terça-feira, 2 de maio de 2017

Teoria das Manifestações Físicas[1]

 


Concebe-se facilmente a influência moral dos Espíritos e as relações que possam ter com nossa alma, ou com o Espírito em nós encarnado.
Compreende-se que dois seres da mesma natureza possam comunicar-se pelo pensamento, que é um de seus atributos, sem o auxílio dos órgãos da palavra; porém, mais difícil de compreender são os efeitos materiais que eles podem produzir, tais como ruídos, movimentos de corpos sólidos e aparições, sobretudo as tangíveis. Vamos tentar dar a explicação, segundo os próprios Espíritos e conforme a observação dos fatos.
A ideia que fazemos da natureza dos Espíritos torna, à primeira vista, incompreensível esses fenômenos. Diz-se que o Espírito é a ausência completa da matéria, portanto não pode agir materialmente; ora, aí está o erro. Interrogados sobre a questão de saber se são imateriais, assim responderam os Espíritos: Imaterial não é bem o termo, porquanto o Espírito é alguma coisa, sem o que seria o nada. É, se quiserdes, matéria, mas de tal forma etérea que para vós é como se não existisse[2]. Assim, o Espírito não é, como alguns pensam, uma abstração; é um ser, mas cuja natureza íntima escapa totalmente aos nossos sentidos grosseiros.
Encarnado no corpo, o Espírito constitui a alma; quando o deixa com a morte, não sai despojado de todo o envoltório. Dizem-nos todos que conservam a forma que tinham quando vivos e, de fato, quando nos aparecem, geralmente é sob aquela por que os conhecemos na Terra.
Observemo-los atentamente no momento em que acabam de deixar a vida: acham-se em estado de perturbação; ao seu redor tudo é confuso; veem seu corpo são ou mutilado, segundo o gênero de morte; por outro lado, veem-se e sentem-se vivos; alguma coisa lhes diz que aquele é o seu corpo e não compreendem porque deles estão separados: o laço que os unia, pois, não está ainda completamente rompido.
Dissipado esse primeiro momento de perturbação, o corpo torna-se para eles uma roupa velha, da qual se despojaram e que não lamentam, mas continuam a se ver em sua forma primitiva.
Ora, isto não é um sistema: é o resultado das observações feitas com inúmeros sensitivos. Que se reportem agora ao que narramos de certas manifestações produzidas pelo Sr. Home e outros médiuns desse gênero: aparecem mãos, que têm todas as propriedades de mãos vivas, que tocamos, que nos seguram e que se esvanecem repentinamente. Que devemos concluir disso? Que a alma não deixa tudo no caixão e que leva alguma coisa consigo.
Assim, haveria em nós duas espécies de matéria: uma grosseira, que constitui o envoltório externo; a outra sutil e indestrutível. A morte é a destruição, ou melhor, a desagregação da primeira, daquela que a alma abandona; a outra se libera e segue a alma que, dessa maneira, continua tendo sempre um envoltório; é o que chamamos perispírito. Essa matéria sutil, extraída por assim dizer de todas as partes do corpo ao qual estava ligada durante a vida, dele conserva a forma; eis por que os Espíritos se veem e por que nos aparecem tais quais eram quando vivos. Mas essa matéria sutil não tem a tenacidade nem a rigidez da matéria compacta do corpo; é, se assim nos podemos exprimir, flexível e expansível; por isso a forma que toma, embora calcada sobre a do corpo, não é absoluta: dobra-se à vontade do Espírito, que pode dar-lhe tal ou qual aparência, à sua vontade, ao passo que o envoltório sólido oferece-lhe uma resistência insuperável. Desembaraçado desse entrave que o comprimia, o perispírito dilata-se ou se contrai, transforma-se, presta-se a todas as metamorfoses, segundo a vontade que atua sobre ele.
Prova a observação – e insistimos nesse vocábulo observação, porque toda a nossa teoria é consequência de fatos estudados – que a matéria sutil que constitui o segundo envoltório do Espírito só pouco a pouco se desprende do corpo, e não instantaneamente. Assim, os laços que unem a alma e o corpo não são subitamente rompidos pela morte. Ora, o estado de perturbação que observamos dura todo o tempo em que se opera o desprendimento; o Espírito não recobra a inteira liberdade de suas faculdades, nem a consciência clara de si mesmo, senão quando esse desprendimento é completo.
A experiência prova ainda que a duração desse desprendimento varia segundo os indivíduos. Em alguns se opera em três ou quatro dias, enquanto em outros somente se completa ao cabo de vários meses. Assim, a destruição do corpo e a decomposição pútrida não bastam para operar a separação; eis por que certos Espíritos dizem: sinto os vermes a me roerem.
Em algumas pessoas a separação começa antes da morte; são as que em vida se elevaram, pelo pensamento e pela pureza de seus sentimentos, bem acima das coisas materiais; nelas a morte encontra apenas fracos liames entre a alma e o corpo, e que se rompem quase instantaneamente. Quanto mais o homem viveu materialmente, quanto mais seus pensamentos foram absorvidos nos prazeres e nas preocupações da personalidade, tanto mais tenazes são esses laços; parece que a matéria sutil se identifica com a matéria compacta e que entre elas haja coesão molecular; daí por que não se separam senão lenta e dificilmente.
Nos primeiros instantes que se seguem à morte, quando ainda existe união entre o corpo e o perispírito, conserva este muito melhor a impressão da forma corpórea, da qual reflete, por assim dizer, todos os matizes e, mesmo, todos os acidentes. Eis por que um supliciado nos dizia, poucos dias após a sua execução: se pudésseis ver-me, ver-me-íeis com a cabeça separada do tronco.
Um homem que morreu assassinado, nos dizia: Vede a ferida que me fizeram no coração. Acreditava que poderíamos vê-lo.
Essas considerações levaram-nos a examinar a interessante questão da sensação dos Espíritos e de seus sofrimentos; fá-lo-emos em outro artigo, limitando-nos aqui ao estudo das manifestações físicas.
Imaginemos, pois, o Espírito revestido de seu envoltório semi material, ou perispírito, tendo a forma ou a aparência que possuía quando encarnado. Alguns até se servem dessa expressão para se designarem; dizem: minha aparência está em tal lugar.
Evidentemente, estão aí os manes dos Antigos. A matéria desse envoltório é bastante sutil para escapar à nossa vista, em seu estado normal, mas nem por isso deixa de ser visível. Nós a percebemos, primeiro, pelos olhos da alma, nas visões produzidas durante os sonhos; porém, não é disso que vamos nos ocupar. Essa matéria eterizada é passível de modificações, e o próprio Espírito pode fazê-la sofrer uma espécie de condensação que a torna perceptível aos olhos materiais: é o que acontece nas aparições vaporosas. A sutileza dessa matéria permite-lhe atravessar os corpos sólidos, razão por que tais aparições não encontram obstáculos e por que tantas vezes se desvanecem através das paredes.
A condensação pode chegar a ponto de produzir a resistência e a tangibilidade; é o caso das mãos que podemos ver e tocar; mas essa condensação – única palavra de que nos podemos servir para exprimir o nosso pensamento, embora a expressão não seja perfeitamente exata – essa condensação, dizíamos, ou melhor, essa solidificação da matéria eterizada é apenas temporária ou acidental, visto não se encontrar em seu estado normal. Daí por que essas aparições tangíveis, num determinado momento, nos escapam como uma sombra. Assim, do mesmo modo que vemos um corpo se nos apresentar em estado sólido, líquido ou gasoso, conforme seu grau de condensação, de igual modo a matéria do perispírito poderá apresentar-se em estado sólido, vaporoso visível, ou vaporoso invisível. Veremos, a seguir, como se opera essa modificação.
A mão aparente tangível oferece uma resistência; exerce uma pressão; deixa impressões; opera uma tração sobre os objetos que seguramos; há, pois, nela uma força. Ora, esses fatos, que não são hipóteses, podem conduzir-nos à explicação das manifestações físicas.
Notemos, em primeiro lugar, que essa mão obedece a uma inteligência, visto agir espontaneamente; que dá sinais inequívocos de vontade e obedece a um pensamento: pertence, pois, a um ser completo, que se nos revela apenas por essa parte de si mesmo; e a prova disso é a impressão que produz das partes invisíveis, os dentes deixando marcas impressas na pele e provocando dor.
Entre as diferentes manifestações, uma das mais interessantes, sem dúvida, é o toque espontâneo dos instrumentos musicais. Os pianos e os acordeões parecem ser, para esse efeito, os instrumentos de predileção. Esse fenômeno explica-se muito naturalmente pelo que o precede. A mão que tem a força de segurar um objeto pode muito bem apoiar-se sobre as teclas e fazê-las ressoar; aliás, por diversas vezes vimos os dedos da mão em ação e, quando a mão não é vista, veem-se as teclas se agitarem e o fole abrir-se e fechar-se. Essas teclas só podem ser movidas por mão invisível, dando prova de sua inteligência, tocando árias perfeitamente ritmadas, e não como sons incoerentes.
Uma vez que essa mão pode enfiar-nos as unhas na carne, beliscar-nos, arrebatar aquilo que temos na mão; desde que a vemos apanhar e transportar um objeto, como o faríamos nós mesmos, pode muito bem dar pancadas, levantar e derrubar uma mesa, agitar uma campainha, puxar cortinas e, até mesmo, dar-nos uma bofetada invisível.
Sem dúvida perguntarão como pode essa mão ter a mesma força, tanto no estado vaporoso invisível quanto no estado tangível. E por que não? Não vemos o ar derrubar edifícios, o gás lançar projéteis, a eletricidade transmitir sinais e o fluido do ímã levantar massas? Por que a matéria eterizada do perispírito seria menos poderosa? Não a queiramos submeter às nossas experiências de laboratório e às nossas fórmulas algébricas; sobretudo por havermos tomado os gases como termo de comparação, não lhes vamos atribuir propriedades idênticas, nem computar suas forças como calculamos a do vapor. Até o momento ela escapa a todos os nossos instrumentos; é uma nova ordem de ideias que está fora da alçada das ciências exatas; eis por que essas ciências não nos oferecem aptidão especial para apreciá-las.
Demos essa teoria do movimento dos corpos sólidos sob a influência dos Espíritos, somente para mostrar a questão sob todas as faces e provar que, sem nos afastarmos muito das ideias preconcebidas, podemos dar-nos conta da ação dos Espíritos sobre a matéria; mas outra há, de elevado alcance filosófico, dada pelos próprios Espíritos, e que lança sobre essa questão uma luz inteiramente nova. Compreendê-la-emos melhor depois de a havermos lido; aliás, é útil conhecer todos os sistemas, a fim de se poder compará-los.
Resta, pois, explicar agora como se opera essa modificação da substância eterizada do perispírito; por que processo o Espírito opera e, em consequência, qual o papel dos médiuns de efeitos físicos na produção desses fenômenos; aquilo que neles se passa em tais circunstâncias, a causa e a natureza de suas faculdades etc.. É o que faremos no próximo artigo.




[1] Revista Espírita – Maio/1858 – Allan Kardec
[2] N. do T.: Vide O Livro dos Espíritos – Livro II – pergunta 82.

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