediário, sem passar pela fieira dos órgãos que as enfraquecem. A faculdade de perceber é inerente ao Espírito: é um atributo de todo o seu ser; as sensações lhe chegam de todas as partes, e não por canais circunscritos. Um deles nos dizia, falando da visão: “É uma faculdade do Espírito e não do corpo; vedes pelos olhos, mas não é o olho que vê, é o Espírito”.
Pela conformação de nossos órgãos, temos necessidade de certos veículos para as sensações; é assim que nos é necessária a luz para refletir os objetos e o ar para transmitir o som. Esses veículos se tornam inúteis, desde que não temos mais os intermediários que os tornavam necessários. O Espírito, pois, vê sem o auxílio da nossa luz, ouve sem necessidade das vibrações do ar; eis por que, para ele, não há obscuridade. Mas as sensações perpétuas e indefinidas, por mais agradáveis que sejam, tornar-se-iam fatigantes com o tempo, se não lhe fosse possível subtrair-se a elas. Assim, tem o Espírito a faculdade de suspendê-las; pode deixar de ver à vontade, ouvir ou sentir tais coisas e, consequentemente, não ver, não ouvir e não sentir o que não queira. Essa faculdade está na razão de sua superioridade, porquanto há coisas que os Espíritos inferiores não podem evitar, pelo que se torna penosa a sua situação.
É essa nova maneira de sentir que o Espírito não compreende no início, da qual só aos poucos se dá conta. Aqueles cuja inteligência é ainda muito atrasada não a compreendem de forma alguma e sentiriam muita dificuldade em descrevê-la: absolutamente como entre nós os ignorantes veem e se movem, sem saber como e por quê.
Essa impossibilidade de compreender o que está acima de seu alcance, associada à fanfarrice, companheira ordinária da ignorância, é a fonte das teorias absurdas dadas por certos Espíritos e que nos induziriam em erro, caso as aceitássemos sem controle e não nos assegurássemos do grau de confiança que merecem, através dos meios proporcionados pela experiência e pelo hábito de com eles conversar.
Há sensações que têm sua fonte no próprio estado de nossos órgãos. Ora, as necessidades inerentes ao nosso corpo não podem ocorrer, desde que o corpo não existe mais. O Espírito, portanto, não experimenta fadiga nem necessidade de repouso ou de nutrição, porque não tem nenhuma perda a reparar, como não é acometido por nenhuma de nossas enfermidades. As necessidades do corpo determinam as necessidades sociais que, para os Espíritos, não mais existem, tais como as preocupações dos negócios, as discórdias, as mil e umas tribulações do mundo e os tormentos a que nos entregamos para garantirmos as necessidades ou as coisas supérfluas da vida. Eles sentem piedade pelos esforços que despendemos em razão das futilidades; quanto mais felizes são os Espíritos elevados, tanto maior sofrimento experimentam os inferiores. Entretanto, esses sofrimentos se expressam como angústias que, embora nada tenham de físico, nem por isso são menos pungentes; eles têm todas as paixões e todos os desejos que tinham em vida – falamos dos Espíritos inferiores – e seu castigo é não os poder satisfazer. Isso representa uma verdadeira tortura, que julgam perpétua, porque sua própria inferioridade não lhes permite ver o termo, o que, para eles, também é um castigo.
A palavra articulada também é uma necessidade de nossa organização. Não necessitando de vibrações sonoras para lhes ferir os ouvidos, os Espíritos se entendem pela simples transmissão do pensamento, assim como muitas vezes nos entendemos por meio de um simples olhar. Todavia, os Espíritos fazem barulho. Sabemos que podem agir sobre a matéria e esta nos transmite o som. É assim que se dão a entender, seja por meio de pancadas, seja por gritos que vibram no ar; mas, então, é por nós que o fazem, e não por eles. Voltaremos ao assunto em artigo especial, onde trataremos da faculdade dos médiuns audientes.
Enquanto arrastamos o nosso corpo pesado e material pela terra, como o trabalhador forçado a sua corrente, o dos Espíritos, vaporoso e etéreo, transporta-se sem fadiga de um a outro lugar, vencendo o espaço com a rapidez do pensamento e em tudo penetrando, visto que a matéria não lhe opõe nenhum obstáculo.
O Espírito vê tudo o que vemos, e mais claramente do que nós. Além disso, vê aquilo que nossos sentidos limitados não nos permitem ver; penetrando a própria matéria, ele descobre o que a matéria subtrai à nossa vista.
Os Espíritos não são, pois, seres vagos, indefinidos, conforme as definições abstratas da alma a que nos referimos pouco atrás. São seres reais, determinados, circunscritos, gozando de todas as nossas faculdades e de muitas outras que nos são desconhecidas, porque inerentes à sua natureza; têm as qualidades da matéria que lhes é peculiar e constituem o mundo invisível que povoa o espaço, cercando-nos e se acotovelando incessantemente conosco. Suponhamos, por um instante, que o véu material que os oculta à nossa vista seja rasgado: ver-nos-íamos envolvidos por uma multidão de seres que vão e vêm, agitando-se à nossa volta e nos observando, como o faríamos se nos encontrássemos em uma assembleia de cegos. Para os Espíritos nós somos os cegos e eles são os videntes.



[1] Revista Espírita – Abril/1859 – Allan Kardec

segunda-feira, 24 de julho de 2017

DR. JOÃO DA GAMA FILGUEIRAS LIMA[1]

 

Nascido na cidade do Rio de Janeiro, aos 5 de abril de 1862 e desencarnado no dia 3 de outubro de 1922.
Há mais de um século, nascia no subúrbio de Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, um personagem que se tornou famoso pelos seus elevados dotes morais e pelas virtudes que exornavam o seu Espírito.
Médico, tornou-se renomado pela dedicação que dispensava aos doentes que o procuravam, pois sempre encarou a Medicina como um sacerdócio.
Espírita convicto, soube viver e propagar a Doutrina que esposava, propiciando a todos os mais vivos e santificantes exemplos de uma criatura que realmente se converteu e convenceu-se dos seus edificantes ensinamentos.
Esse homem foi João da Gama Filgueiras Lima, um dos mais autênticos seguidores do Espiritismo e um missionário que soube bem compreender o real significado da vida terrena.
Era filho de Antonio Barros Lima e Da. Maria Palmira da Gama Barros Lima, tendo por influência do famoso médium receitista Domingos de Barros Lima Filgueiras, um dos grandes pioneiros do Espiritismo no Brasil, sido agregado ao seu nome o sobrenome de Filgueiras.
Fez os cursos primário e secundário em escolas particulares, demonstrando uma inteligência muito acima do normal, revelando notável gosto pelos estudos. Seus pais matricularam-no na Imperial Academia de Medicina do Rio de Janeiro, onde concluiu o curso de Farmácia, no ano de 1883, quando tinha 21 anos de idade. Formou-se posteriormente em Medicina, no ano de 1892, defendendo a importante tese "Semiótica da Língua".
Cursou ainda a cadeira de Homeopatia além de ter completado vários outros cursos de aperfeiçoamento profissional.
Motivado por sua acendrada admiração por Samuel Hahnemann, dedicou-se com afinco ao estudo da medicina homeopática, tornando-se um dos mais conhecidos médicos da antiga capital da República, popularizando-se como o "Pai dos Pobres", pelo seu inusitado amor e atenção às criaturas mais necessitadas.
Filgueiras Lima jamais se furtou ao dever de atender a quem necessitasse dos seus serviços médicos, a qualquer hora do dia ou da noite, mesmo que o paciente não tivesse com que pagar a consulta, não hesitando mesmo em fornecer remédios gratuitamente a quem necessitasse.
Foi encarregado da Clínica Homeopática da Santa Casa de Misericórdia, onde iniciava o atendimento ao público logo às primeiras horas da manhã, não se retirando enquanto ali houvesse um paciente. Muitas vezes, quando o número de pacientes era inusitado, ficava até sem almoçar.
Casou-se com Da. Elvira de Andrade Filgueiras Lima e foram pais de numerosa prole.
Homem sensato e dotado de grandes virtudes, tornou-se de direito e de fato um amparo para a pobreza do Rio de Janeiro.
Certa vez, após receitar os remédios a um paciente pobre, como este não tivesse qualquer dinheiro, procurou auxiliá-lo, dando-lhe ajuda para comprar remédios. Porém não encontrou sequer uma moeda. Prometeu-lhe que assim que tivesse dinheiro mandar-lhe-ia levar os medicamentos. Quando o doente estava para sair, entrou um outro cliente que lhe entregou um envelope contendo certa quantia, correspondente a uma dívida antiga. O Dr. Filgueiras chamou o doente anterior e lhe entregou o envelope. O homem agradeceu e saiu; minutos após voltou ao consultório e lhe disse: "Doutor, o senhor enganou-se, este envelope contém uma quantia muito grande". E, diante da admiração do beneficiado, ele retrucou: "A sorte foi sua, tome os remédios e alimente-se bem, para se recuperar mais depressa, vá com Deus".
Era ainda muito jovem, quando começou a frequentar a Federação Espírita Brasileira, acatando sugestão de Domingos Filgueiras, após haver desabrochado nele a mediunidade curadora; pertenceu assim a um grupo de escol de espíritas brasileiros.
Frequentou o atelier fotográfico de Elias da Silva, o fundador da Federação Espírita Brasileira. Dentre aqueles que foram convidados para dirigir a novel instituição figuraram os nomes do Marechal Ewerton Quadros, Dr. Dias da Cruz, Maia de Lacerda, Dr. Bezerra de Menezes, Fernandes Filgueiras e também o nosso biografado.
No ano de 1901 grassou no Brasil violenta epidemia de varíola e a Saúde Pública proibiu que as pessoas atacadas pelo mal fossem tratadas em casa, em vista do grande contágio trazido pela doença. Foi baixada portaria proibindo aos médicos atenderem a chamados particulares, sob pena de pesada multa e até de prisão. O Dr. Filgueiras Lima, levado pelo seu espírito fraterno e sua bondade a toda prova, bem como pelo fato de ser espírita, arriscou-se por várias vezes, atendendo a frequentes chamados. Uma receita do Dr. Filgueiras foi encontrada na residência de um dos pacientes, e ele foi imediatamente multado.
O cliente fez questão de pagar a multa e o Dr. Filgueiras jamais deixou de atender a qualquer chamado para tratar os variolosos.
Em 1918 eclodiu no país um surto epidêmico, com elevado índice de óbitos, da chamada "gripe espanhola". Nessa época foi procurado por um amigo, repórter do antigo órgão "A Noite", o qual propôs-lhe a publicação de receitas homeopáticas, de acordo com os variadíssimos sintomas da moléstia. Ele não se fez de rogado e forneceu o receituário, aconselhando a população, principalmente a do interior, onde é sempre bem maior a escassez de recursos médicos e sanitários, a fazer uso daqueles remédios. Isso foi a salvação de muitos. Passada a terrível epidemia, começou a chegar volumosa correspondência de agradecimentos, pedindo as recompensas de Deus para o bondoso médico que, fazendo uso da imprensa, havia levado o socorro para os sofrimentos de muitos.
O Dr. Filgueiras Lima foi um apóstolo do Bem, na verdadeira acepção da palavra. A sua vivência dos postulados evangélicos havia feito com que seu coração puro e receptivo aos sofrimentos dos homens, se tornasse um manancial de consolação e de luz, para aqueles que perambulam pelos caminhos da vida.
A fortuna material não o fascinou, viveu e partiu pobre para o plano espiritual, apesar de possuir enorme clientela, pois, ele apesar de enfermo, ainda nos últimos dias de vida terrena atendia a todos aqueles que demandavam o seu valioso concurso.
Diz a imprensa da época, que a residência do valoroso seareiro não pôde comportar o elevado número de pessoas que para lá se dirigiu. Por todas as imediações da Rua 24 de Maio, por onde passaria o féretro, acumulava-se enorme multidão.
Mais de 500 carros acompanharam o enterro, tendo o caixão sido transportado pela população que não permitiu que fosse usado o carro funerário.
O Conselho Municipal reuniu-se dois dias após, em sessão ordinária, realçando a sua inconfundível personalidade. O seu nome foi dado a uma Rua de Engenho de Dentro.
Como espírita e cristão, o Dr. Filgueiras Lima soube bem desempenhar a tarefa que lhe foi designada na Terra.




[1] Personagens do Espiritismo - Antônio de Souza Lucena e Paulo Alves Godoy

sábado, 22 de julho de 2017

A LIÇÃO DE ARITOGOGO[1]


 
Irmão X

Examinávamos a paisagem das ambições humanas, quando um amigo considerou:

- Que o homem atenda aos conselhos da prudência, armazenando em bom tempo, como a formiga, para os dias de necessidade e inverno forte, é compreensível e razoável. A vigilância não exclui a previdência, quando é possível amealhar com o bem; mas, explorar o quadro das misérias alheias, embebedar-se na preocupação de ganhar, escravizar-se ao dinheiro, é criar um inferno de padecimentos intraduzíveis.

- Quantos precipícios cavados pelo egoísmo conquistador?! Disse outro.  É lastimável observar as angustias semeadas nos caminhos humanos. As guerras não constituem senão o desdobramento das ambições desmedidas. E dizer-se que toda essa marcha de loucuras demanda as zonas da morte! Quão incompreensível a nossa cegueira, nos círculos carnais! Quantos pesadelos desnecessários e quanta ilusão para se desfazer na sepultura!...

Um dos companheiros presentes sorriu a acrescentou:

- Nesse capitulo, recebi inolvidável lição, há mais de trezentos anos, por intermédio de um chefe indígena em nosso país.

Como assim? Perguntei sumamente interessado.

- Em princípios do século XVII – esclareceu o interlocutor – participava dos serviços de uma embarcação francesa, em transporte de pau-brasil. Periodicamente, dávamos à costa, onde fizéramos agradável camaradagem com os silvícolas, e, naquela época, envergando a qualidade de português do Alentejo, não tive dificuldades para aprender alguns rudimentos da língua aborígine, ao contato dos nossos. Em razão disso, o chefe da tribo litorânea, que respondia pelo nome de Aritogogo, dedicava-me especial atenção. Na sexta viagem de nosso barco, o velho bronzeado chamou-me em particular, ministrando-me uma das mais belas lições de filosofia que já recebi em toda a minha vida. Observando-nos a afoiteza em carregar o navio com a madeira preciosa, perguntou-me ele, na linguagem que lhe era familiar:

- Escute, meu amigo, não há lenha em sua terra? É preciso enfrentar o abismo das águas para alimentar o fogo no lar distante?

- Não, Aritogogo – respondi, esboçando um sorriso de pretensa superioridade -, a madeira não se destina a fogão. O pau-brasil fornece tinta para a indústria da Europa.

- Mas, para que tanta tinta? Tornou ele, assombrado.

- Para tingir a roupa dos brancos. Expliquei.

- Ah! Ah! Vêm buscar a lenha para repartir com o povo, exclamou o cacique, assim como nós buscamos remédio para os que adoecem e comida para os que têm fome!...

-Não, não, esclareci. Somos empregados de um industrial. Toda a carga pertence a um só homem. Trata-se de poderoso negociante de tintas, em França.

Aritogogo arregalou os olhos, espantado, e indagou:

- Que deseja esse homem com tantos paus e tanta tinta?

- Fazer fortuna, respondi. Alcançar muito dinheiro, ter muitas casas e muitos servidores...

O chefe índio sacudiu a cabeça e tornou a perguntar:

- Mas esse homem nunca morrerá?

Ri-me francamente da interrogação ingênua e observei:

- Morrerá, por certo.

- Então? Disse o índio. Se ele vai morrer, como nós todos, deve ser tolo em procurar tanto peso para o coração.

Tentei corrigir-lhe a concepção, obtemperando:

- Esse homem, Aritogogo, está preparando o futuro da família. Naturalmente pretende legar aos filhos uma grande herança, cercá-los de fortuna sólida...

Foi aí que o cacique mostrou um gesto singular de desânimo, e falou em tom grave:

- Ah! Meu branco, meu branco, vocês estão procurando enganar a Deus. As tribos pacíficas, quando começam a cogitar desse assunto, esbarram nas guerras em que se destroem umas às outras. O único ser, que pode legar uma herança legítima aos nossos filhos, é o dono invisível da Terra e do Céu. O sol, a chuva, o ar, o chão, as pedras, as árvores, os rios são a propriedade de Deus que, por elas, nos ensina as suas leis. Retirar os nossos filhos do trabalho natural é pretender enganar o Eterno. Como podem os brancos pensar nisso?

Nesse momento, porém – continuou o amigo espiritual:

- O comandante chamou-me ao posto e despedi-me de Aritogogo, para não mais tornar a vê-lo naquela recuada existência.

O companheiro espraiou o olhar pelo céu azul, como a procurar a imagem distante do cacique filósofo e conclui:

- Desde então, modifiquei minha ideia de ganho, compreendendo onde estão o supérfluo e o necessário, a previdência e o desperdício, a sobriedade e a avareza, a reserva justa e a ambição criminosa. A lição de Aritogogo incorporou-se ao meu espírito para sempre. Com ela, aprendi que dominar o dinheiro e aproveitá-lo a bem de todos, socorrendo necessidade e distribuindo bom ânimo, é obra do homem espiritualizado; mas, deixar-se dominar pelo ouro, na preocupação de ganho transitório, não reparando meios para atingir os fins, açambarcando direitos de outrem e valendo-se de todas as situações para rechear os cofres e multiplicar os lucros, tão somente para manter a superioridade convencional, em prejuízo da consciência, é obra do homem vulgar, escravizado aos gênios perversos da tirania.


[1] Pontos e Contos – Psicografado por Francisco C. Xavier