Um de nossos assinantes, cuja
esposa é excelente médium escrevente, não pode, apesar disso, comunicar-se com
seus parentes e amigos, porque um Espírito mau se impõe a ela e intercepta, por
assim dizer, todas as comunicações, o que lhe causa viva contrariedade. Notemos
que há simples obsessão, e não subjugação, porquanto a médium absolutamente não
é enganada por esse Espírito, que, aliás, é francamente mau e não procura esconder
o seu jogo. Tendo pedido nossa opinião a respeito, dissemos-lhe que não se
livraria dele nem pela cólera, nem pelas ameaças, mas pela paciência; que era
preciso dominá-lo pelo ascendente moral e buscar torná-lo melhor pelos bons
conselhos; que é um encargo de alma que lhe é confiado, e cuja dificuldade lhe será
meritória.
Conforme nosso conselho, marido
e esposa empreenderam a educação desse Espírito, e devemos dizer que se conduzem
admiravelmente; se não o conseguirem, nada terão a se censurar.
Extraímos algumas passagens
dessas instruções, que damos como modelo no gênero, e porque a natureza desse
Espírito nelas se desenha de maneira característica.
Para que sejas mau assim, é
preciso que sofras?
– Sim, sofro; e é isto que me faz ser mau.
Jamais sentes remorsos do mal
que fazes ou procuras fazer?
– Não; jamais tenho remorso, e gozo o mal que faço, pois não posso ver os
outros felizes sem sofrer.
Não admites, então, que se possa
ser feliz com a felicidade dos outros, em vez de encontrar a felicidade em sua desventura?
Jamais fizestes tais reflexões?
– Jamais as fiz, e acho que tens razão; mas não posso me... Não posso
fazer o bem; eu sou...
Observação –
Essas reticências substituem os rabiscos feitos pelo Espírito, quando não quer
ou não pode escrever uma palavra.
Mas, enfim, não queres ouvir-me
e experimentar os conselhos que te poderia dar?
– Não sei, porque tudo quanto me dizes me faz sofrer ainda mais, e não
tenho coragem de fazer o bem.
Muito bem! Prometes ao menos
tentar?
– Oh! Não; não posso, porque não cumpriria a promessa e por isso seria
punido. Ainda é preciso que rogues a Deus para mudar-me o coração.
Então oremos juntos. Pede comigo
que Deus te melhore.
– Insisto que não posso; sou muito mau e agrada-me fazer o mal.
Mas, realmente querias fazê-lo a
mim? Não considero como verdadeiro mal as tuas mistificações que, por certo,
até aqui nos têm sido mais úteis que prejudiciais, porquanto serviram para a
nossa instrução. Assim, como vês, perdes o teu tempo.
– Sim, faço tanto mal quanto posso e, se não faço mais, é por não poder.
Quem te impede de fazer isso,
então?
– O teu bom anjo-da-guarda e tua Maria; sem eles verias do que sou capaz.
Observação –
Maria é o nome de uma jovem que eles evocam em vão e que não se pode manifestar
por causa desse Espírito. Contudo, pela própria resposta do Espírito vê-se que
ela, embora não possa comunicar-se materialmente, nem por isso deixa de lá
estar, assim como o anjo-da-guarda, velando por eles. Esse fato levanta um
sério problema, o de saber como um Espírito mau pode impedir as comunicações de
um bom. Ele só impede as comunicações materiais, mas não pode opor-se às
espirituais. Não é o Espírito mau mais
poderoso que o bom, é o médium que não é bastante forte para vencer a
obstinação do mau, e que deve esforçar-se por vencê-lo pelo ascendente do bem,
melhorando-se cada vez mais. Deus permite essas provas em nosso interesse.
Mas o que me farias, então?
– Eu te faria mil coisas, mais
desagradáveis umas que outras; eu te faria...
Vejamos, pobre Espírito, jamais
tens um impulso generoso? Nunca tens um só desejo de fazer algum bem, ainda que
fosse um vago desejo?
– Sim, um desejo vago de fazer o mal; não posso ter outro. É preciso que
ores a Deus, para que eu seja tocado, pois, de outro modo, certamente
continuarei mau.
Então crês em Deus?
– É necessário que eu creia nele, pois ele me faz sofrer.
Muito bem! Já que crês em Deus,
deves ter confiança em sua perfeição e em sua bondade. Deves compreender que
Ele não fez suas criaturas para votá-las à infelicidade; que se são infelizes,
é por sua própria culpa, e não pela dele; mas que elas sempre têm meios de
melhorar e, consequentemente, de alcançar a felicidade; que Deus não fez
inteligentes as criaturas sem objetivo e que esse objetivo é fazer que todas
concorram para a harmonia universal: a caridade, o amor do próximo; que a
criatura que se afasta de tal objetivo perturba a harmonia e ela própria é a
primeira sofrer os efeitos dessa perturbação. Olha em torno de ti e acima de ti;
não vês Espíritos felizes? Não tens vontade de ser como eles, já que dizes
sofrer? Deus não os criou mais perfeitos do que tu; como tu, talvez tenham
sofrido, mas se arrependeram e Deus lhes perdoou; podes, pois, fazer como eles.
– Começo a ver e a compreender que Deus é justo; eu ainda não tinha
visto; és tu que me vens abrir os olhos.
Então! Já sentes o desejo de
melhorar?
– Ainda não.
Espera, que ele virá. Eu o
espero. Dissestes à minha mulher que ela te torturava, enquanto te invocava.
Crês que procuremos torturar-te?
– Não; bem vejo que não. Mas não é menos verdade que sofro mais que nunca
e vós sois a causa disto.
Observação –
Interrogado quanto à causa de tal sofrimento, um Espírito superior respondeu:
Vem do combate a que ele se entrega; mau grado seu, sente algo que o arrasta
para um caminho melhor, mas resiste. É essa luta que o faz sofrer.
Quem vencerá
nele, o bem ou o mal?
– O bem; mas a luta será
longa e difícil. É preciso ter muita perseverança e dedicação.
Que poderíamos fazer para que
não sofras mais?
– É preciso que ores a Deus para que me perd... (ele risca essas duas
últimas palavras) que tenha piedade de mim.
Pois bem! Ora conosco.
– Não posso.
Disseste que precisas crer em
Deus, pois Ele te faz sofrer. Mas como sabes que é Deus quem te faz sofrer?
– Ele me faz sofrer porque sou mau.
Se é verdade que julgas ser Deus
quem te faz sofrer, deves conhecer o motivo, porquanto não podes imaginar que
Deus seja injusto.
– Sim, creio na justiça de Deus.
Disseste que fomos nós quem te
abrimos os olhos. Verdade ou não, o certo é que não podes dissimular a verdade
do que te dizemos. Ora, quer essas verdades te sejam conhecidas antes de nós,
ou por nosso intermédio, o essencial é que as conheças. Hoje, o grande negócio
para ti é tirar partido delas. Dize, pois, francamente, se a satisfação que
experimentas em fazer o mal não te deixa nada a desejar.
– Desejo que meus sofrimentos acabem; eis tudo. E eles jamais acabarão.
Compreendes que depende de ti
que eles acabem?
– Compreendo.
Em tua última existência
corpórea te entregaste sem reservas às más inclinações, como parece que fazes
agora?
– É preciso que saibas que sou mais imundo que uma fera; sou um miserável
que fez tudo até...
Eu e minha mulher te fizemos
algum mal? Tivestes de te queixar de nós numa outra existência?
– Não; eu não...
Então, dize por que encontras
mais prazer em destilares o teu ódio contra pessoas inofensivas como nós, que
te queremos bem, e não contra gente má, que talvez seja ou tenha sido tua
inimiga?
– Eles não me causam inveja.
Observação –
Esta resposta é característica. Pinta o ódio do mau contra os homens que sabe
serem melhores que ele. É a inveja que cega e muitas vezes impele a atos mais
contrários aos seus interesses. O mesmo ocorre aqui na Terra, onde muitas vezes
os maiores erros de um homem, aos olhos de certas pessoas, têm o seu mérito:
Aristides é um exemplo.
Eras mais feliz na Terra, do que
agora?
– Oh! Sim. Era rico e de nada me privava. Cometi baixezas de toda sorte e
fiz todo o mal que se pode fazer, quando se tem dinheiro e miseráveis à
disposição.
Por que me pedias outro dia que
te deixasse em paz?
– Porque não queria responder às perguntas que me fazias. Mas estou muito
à vontade por me evocares e queria sempre escrever, porque o tédio me mata. Oh!
Não sabes o que é estar continuamente em presença das faltas e dos crimes, como
estou!
Que impressão experimentas à
vista de uma ação generosa?
– Experimento despeito; gostaria de aniquilá-la.
Durante tua última existência
corpórea jamais fizeste uma boa ação, fosse qual fosse o móvel?
– Fiz por ambição e por orgulho; jamais por bondade. É por isso que não
me foi levada em conta.
Observação –
Essas conversas se prolongaram durante grande número de sessões, e ainda neste
momento, infelizmente sem resultado muito sensível. O mal domina sempre nesse
Espírito, que só em raros intervalos demonstra alguns clarões de bons sentimentos;
assim, é uma tarefa penosa para os seus instrutores. Contudo, esperamos que com
perseverança conseguirão domar essa natureza rebelde, ou ao menos que Deus leve
em conta os seus esforços.
[1] Revista Espírita – Dezembro/1860 – Allan Kardec
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