Irmão X
Uma alma atormentada de Mãe,
conduzida ao Céu, nas asas blandiciosas do sono, esbarrou ante as
resplandecentes visões do Paraíso.
Um anjo solícito recebeu-a no pórtico.
– Anjo amigo – disse ela em voz súplice –, sou mãe na Terra e tenho dois filhos. Rogo para ambos as bênçãos de
Deus, generosas e augustas.
O mensageiro anotou as petições
e, observando-lhe o desvelo fraternal, a mulher aflita acrescentou, ansiosamente:
– Venho até aqui pedir, em particular, por um deles que, desde muito
tempo, se encontra gravemente enfermo, entre a morte e a vida. Todo o meu
carinho, todos os recursos médicos têm sido ineficazes. Não posso tolerar, por
mais tempo, as lágrimas dolorosas que me afligem o coração. Digne-se o
Todo-Poderoso, por vosso intermédio, conceder-me a graça de vê-la restituído à
saúde.
O emissário das Esferas
Superiores pensou um instante e interrogou:
– Qual de teus dois filhos se encontra mais unido a Deus?
– Meu pobre filhinho doente – respondeu a recém-chegada –, pois que medita na grandeza do Pai
Celeste, dia e noite. É com o Seu nome que se submete aos remédios amargos e é
esperando no Senhor que vê despontar cada aurora. No sofrimento que lhe
desintegra as forças, dirige-se ao Céu com tamanho fervor que se lhe pressente,
de maneira inequívoca, a ligação com o Pai Amoroso e Invisível.
– E o outro? – indagou o mensageiro divino.
– Esse – esclareceu a pedinte, um tanto confundida, qual se lhe fora
impossível dissimular –, é um homem feliz
nos negócios do mundo. Como é favorecido da sorte, parece não sentir
necessidade de procurar o socorro da Providência Divina...
– Qual deles entende a sublime significação do trabalho? – interpelou
o emissário novamente.
– O enfermo, atirado à imobilidade, guarda profunda compreensão, com
respeito às virtudes excelsas do espírito de serviço. Refere-se,
constantemente, aos bens do esforço e edifica quantos lhe ouvem a palavra,
tocada de dolorosas experiências.
– E o outro?
– Talvez pelo gênero de vida a que se consagra deixou de ver as belezas
da ação própria. Dispondo de muitos servidores, descansa nos trabalhos alheios.
Não conhece o radioso convite da manhã, porque se levanta do leito demasiado
tarde, nos hotéis de luxo, e permanece estranho às bênçãos da noite, de vez que
o corpo, saciado em mesas opíparas e extravagantes, não lhe conferem
oportunidade de sentir as sugestões santificadoras da Natureza.
– Qual deles percebe o imperativo de confraternização com os homens,
nossos irmãos? – tornou o mensageiro sorrindo, bondoso.
– O que está preso à enfermidade angustiosa recebe os amigos de qualquer
posição social, com indisfarçável reconhecimento. Recolhe as expressões de
carinho com lágrimas de alegria a lhe saltarem dos olhos. Emociona-se com a
menor gentileza de que é objeto e parece deter, agora, um laço de amor forte e
sincero, mesmo para com aqueles que, em outro tempo, lhe foram inimigos ou
perseguidores.
– E o outro?
– Os favores do mundo – comentou nobremente a palavra maternal – isolam-lhe a personalidade, a distância dos
júbilos domésticos, em rodas restritas e fantasiosas ou nas regiões elegantes,
onde rolem fortunas iguais à dele. Assediado pelos empenhos do mundo social,
cujas ideias se modificam à feição do vento, nunca encontra tempo necessário
para sondar os sentimentos afetivos dos companheiros que o Céu lhe enviou à
senda comum.
O anjo atento passou a refletir,
com grande interesse, e arguiu de novo:
– Para qual deles rogas a bênção de Deus, em particular?
– Em favor do pobrezinho que agoniza no leito – informou a ternura
materna.
O enviado da Providência fixou-a
com extrema bondade e concluiu, com sabedoria:
– Volta à Terra e reconsidera as atitudes do teu carinho! O enfermo do corpo
vai muito bem; já entende a necessidade de união com o Divino Pai e o que
distingue, em verdade, os homens uns dos outros, é o grau de suas relações com
a vida mais alta. Renova, pois, os votos de tuas preces ardentes, porque o
doente grave é o outro.
[1] Pontos e
Contos – psicografado por Francisco C.
Xavier
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